O Brasil é o terceiro
pais com mais presos no mundo. Atualmente no Brasil existem 1.507 unidades
prisionais com uma taxa de ocupação de 165%. São cerca de 773 mil pessoas
privadas de liberdade. Aponta-se ainda que 40% da pessoas que estão presas
se encontram em Prisão Preventiva, aguardando julgamento. Alguns presídios
recebem três vezes mais detentos do que podem suportar. Muitas unidades não
dispõem assistência medica ou educacional a seus internos. A maior parte dos
crimes é relacionado ao patrimônio ou as drogas, sendo poucos os de violência
contra pessoas (DEPEN, 2019).
As más condições físicas,
insalubridade e falta de higiene, além da superlotação tornam o ambiente mais
propicio a doenças transmissíveis como HIV/AIDS, tuberculose, e doenças
respiratórias, representando um grande número de mortes por doenças dentro do
sistema carcerário, além das altas taxas de suicídio (KARAM, 2011). De acordo com Nascimento e Bandeira (2018), menos de 1% dos
recursos financeiros é utilizado na manutenção dos serviços penitenciários, o
que influencia negativamente a qualidade de vida dentro do sistema prisional, a
maior parte dos recursos é destinada a equipamentos de segurança e construção
de novos presídios.
Aponta-se também que o
sistema carcerário atinge apenas a parcela mais empobrecida da população,
revelando grande injustiça social. O sistema prisional depende da economia e
dos valores sociais, sendo um subproduto do contexto social.
De acordo com Foucault
(1999) o encarceramento trata-se de um mecanismo disciplinar e de controle
social (KARAM, 2011) que produz um estigma e uma rejeição social e marginaliza
os sujeitos, assim o sistema penal cria o delinquente a partir da
interiorização. A privação da liberdade não soluciona o problema da segurança
pública, sendo apontada como mantenedora da desigualdade social e ignorância. “As
prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode aumenta-las, multiplicá-las
ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável,
ou, ainda pior, aumenta. [...] a detenção provoca a reincidência: depois de
sair da prisão, se têm mais chances que antes de voltar a ela, os condenados
são, em proporção considerável, antigos detentos.” (FOUCAULT, 1999, p. 221).
Os presídios e penitenciarias
sem estrutura adequada permanecem recebendo pessoas, como um depósito de
indesejados da sociedade, que exclui e, em lugar de ressocializar e reeducar o
sujeito, torna-se uma fábrica de criminosos, que retornam a sociedade como
reféns de seu próprio passado, muitas vezes reincidindo no crime. Ganham a
liberdade, mas permanecem aprisionados. Ao ex detento cabe enfrentar o
desemprego, a desconfiança e o desprezo da sociedade, muitas vezes ficando
preso em um ciclo sem fim de delitos e punições. Pode-se dizer que as prisões
criam uma sociedade mais perigosa.
De acordo com Karam
(2011) a execução penal não compre qualquer função reabilitadora, de
reintegração ou reeducação, e não evita a reincidência do crime, pelo
contrário, a reforça. Não se pode reintegrar alguém na sociedade afastando-o
dela. O Sistema Prisional coloca o condenado contra a ordem social na qual
deveria reintroduzi-lo. A autora ainda coloca que o Sistema Prisional separa, a
partir de ideias simplistas, as pessoas mas das pessoas boas através do
afastamento do convívio social, empregando uma punição, um castigo e
individualizando a culpabilização. A execução das penas apresenta-se com forte
caráter desumanizante, violento e punitivo (CFP, 2012). O Sistema Carcerário
não reduz a violência, pelo contrário, figura como um problema social e de
segurança pública. Aponta-se que não há como responsabilizar o indivíduo por um
problema que é social. Grande parte da população carcerária é jovem, tem baixa
escolaridade e baixa renda, buscando um modo de sobrevivência, quando o Estado
falha em fornecer acesso a segurança, saúde e educação de qualidade para sua
população (CFP, 2012).
O Sistema Prisional não
tem eficácia comprovada na prevenção de crimes, pelo contrário, reproduz a
violência que diz combater (NASCIMENTO, BANDEIRA; 2018). O Plano
Individualizado de Tratamento Penal é algo bonito na teoria, mas que na
prática, não existe realmente. Karam (2011) coloca que um tratamento
individualizado não cabe na forma como os presídios foram constituídos. As
penitenciárias funcionam como
Instituição Total (GOFFMAN, 1961) que viola a singularidade dos sujeitos. O Sistema
Prisional Brasileiro é constantemente apontado como violador dos Direitos Humanos,
proclamados através da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948, é
considerada um marco histórico internacional que suscitou à proteção dos
direitos humanos como interesse compartilhado por toda humanidade.
Segundo Nascimento e
Bandeira (2018) o não reconhecimento dos apenados como sujeitos de direitos
legitima o desrespeito sistemático a legislação. A Constituição Federal, o
Código Penal e a Lei de Execução Penal garantem um tratamento punitivo que
respeite a humanidade, entretanto o Estado nega o caráter de pessoa aos
apenados, transgredindo tais normativas e ignorando os direitos fundamentais do
cidadão. Denuncia-se a falta da garantia básica de direitos, apesar das leis. Na
Constituição Federal (BRASIL, 1988) consta o respeito pela integridade física e
moral do apenado. O Código Penal (BRASIL, 1940) reforça a Constituição,
apontando ainda que ficam preservados todos os direitos não relacionados a
perda da liberdade.
Consta também na Lei de Execuções Penais (BRASIL, 1984) o respeito pelo apenado e o objetivo de proporcionar condições para a reintegração social. A Lei de Execuções Penais (LEP) descreve inúmeros direitos dos detentos tais como: alimentação adequada e suficiente; vestuário; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos; chamamento nominal; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação, entre outras coisas. A execução penal tem como objetivo primordial a reabilitação social do condenado (BRASIL, 1992).
A Psicologia foi inserida
no sistema prisional, não para humaniza-lo, mas para contribuir com as
estratégias punitivas do Estado. A princípio, tinha por objetivo medir e
classificar, por meio de avaliações, como o exame criminológico (BRASIL, 1940;
1984; NASCIMENTO, BANDEIRA; 2018). O
tratamento penal busca ajustar as pessoas a sociedade hegemônica sendo
inicialmente produtoras de disciplina, e hoje, produtoras de exclusão. A
psicologia tem um compromisso social de respeito aos Direitos Humanos, que
deixa o profissional em contradição com seus princípios éticos quando trabalha
no ambiente prisional (CFP, 2012).
Nascimento et. al. (2009)
apontam as principais práticas do Psicólogo no Sistema Prisional. Estes ainda
tem grande ênfase em elaboração de documentos técnicos, perícias e avaliações,
afastando-se das questões de saúde da população carcerária com pouca atenção
psicossocial e integral ao s sujeitos (CFP, 2012). Nascimento e Bandeira (2018) ainda apontam a tarefa da
Psicologia de trabalhar pela Redução de Danos dos efeitos do encarceramento. É
necessário construir um novo modo de fazer psicologia dentro deste contexto,
repensando o papel do profissional. A Psicologia busca se consolidar como
promotora de bem estar, de saúde, de direitos no ambiente prisional,
empenhando-se na ressocialização, reeducação e tratamento penal individualizado
dos apenados (NASCIMENTO, BANDEIRA; 2018).
Consta no Código de Ética
da Psicologia (CFP, 2014) o papel do Psicólogo como defensor dos Direitos Humanos
e promotor de saúde. O Código de Ética que rege a atuação dos psicólogos
brasileiros estabelece compromissos com o respeito e a promoção da liberdade,
da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano; com a promoção da
saúde e qualidade de vida das pessoas e das coletividades; com a contribuição
para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. No sistema prisional, garantir
direitos significa garantir à população acessibilidade aos recursos necessários
para a sustentabilidade de um projeto de vida fora dos muros. Isso significa
que o psicólogo deve trabalhar para promover situações e condições que visem à
promoção social daquele que, devido ao crime que cometeu, teve sua liberdade
sequestrada. O trabalho do psicólogo, desde a entrada da pessoa no sistema
prisional, deve se orientar no sentido da promoção de recursos visando uma
saída sustentável e satisfatória para o fortalecimento do laço social. Afirmar
o direito à saúde e à vida no interior das prisões é um compromisso
ético-político necessariamente contrário à lógica punitivista do Estado que
legitima a segregação, a retirada de direitos e, no limite, a morte de
determinadas parcelas da população.
O Psicólogo atuante no
Sistema Prisional tem como compromisso a melhoria das condições de vida dentro
das instituições, superando a classificação e estigmatização dos indivíduos (NASCIMENTO
et. al., 2009; CFP, 2012). O trabalho da psicologia no sistema prisional
precisa pensar no apenado em liberdade, com garantias para sair da exclusão
social e vencer este círculo vicioso, tendo acessibilidade a recursos que sustentem
e apoiem um projeto de vida com fortalecimento dos laços sociais e uma reinserção
extramuros satisfatória. Deve-se preservar a
integridade do sujeito, não podendo aplicar uma transformação moral forçada.
É compromisso ético do
Psicólogo (CFP, 2014) trabalhar com base no respeito, na dignidade, liberdade,
igualdade e integridade dos sujeitos. Cabe ainda a Psicologia contribuir para
eliminar qualquer forma de negligência, exploração, discriminação, violência,
crueldade e opressão.
Segundo Nascimento e
Bandeira (2018) o encarceramento tem efeitos perversos, e o sistema carcerário
brasileiro está em péssimas condições, frente a isso, o papel do psicólogo é
contribuir para a promoção de saúde e qualidade de vida nesse ambiente. O
sistema prisional depende da economia e dos valores sociais, sendo um
subproduto do contexto social. A Psicologia pode contribuir para a
desconstrução das necessidade sociais, históricas e ideológicas que sustentam a
existência do cárcere a partir de uma perspectiva ética e de uma sociedade
inclusiva e democrática (CFP, 2012).
carceraria.org.br/agenda-nacional-pelo-desencarceramento:
Ø
Suspensão de qualquer investimento em construção de novas
unidades prisionais
Ø
Limitação máxima das prisões cautelares, redução de penas e
descriminalização de condutas, em especial aquelas relacionadas à política de
drogas
Ø
Ampliação das garantias da execução penal e abertura do
cárcere para a sociedade
Ø
Proibição absoluta da privatização do sistema prisional
Ø
Combate à tortura e desmilitarização das polícias, da
política e da vida
APAC é utilizada como exemplo de garantia dos direitos humanos no
sistema prisional, significa Associação de Proteção e Assistência aos
Condenados, tem como princípios: Recuperar o preso; Proteger a sociedade;
Socorrer as vítimas; E promover a justiça restaurativa. Muito se elogia o
método APAC que trata o apenado de forma mais humanizada. Mas várias são as
críticas quanto a esse modelo também. Uma, de que uma ONG está fazendo o
trabalho que deveria ser do Estado – ressocializar o preso. Além de o método
APAC ser apontado por ter índices de reincidências menores, mas os dados não
confiáveis, já que as APACS selecionam os presos. O apenado que vai pra APAC
obedece as regras e se adequa a instituição, por medo de voltar pro presidio
superlotado. E outra que isso não muda nada na raiz do problema, que
denuncia a desigualdade social e o racismo estrutural da sociedade. Além da
precariedade do sistema carcerário, as políticas de encarceramento e aumento de
pena se voltam, via de regra, contra a população negra e pobre. Nas prisões 63%
são negros ou pardos e 36% são brancos, já a população brasileira se constitui
por 53% negros ou pardos e 46% brancos.
Como exemplificado na
série dichavando do Dráuzio Varela no Youtube, um rapaz branco pego com drogas
é usuário e encaminhado para o tratamento de dependência química, enquanto um
rapaz negro, pego com a mesma quantia, da mesma droga, é considerado
traficante, e é preso. Muitas prisões são por tráfico de drogas ou furto e
roubo. (ACESSE Série Drauzio Dichava no YouTube)
A prisão tem a função de
tira de vista os “indesejados”, funciona por uma lógica onde o estado não pode
dar moradia, educação e políticas públicas de saúde pra todo mundo. Então
prende quem é mais afetado por esta falta. E quem não tem acesso a estes
direitos é geralmente a população negra, periférica, de baixa renda e baixa
escolaridade. Isso não quer dizer que as pessoas que tem ensino superior não
cometem crimes. Não necessariamente quem comete crimes vai preso. Se fala de
uma seletividade penal, que pune o indivíduo, não o fato, onde Preconceitos
favorecem que certos tipos de população sejam presos. O periférico é
marginalizado, tem “potencial a criminalidade”, o jovem de boa classe social
estava “só brincando”, e tem mais chances a defesa, recorrer, fiança, por ser
considerado uma “boa pessoa” devido ao seu endereço ou contatos.
Não há estudos que demonstrem alguma relação com aumento de encarceramento e diminuição da violência. Não é um sistema efetivo, mas é lucrativo pra muita gente. Não tem projeto ressocializador e a pena individualizada é uma utopia que só existe no papel. A prisão é uma indústria, sustentada pela cultura, que a utiliza como um espaço de vingança contra o criminoso gerado pelo sistema social através de um controle social. Vemos na mídia e nos círculos sociais a morte de uma pessoa ser justificada pelos antecedentes criminais. A pessoa sai da cadeia mas não deixa de ser “bandido”.
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Acesso em: 22 de Junho de 2020.
BRASIL.
Decreto-Lei Nº. 2.848, de 7 de dezembro
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em: 21 de Junho de 2020.
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Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/
Acesso em: 23 de Junho de 2020.
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