segunda-feira, 26 de abril de 2021

Transtornos Alimentares na Adolescência

 




INTRODUÇÃO

Os transtornos alimentares são distúrbios psiquiátricos caracterizados por alterações no comportamento alimentar, podendo ser classificadas como distorções perceptuais que levam ao desenvolvimento de problemas físicos e psíquicos. São patologias graves de causa multifatorial, onde fatores biológicos, psicológicos e sócio-culturais se somam.

Disfunção alimentar, ou transtorno alimentar, é um termo amplo usado para designar qualquer padrão de comportamentos alimentares que causam severos prejuízos à saúde de um indivíduo. São considerados como patologias e descritos detalhadamente pelo CID 10, DSM V e pela OMS. Geralmente apresentam as suas primeiras manifestações na infância e na adolescência. O diagnóstico precoce é uma abordagem terapêutica adequada dos transtornos alimentares são fundamentais para o manejo clínico e o prognóstico destas condições.  Aproximadamente 90% dos casos são de mulheres jovens, porém recentemente está havendo um aumento no número de transtornos em homens e em adultos de ambos os sexos.  Esses transtornos atingem entre 1 e 4% da população e seguem aumentando de frequência significativamente nos últimos anos (APPOLINARIO e CLAUDINO, 2000).

No presente trabalho tem-se por objetivo discutir sobre os transtornos alimentares na adolescência e seus diversos aspectos. Existem inúmeros outros transtornos alimentares, mas devido a esta abrangência a pesquisa será delimitada. Será apontada a forte influência da mídia, a influência do luto pela perda do corpo infantil, citado na Síndrome da Adolescência Normal de Aberastury e Knobel, assim como a influencia da profissão do indivíduo, a ligação com outras sintomatologias, como ansiedade e depressão, com transtornos alimentares, a anorexia, a bulimia, também será observado que os transtornos alimentares atingem também homens, e abordaremos transtornos menos comentados como a vigorexia.



FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Transtornos alimentares são quadros caracterizados por aspectos como medo mórbido de engordar, preocupação exagerada com o peso e a forma corporal, redução voluntária do consumo nutricional com progressiva perda de peso, ingestão maciça de alimentos seguida de vômitos e uso abusivo de laxantes e ou diuréticos. Trata-se de patologias graves e de prognóstico reservado. Provocam elevados índices de letalidade e levam a limitações físicas, emocionais e sociais. (ABREU e CANGELLI FILHO, 2005) A seguir serão apontados alguns dos principais fatores pesquisados em relação aos transtornos alimentares.

Transtornos Alimentares Relacionados ao Luto Pela Perda do Corpo Infantil

Cada vez mais os transtornos alimentares vêm ganhando espaço na mídia, nas pesquisas do mundo acadêmico e científico, e nas práxis médica e psicológica. A divulgação, os estudos e os casos trabalhados na clínica parecem seguir, conforme pesquisas um padrão de incidência dos transtornos a um grupo mais ou menos específico de pessoas, a saber: adolescentes e jovens adultos. Junto com uma opinião quase unânime de que os mesmos giram em torno de uma visão deformada do corpo físico, e um comportamento severo na intenção de controlá-la.

A adolescência é um período multifacetado do desenvolvimento humano, que coincide mais ou menos com o início da puberdade, sendo este um processo crítico na vida do sujeito obrigando-o a construir uma nova identidade baseada em novas relações objetais e, também, um novo corpo.

Muitos autores têm se debruçado sobre este momento da vida humana, mas é aos desenvolvimentos teóricos de Knobel e Aberastury que se encontra um ponto nevrálgico sobre o qual trabalhar. Knobel, se referindo à adolescência, identifica três lutos vivenciados na adolescência que serão decisivos na construção de sua nova identidade adulta: o luto pelos pais da infância, o luto pela identidade infantil e o luto pelo corpo infantil.

A adolescência marca um período de mudanças psicológicas, corporais, entre outras, nessas mudanças ocorrem os lutos e alguns deles podem ajudar a desenvolver algum transtorno alimentar. As mudanças corporais relacionam-se com o luto do corpo infantil, geralmente ocorre na puberdade, onde o corpo começa a se modificar e a criança, que está se tornando adolescente, se assusta ao perceber as mudanças de seu novo corpo. A partir disso, o adolescente pode desenvolver um transtorno por não querer mudar, ou por não se sentir bem no seu novo corpo.

Devido à puberdade o pré-adolescente começa a passar por diversas mudanças corporais como o crescimento dos pelos, da barba, mudança da voz, alongamento dos membros, maior destaque das genitálias junto da menarca, nas meninas, e a produção de sêmen, nos meninos. E, impossibilitado de impedir essas mudanças, o pré-adolescente só pode assistir passivamente a todas essas mudanças e elaborar, através do processo de luto, a perda desse corpo antigo que não poderá mais ter.

Em relação ao luto pelos pais da infância, percebe-se que o adolescente tira o foco no olhar do outro e coloca sobre o corpo, onde se busca um “corpo perfeito”. Esse corpo pode ser tanto para agradar a si mesmo ou a um desejo de agradar aos pais. Pode-se apontar também a diferença entre homens e mulheres na percepção deste luto, pois enquanto ao menino é celebrado o crescimento, com o aparecimento da barba, por exemplo, e dos músculos que demonstra que está se tornando um homem, para a menina não é apresentada tanta gloria social pela constituição de um corpo feminino, com o crescimento dos seios, por exemplo, e este encurvamento pode ser visto pela menina como um ganho de peso, trazendo assim um neuroticismo pela magreza de sua infância.

O papel dos pais nesta fase de mudanças é fundamental para o adolescente, seus hábitos alimentares influenciam muito a gerar ou não um transtorno, por tanto, é importante manter uma alimentação balanceada, não apenas para agradar. Também é importante a visão que os pais têm sobre os filhos, a ausência desse olhar pode causar aflição, onde o adolescente pode usar a comida, ou a falta dela, como um mecanismo de defesa, levando-o a gerar algum transtorno.

Influência da Mídia nos Transtornos Alimentares

Ao longo dos séculos os padrões de beleza foram mudando muito pelo mundo. Sabe-se que como qualquer outra patologia os transtornos alimentares são multifatoriais, tem variáveis biológicas, psicológicas e culturais. Não se pode afirmar que a mídia seja responsável pelos transtornos alimentares, já que estes existem há mais tempo, apenas não eram compreendidos, porém é visível que a mídia influencia muito ao apresentar os padrões de beleza impostos pela sociedade levando muitas pessoas a não se sentirem satisfeitas com seus corpos e irem em busca de um “corpo perfeito” e idealizado.

Esse padrão inatingível de magreza, amplamente difundido na mídia (televisão, revistas, cinema) e nos desfiles e comerciais, etc. já penetrou no inconsciente coletivo e aprisionou as pessoas dentro de si mesmas. Em consequência disso, mais de 98% das mulheres não se vêem bonitas. As mulheres nunca foram tão expostas a ideais estéticos quanto hoje, era da tecnologia da produção de massa (CURY; 2005).

 

Muitas vezes há o comportamento de risco nesta busca pelo corpo idealizado, com dietas restritivas e desequilibradas, hábitos alimentares inadequados, relação inadequada entre o alimento e o corpo, quadros de bulimia, anorexia, atividades físicas em excesso sem os cuidados adequados, utilização de medicamentos desnecessários, etc.

A mídia também pode ser apontada como grande culpada pela medicalização desnecessária por conta de suas diversas propagandas incentivando seu uso, fazendo o público acreditar que deve consumir um remédio do qual não precisa para ter um corpo bonito, igual ao das atrizes e modelos e usar as roupas da moda, geralmente apresentadas nos grandes desfiles de grandes marcas em um tamanho que apenas aquelas modelos - ideais de beleza magra e normatizada pela profissão - conseguiriam vestir. A moda também dita um padrão predeterminado onde a magreza é associada a um corpo saudável e a beleza, principalmente feminina. O mundo das dietas e a indústria do emagrecimento inclui ainda livros, revistas, artigos de jornal, programas de televisão, vídeos com exercícios, academias de ginástica, regimes alimentares e cirurgias plásticas. As mulheres são o principal alvo de tais investidas. A indústria da dieta prioriza o lucro e ignora os danos à saúde. Assim, informações deturpadas invadem o universo das mulheres que buscam, incansavelmente, esse ideal impossível para a maioria delas, visto que existem biótipos diferentes.

O padrão de beleza veiculado pelos meios de comunicação e pelo convívio social parece exercer um efeito marcante sobre as mulheres. Em pesquisa, universitárias sem transtornos alimentares, expostas ao modelo de corpo magro, a imagens neutras e a imagens de mulheres de peso normal/sobrepeso relataram que as mulheres magras eram tidas como mais atraentes e que a exposição ao modelo magro gerava um aumento de respostas afetivas negativas (culpa, depressão, infelicidade, vergonha). Mais ainda, o reforço social exercido pela família, pelos amigos e pela mídia em adolescentes e adultas jovens para se ter o corpo magro relaciona-se à presença de sintomas bulímicos e prediz o início de sintomas nesta população (GRANDO e ROLIM, 2005).

 

Sabe-se que homens também sofrem com transtornos alimentares. Porém as mulheres são expostas a este padrão desde a sua infância ao brincar com a boneca Barbie, por exemplo, uma boneca que tem perfil de modelo e ideal de beleza que nos é apresentada há mais ou menos 50 anos com a mesma aparência inalcançável a alguém de carne e osso sem a realização de inúmeras cirurgias plásticas. O avanço da tecnologia da beleza, através da mídia, modela subjetividades e impulsiona a indústria da magreza (ANDRADE e BOSI, 2003).

Embora se discuta mais a importância deste assunto ainda observa-se muito poucas atrizes e modelos que não seguem estes padrões estéticos. Ainda há propagandas que falam em ter um corpo ideal para o verão, ideal para usar biquíni. Ora, porque todos os corpos, na infinita pluralidade de diferenças, não podem ser ideais para o verão e para o biquíni? Porque apenas o corpo que está dentro do padrão estético idealizado é ideal para o verão? No mundo contemporâneo, a globalização e a mídia em todas as suas formas de expressão vêm desempenhando, como nunca antes, papéis estruturantes na construção deste modelo (SERRA, 2001). Personalidades, atrizes e modelos esbeltas, com alta estatura e musculatura definida ditam o ideal corporal que “deve” ser seguido (CARRETEIRO, 2005).

A mídia e o ambiente social destacam-se entre os fatores de risco para os transtornos alimentares, associados principalmente ao culto a magreza. Transtornos como anorexia e bulimia causam uma alucinação, uma percepção distorcida do corpo onde o indivíduo se vê gordo, acima do peso, mesmo estando em um estágio perigoso de sub peso. Ocorre mais em mulheres do que em homens e principalmente em mulheres jovens e adolescentes. A influência da mídia, fortalecida pela globalização e pela sociedade, foi descrita por Anschutz e Oliveira e Hutz, que enfatizam a contradição entre o apelo ao estilo de vida sau­dável ao mesmo tempo em que se enaltece o ideal de magreza e se incentiva o consumo de alimentos calóricos. O aumento da prevalência de transtornos alimentares está intimamente ligado a questões sociais, culturais e econômicas do mundo moderno. No ocidente isso se dá de modo especial, onde o “belo deve ser magro”, crença esta amplamente divulgada pela mídia (CORDÁS e CLAUDINO; 2002).

Temos claro como a influência da mídia promove distúrbios da imagem alimentar e corporal. Modelos, atrizes e outros ícones de beleza femininos ao longo das décadas vêm se tornando mais magras. A indústria corporal encarrega-se de reforçar imagens e criar desejos padronizando corpos que por se sentirem fora das medidas, sentem-se insatisfeitos e cobrados. Parte de nossa sociedade sai em busca de uma aparência física idealizada devido à influência que a mídia exerce ao mostrar corpos idealizados e considerados atraentes (RUSSO, 2005). Estudos revelam que adolescentes expostos à mídia em sua maioria são insatisfeitos com sua imagem corporal (BECKER et al., 2002).

No entanto, surge um paradoxo, a imagem corporal real da maioria das pessoas não corresponde à imagem corporal propagada, o que faz com que as pessoas se sacrifiquem na busca dos padrões de beleza publicados pela mídia, busca esta de um padrão ou modelo dito ideal que leva as pessoas à doença e até mesmo a morte (SERRA e SANTOS, 2003).

 

Tem-se uma visão estática de beleza, aonde belo é apenas o que está dentro do padrão, se isso for uma verdade, a maioria das pessoas não é vista como bela, nem pelos outros, nem por si mesma, pois este padrão encontra-se fora de alcance para muitas devido a suas estruturas corporais, biótipos e metabolismos diferentes. O culto ao corpo e a ênfase da sociedade contemporânea no ideal de magreza com as infindáveis propagandas na mídia de vários produtos que auxiliam a perda de peso, regimes, o aumento no número de academias e do número de revistas sobre o assunto, propiciam um ambiente sociocultural que justifica a perda de peso, trazendo consigo uma simbologia de que a beleza física proporcionaria autocontrole, poder e modernidade. Entretanto, essa imagem corporal idealizada é um padrão impossível ou impróprio, incompatível para a grande maioria da população. Pessoas que não possuem este padrão de beleza imposto principalmente pela mídia, sentem-se discriminadas, seja pelos amigos ou até mesmo pelos próprios familiares. Estas situações, muitas vezes tornam-se agravantes dos transtornos alimentares. A questão estética deixa de ser harmônica e passa a ser imposição, criando uma verdadeira epidemia de culto ao corpo.  Culto este que transforma o corpo em objeto, distante do real do sujeito, a tentativa de ser algo que não lhe compete. A indústria cultural através dos meios de comunicação encarrega-se de reforçar imagens e criar desejos padronizando corpos. Na contemporaneidade, olhares voltam-se ao corpo sendo moldado por atividades físicas, tecnologias estéticas e cirurgias plásticas (RUSSO, 2005).

Muitas vezes esta autocrítica excessiva vem de padrões de beleza impostos pela mídia, onde são mostradas mulheres excessivamente magras com um padrão de beleza que foge ao da maioria das mulheres ditas “comuns” o que agrava o caso da baixa auto-estima. A maioria das mulheres que sofrem algum tipo de transtorno alimentar, como por exemplo, a bulimia nervosa toma como padrão de beleza única e exclusivamente mulheres magérrimas, vistas em desfiles de moda e revistas que enfatizam o baixo peso. O que por fim, acaba agravando e aumentando cada vez mais os casos de algum tipo de transtorno alimentar.

Anorexia e a Distorção da Imagem Pessoal

A Anorexia Nervosa (AN) é definida como síndrome grave do ponto de vista psiquiátrico, ela se manifesta no desejo pela magreza excessiva, demonstrando divergência entre a imagem pessoal e a social do indivíduo. O comportamento do anoréxico é monótono e ritualizado, ocasionando em crianças e adolescentes um atraso no desenvolvimento, visto que, tem como reflexo uma perda significativa de peso.

A Anorexia Nervosa tem sua maior ocorrência entre mulheres jovens de origem ocidental, esta varia de 0,3% a 0,9%, uma taxa menor do que a incidência de Bulimia Nervosa (BN), que varia de 1% a 2%. Porém, alguns pesquisadores entendem que esta taxa é na realidade ainda maior, já que, não se incluem nestes números as síndromes parciais ou comportamentos de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares por dificuldades metodológicas.

            A relação entre a anorexia e a bulimia é a algum tempo relatada na literatura, um estudo com 2.881 pacientes adolescentes mostrou que o diagnostico prévio de AN e BN esteve presente em 24% dos pacientes com BN sub clínica e em 31% daqueles com BN clínica. Outro estudo prospectivo com 99 adolescentes concluiu que aqueles com casos sub clínicos de AN e BN tinham chances duas vezes maiores de ingressar na idade adulta dependendo de nicotina, com desordens relacionadas ao consumo de álcool ou usando anfetaminas.

Muitos dos entrevistados atribuem o início de suas novas práticas alimentares a circunstâncias difíceis em que se encontravam:

Foi do nada! Não sei se foi porque o meu namoro começou a ficar ruim, minha autoestima baixou e eu queria ser melhor, ou se esses dois quilos que eu ganhei a mais me fizeram, sei lá... Ou se eu precisava de alguma coisa pra ocupar a minha cabeça. Porque isso ocupa a sua cabeça 24 horas, desde a hora que você acorda. [...] Então, se você quer ocupar a sua cabeça com alguma coisa, tenha anorexia! Porque é, realmente, uma válvula de escape. [...] Só que é uma válvula de escape doente. Igual droga, entendeu? (Ema)

Ema, com 18 anos na época da entrevista, iniciou os sintomas anoréxicos aos 16 anos. Nessa passagem, pode-se identificar que a obsessão sobre a imagem do próprio corpo funcionou como uma saída para seus problemas. Apesar de a anorexia ter início, em geral, na adolescência, para alguns autores ela pode ser encontrada ainda a partir dos 7 anos de idade.

Já dentro da realidade brasileira, apesar dos estudos em relação a estes transtornos alimentares ainda serem escassos, podemos ter uma breve ideia da realidade dos mesmos através de um estudo realizado em 2008 na cidade de Florianópolis. Entre os 1.229 adolescentes do sexo feminino de 10 a 19 anos entrevistados, 15,6% mostraram sintomas de AN e 18,8% relataram insatisfação corporal. Neste estudo também foram encontradas relações entre os sintomas de AN, insatisfação corporal, sobrepeso e obesidade, com aqueles que estudavam na rede pública de ensino e que tinham faixa etária entre 10 e 13 anos.

O Que é a Bulimia Nervosa?  Causas, Sintomas e Tratamento

A bulimia nervosa (BN) é um transtorno alimentar onde o paciente oscila entre a ingestão exagerada de alimentos conflitando com o sentimento de perda de controla sobre a alimentação, e que é seguido por episódios de vômitos ou o uso de laxantes para impedir o ganho de peso, já que pessoas com bulimia nervosa se preocupam muito com a aparência e o ganho de peso. A descrição de bulimia nervosa, tal como a conhecemos hoje, foi elaborada por Russell em 1979, quando descreveu trinta pacientes com peso normal, pavor de engordar, episódios bulímicos e vômitos auto induzidos. Como essas pacientes haviam apresentado anorexia nervosa no passado, Russel considerou inicialmente que a bulimia seria uma sequela, uma “estranha” variação da anorexia nervosa (RUSSELL, 1979).

As causas da bulimia nervosa ainda são desconhecidas, por se tratar de um transtorno de alimentação muitos fatores podem estar envolvidos, a influência da mídia pode estar associada ao surgimento do quadro. O culto ao corpo magro e o desprezo às pessoas acima do peso pregado pela indústria da beleza e da moda, aparentemente, levam milhões de pessoas em todo o mundo a apresentar quadros de bulimia nervosa. As relações familiares também não ficam atrás ao exibir as mesmas premissas de relação. As trocas parentais são, na maioria das vezes, marcadas por baixos níveis de cumplicidade e respeito interpessoal entre os membros. As famílias dos pacientes com bulimia nervosa são descritas nas pesquisas como perturbadas, mal organizadas e com dificuldade de expressão, de afeto e cuidado (LASK, 2000). No trabalho, sintomatologias parecidas acabam por aparecer, já que muitos pacientes não sentem ter encontrado ainda “a atividade de suas vidas”, o que contribui para rotinas que muitas vezes as afastam do interesse, prazer e da realização pessoal.

Logo, a bulimia nervosa trata-se de um distúrbio de imagem, aonde o paciente não consegue aceitar seu corpo da forma que ele é ou tem a impressão de que está acima do peso muitas vezes com níveis acima da realidade. Atitudes assim podem desencadear quadros de ansiedade fazendo com que a pessoa busque maneiras bruscas de eliminar peso, ao mesmo tempo em que busca conforto na comida.

De maneira geral, pode-se afirmar que pacientes com bulimia nervosa apresentam uma auto-estima oscilante, fazendo-as acreditar que podem resolver os problemas de insegurança pessoal através da sua imagem corporal, que deve ser bem delineado, e para isso acabam desenvolvendo dietas impossíveis de serem seguidas, acreditam que ter o controle de suas medidas lhes proporcionará uma condição de segurança emocional.

O tratamento dos transtornos alimentares é, quase sempre, desafiador e complexo, visto que se depara com um quadro de confusão, perplexidade e de franco desespero do paciente e de seus familiares. Assim, várias modalidades terapêuticas específicas são necessárias e desenvolvidas por equipe multiprofissional, entre elas a terapia nutricional, baseada na orientação e reeducação alimentar, a psicofarmacoterapia, a psicoterapia individual e a de grupo familiar.

Transtornos Alimentares Masculinos: Explanando a Vigorexia

A sociedade exerce forte pressão sobre qual deve ser a estrutura corporal dos indivíduos de ambos os sexos. Enquanto para mulheres o corpo magro é considerado ideal e representa sua aceitação na sociedade, para os homens este padrão corresponde a músculos cada vez mais desenvolvidos, muitas vezes alcançados somente com o uso de substâncias como esteróides anabolizantes. (DAMASCENO, et al; 2005) É bem descrito na literatura que atletas apresentam maior prevalência de Transtornos Alimentares do que não atletas. (OKANO, et al; 2005)

A vigorexia pode ser conhecida também como dismorfia muscular ou anorexia nervosa reversa, se trata de um transtorno dismórfico corporal e envolve uma preocupação de não ser suficientemente forte e musculoso em todas as partes do corpo. Indivíduos com este transtorno se descrevem como fracos e pequenos, mesmo com musculatura desenvolvida em níveis acima da média, caracterizando uma distorção da imagem corporal. Estes se preocupam de maneira anormal com sua massa muscular o que pode levar ao excesso de levantamento de peso, prática de dieta hiperprotéica e hiperglicídicas, uso indiscriminado de suplementos protéicos, além do consumo de esteróides anabolizantes. Indivíduos que dispõem deste transtorno alimentar não praticam atividades aeróbicas, pois temem perder a massa muscular.

Segundo Grieve (2007) são nove as variáveis identificadas na literatura da dismorfia muscular: massa corporal, influência da mídia, internalização do ideal de forma corporal, baixa auto-estima, insatisfação pelo corpo, falta de controle da própria saúde, efeito negativo, perfeccionismo e distorção corporal. Este transtorno esta fortemente associado a assuntos relacionados a dietas, aparência física, cirurgias plásticas e a prática de exercícios físicos que estão em toda parte e são influenciados direta ou indiretamente no trabalho, escola, em festas, em nosso contexto social em geral. A vigorexia afeta com maior frequência homens entre 18 e 35 anos (AFONSO, 2006 e GRIEVE 2007).

Falhas nos corpos destes indivíduos que normalmente passariam despercebidas para outros, são reais para estes pacientes. Conduzindo-os para quadros depressivos ou de ansiedade, problemas no trabalho e relações sociais. Não há descrição do tratamento para a vigorexia. Da mesma forma que indivíduos com transtornos alimentares, os indivíduos com vigorexia dificilmente procuram tratamento.

Em caso de tratamento psicológico, inclui a identificação de padrões distorcidos da percepção da imagem corporal, identificação de aspectos positivos da aparência física, deve-se abordar e encorajar atitudes mais sadias e enfrentar a aversão de expor o corpo.



Transtornos Alimentares e a Influência das Profissões

No caso de profissões que exigem leveza para melhor desempenho, como ginastas, jóqueis, patinadoras, bailarinas, etc. ou esbelteza para "comercialização" da imagem, como modelos e atrizes, o risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares é ainda maior. Porém este aumento de risco também ocorre em profissões que exigem uma imagem saudável, como é o exemplo dos profissionais da área de nutrição e educação física. Tem-se por exemplo no balé clássico um alto grau de perfeccionismo com a forma e na ginástica rítmica a cobrança de um alto grau de desempenho, o que pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Também pode-se observar nas modelos ao longo dos últimos vinte anos passaram de um tipo violão para uma figura mais andrógina.

Em um estudo realizado no Centro Universitário do Leste de Minas Gerais em Ipatinga, com estudantes do sexo feminino dos cursos de graduação em Nutrição e Educação Física, usando o EAT (Eating Attitudes Test) foi observado uma maior prevalência de EAT positivo nas alunas do curso de nutrição (23,6%) em relação às alunas de educação física (11,1%). Por terem um maior contato com o alimento as estudantes de nutrição acreditam que a aparência de um corpo perfeito atua de forma favorável no sucesso profissional. Em outro estudo realizado em estudantes de nutrição pelas pesquisadoras Lisângela Rita Penz, Nutricionista da UNIVATES, Simone Morelo Dal Bosco, Mestre em Gerontologia Biomédica pela PUCRS e Jaine Maria Vieira, Doutora em nutrição pela Universidad Complutense de Madrid, foi constatado que de 203 estudantes 38 apresentaram desnutrição, 154 eutrofia, 10 obesidade e 1 obesidade grau I.

Dentro desse quadro ainda é relatada uma grande frequência de caminhadas e idas a academias, totalmente dissociadas de seus benefícios a saúde, estas têm como objetivo principal apenas a manutenção de uma aparência desejada, para melhor se enquadrar nos padrões estéticos criados para aquela profissão.

Outra profissão que recebe muitas críticas em relação à aparência de suas praticantes é o balé. Em um estudo realizado na Faculdade Salesiana de Vitória e na Universidade Federal do Espírito Santo com 139 adolescentes, foi contatado que desvios nutricionais estavam presentes em 4,4% e que 23% apresentaram percentual de gordura anormal. O método EAT concluiu que 12,3% apresentaram resultados positivos para a anorexia nervosa (AN). Diante dos resultados do BITE (Bulimic Investigatory Test Edinburgh), identificou-se que 13,7% apresentam hábito alimentar não usual e 6,5% refletem quadro sub clínico de bulimia nervosa (BN).

A Relação da Ansiedade e Depressão com Transtornos Alimentares

Segundo dados da OMS - Organização Mundial da Saúde (2017), o Brasil é o país com a maior taxa de ansiedade do mundo e o quinto em casos de depressão. É comum, em pacientes de ambos os quadros, o surgimento de transtornos alimentares. Os casos de transtorno de ansiedade vêm aumentado muito nos últimos tempos. Isso se deve, em grande parte, à vida agitada e estressante que levamos. Como afeta boa parte da população, os sintomas causados pelo transtorno podem se agravar e vir causar problemas mais graves, entre eles, os distúrbios alimentares. É comum em pacientes com transtornos de ansiedade ter uma "rota de fuga" para os sintomas do transtorno. Quando esta fuga é encontrada na comida, o paciente desenvolve uma relação obsessiva com os alimentos, podendo levar, por exemplo, à obesidade.

Os sintomas da alimentação compulsória incluem: comer mesmo quando não se está com fome, nunca se sentir satisfeito, além de comer muito rapidamente e sozinho. Também pode incluir um sintoma de tristeza/culpa por ter comido demais. Há também casos de pacientes com transtornos de ansiedade que desenvolveram sintomas tais como baixa auto-estima e perfeccionismo. Nestes casos, o paciente cria uma relação destrutiva com a comida e a culpa pelo seu corpo, seus problemas, etc., podendo levar a quadros como depressão e anorexia.

Diferentemente do transtorno de ansiedade, a relação de um paciente com depressão com a própria alimentação normalmente varia de acordo com o grau da doença. Pacientes com transtorno depressivo podem ter reagir de formas opostas à alimentação. Segundo o psiquiatra Dr. Brunno Araújo Nóbrega, um quadro grave de depressão sem acompanhamento pode se tornar grave o suficiente ao ponto de o paciente comer somente porque se sente obrigado – sem nenhum tipo de prazer envolvido. Em contrapartida, é possível o paciente encontrar na alimentação uma fonte de prazer, usando-a como uma forma de lidar com os sintomas.

Segundo o endocrinologista Dr. Alfredo Halpern, a falta de alguns nutrientes pode causar sintomas parecidos com o da depressão. Isso normalmente acontece em pacientes com Anorexia Nervosa.  A falta de componentes como ferro, vitamina B 12 e vitamina D e doenças como hipotiroidismo e anemia são fatores de risco ao cérebro. Em contrapartida, existem alimentos que fazem bem para o cérebro, como carnes vermelhas e peixes.




CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos apontam que os transtornos alimentares afetam predominantemente a população jovem: 0,5% e 1% para anorexia nervosa, 1% e 3% para bulimia nervosa em adolescentes do sexo feminino. Números questionáveis porque apenas os casos mais graves chegam ao conhecimento médico. Os transtornos alimentares são multifatoriais, podendo ser estes fatores culturais, individuais e familiares.

Fatores culturais envolvem padrões de beleza, pois houve sempre uma contradição que neste sentido a economia é um dos aspectos influentes, nas épocas de escassez de alimentos as formas corporais femininas mais robustas é sinal de poder e opulência, enquanto que em períodos de grande oferta de alimento a magreza representa autodisciplina e sucesso (HERCOVICI e BAY, 1997).

 

Em tempos passados a mulher mais bela era a mulher com mais gordura corporal, pois estas eram as moças ricas, da nobreza, e esta gordura representava esta riqueza, pois na época não havia muito alimento, então as moças plebeias eram as magras e pobres, a grande maioria, e tinham como um ideal de beleza feminina as mulheres de maior peso. Exatamente o contrário do que se observa hoje, aonde o ideal de beleza é a mulher magra, representada pelas modelos, com um biótipo corporal que não é comum a maioria das mulheres. Modelos de beleza até hoje são indicativos de distinção social. Antigamente a gordura era sinônimo de nobreza, atualmente a magreza é sinônimo de poder.

Estudos demonstram dados preocupantes, por exemplo, o preconceito contra a gordura acomete crianças desde a pré-escola e mulheres com sobrepeso têm mais dificuldade em conseguir um bom emprego do que aquelas que estão dentro do padrão estético valorizado. (PUHL e BROWNELL, 2001)

Não somente adolescentes e adultos, crianças aprendem desde cedo com suas famílias e com o meio social a valorizar o corpo magro e muitas vezes mesmo com o peso ideal, relatam insatisfação com suas formas corporais. As crianças também formam imagens do que não é valorizado ou aceito, ou seja, de como não “deveriam” parecer. (CASTILHO, 2001)

Durante a adolescência, sabe-se que amigos passam a ter influência importante na socialização, então a mídia, as amizades e o grupo social têm papel mais significante na satisfação corporal entre adolescentes do sexo masculino do que os pais. Adolescentes do sexo feminino encorajadas por amigas tem mais chances de fazer dietas. Amigas do mesmo sexo exercem mais influência do que as mães na adolescência.

Na mesma proporção mulheres caucasianas, negras, latinas, índias e asiáticas apresentam transtornos alimentares o que comprova que o temor da obesidade já é universal no mundo globalizado. Um maior grau de urbanização parece aumentar a chance dessas patologias, a urbanização levaria a uma maior exposição ao ideal de beleza, a magreza, por meio da mídia além de proporcionar mudanças de hábitos alimentares, com propagandas de refrigerantes e comidas calóricas e gordurosas, fast food, sedentarismo, etc., sendo assim as influências da mídia contraditórias.

A indústria da estética corporal é hoje um dos maiores mercados da sociedade de consumo. Segundo Cury, 2005 esse padrão inatingível de magreza, amplamente difundido na mídia, já penetrou no inconsciente coletivo e aprisionou as pessoas dentro de si mesmas. Os ganhos secundários são muitas vezes tão poderosos que o indivíduo renuncia ao contato interno e perde a conexão com seu corpo real. (CARRETEIRO, 2005)

Embora as pesquisas constatem que pelo menos 95% dos casos de anorexia nervosa e bulimia nervosa ocorrem em mulheres percebe-se, no estudo de Fernandes, 2007 um alto índice de insatisfação na população masculina infantil. Na última década houve um aumento considerável dessas patologias em homens. Para o sexo masculino há também padrões socioculturais impostos: os de um corpo forte e definido, onde a gordura não é permitida.

 


REFERÊNCIAS

 

ABREU, C; FILHO, R. Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa – Abordagem Cognitivo-Construtivista de Psicoterapia. Revista de Psiquiatria Clinica, 31(4); p. 177-183, setembro de 2004. Disponível Em: <http://www.scielo.br/pdf/rpc/v31n4/22405.pdf> Acesso em 10 de Maio de 2017

ANDRADE, A; BOSI, M. (2003). Mídia e subjetividade: impacto no comportamento alimentar feminino. Revista de Nutrição.

APPOLINARIO, J; CLAUDINO, A. Transtornos alimentares. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2000, vol.22, p. 28-31. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462000000600008&lng=en&nrm=iso> Acesso em 16 de Abril de 2017.

Bulimia. Causas e sintomas da bulimia, maio de 2017. Disponível Em: <http://brasilescola.uol.com.br/doencas/bulimia.htm> Acesso em 09 de Maio de 2017

CARRETEIRO, T. (2005). Corpo e contemporaneidade. Psicologia em Revista, 11(17), 62-76.

CARVALHO, R; AMARAL, A; FERREIRA, M. Transtornos alimentares e imagem corporal na adolescência: uma análise da produção científica em psicologia. Psicologia: Teoria e Prática, vol.11 no. 3 São Paulo  2009. Disponível Em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872009000300015> Acesso em 22 de Abril de 2017.

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Autores envolvidos na produção deste artigo:

Gabriela Dornelles Tessari

Helena Palavro Basso

Jéssica Panizzon Ferreira

Johnny dos Santos Buratti

Leonardo Baccega Buziki

Patrik Liseu Zotti Serena

Marco Antônio Marzzaro Benelli

Marlusa Ap. Monteiro de Andrade

 


Artigo não publicado oficialmente – Não Plagie!!!


 


domingo, 11 de abril de 2021

Adoção de Crianças Especiais

 

QUAL É A CONDIÇÃO DO SEU AMOR?


Uma questão sobre o verdadeiro sentido da adoção visando crianças e adolescentes com necessidades especiais.

 


INTRODUÇÃO

Atenta-se para o Cadastro Nacional da Adoção, especificamente para os dados referentes às crianças e adolescentes portadores de doenças ou necessidades especiais, dentre estas as deficiências mentais, deficiências físicas, crianças portadoras de HIV, entre outras doenças detectadas. E também observar os pretendentes a adoção que se disponibilizam a acolher estas crianças, sendo que segundo o Cadastro Nacional da Adoção, mais da metade dos pretendentes somente aceitam crianças sem doenças.

Observamos também no decorrer do projeto que não basta se disponibilizar a adoção deve-se também possuir os recursos necessários para atender as necessidades da criança, que podem abranger casos mais leves e casos mais complexos, dependendo a situação pessoal. Além de disponibilizar de uma demanda de tempo e de muito amor.

Vivemos em uma sociedade onde crianças portadoras de necessidades especiais muitas vezes são deixadas de lado pela família, pela própria deficiência ou por maiores dificuldades, isso leva a abrigos, onde tem uma grande dificuldade de serem adotados. Portadores de necessidades especiais são infantilizados e marginalizados em nossa sociedade. Quando estes são disponibilizados para adoção junto com crianças sem problemas cognitivos ou motores, são deixados de lado pelo estigma de que dariam muito trabalho e que necessitarão de acompanhamento para o resto da vida, em alguns casos é sim necessário, mas há vários exemplos que provam o quão são habilitados a seguir a própria vida e se superar.

E por que não adotar uma criança especial? Ela pode dar amor tanto quanto uma criança sem qualquer deficiência. Muitas vezes essas crianças surpreendem mostrando que sempre podem mais. Essas crianças também merecem uma oportunidade de serem amadas e terem família, mas raramente conquistam essa oportunidade.

 

OBJETIVOS

v  Avaliar a situação geral da adoção no Brasil.

v  Avaliar a situação de crianças com necessidades especiais e de pretendentes a adoção no Brasil.

v  Olhar para as crianças portadoras de alguma necessidade especial que aguardam uma família para adoção.

v  Pontuar as dificuldades e possibilidades de uma adoção especial.

v  Utilizar exemplos de vivencias reais para demonstrar que a adoção especial é possível e pode dar certo.

v  Observar que há vários graus dentre as necessidades especiais, podendo estas serem físicas, mentais, leves ou complexas.

v  Refletir nos motivos para adoção pelos adotantes.

v  Pensar nas necessidades das crianças e adolescentes.

 


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

Dados revelam que a adoção significa a escolha de uma criança com perfil, preferencialmente meninas loiras, recém nascidas e saudáveis. Mesmo reconhecendo isso, estes dados nos mostram uma outra face, o tipo mais raro de adoção: O de crianças com necessidades especiais, que precisam de cuidados também especiais. Apesar das dificuldades que as estatísticas revelam, existem pessoas dispostas a adotá-las e assim revelam a condição do seu amor, proporcionar satisfação, onde se pesam as dificuldades...

A adoção se trata de satisfazer os desejos das pessoas ou encontrar uma família para uma criança abandonada?

“Não se trata mais de dar uma criança ao casal, mas de dar pais a uma criança”. Natalio (2001, p. 38)

Há de ser considerada a expectativa de ambos, pois enquanto para os adultos pretendentes a adoção significa a escolha de uma criança com determinado perfil, para a criança significa uma oportunidade de ter uma família, superar o abandono entre outros fatores emocionalmente significantes. Ter um filho é um conceito diferente de ser mãe e pai.

Schettini Filho (1998) sobre este tema adverte sobre a necessidade de não se usar a criança e analisar o significado da adoção para aquela pessoa que se pretende adotar.

O que se denomina “adoções necessárias” como as inter-raciais, ou de crianças maiores, a chamada adoção tardia, e de crianças com necessidades especiais mostra o quanto é preciso vencer o preconceito da adoção, mesmo aquele comparativo entre filhos adotados e filhos biológicos.

Na tabela do Cadastro Nacional de Adoção sobre crianças com necessidades especiais e pretendentes a adoção dispostos a realizar uma adoção especial é perceptível que há mais adotantes do que crianças aptas a adoção, mas por muitas razões as crianças não chegam a essas famílias, como a burocracia no sistema de adoção de nosso país e as dificuldades de cuidado com alguns casos dentre as crianças especiais. 

Mas afinal, porque adotar uma criança com necessidades especiais?

Niblett (2001) baseando-se em pesquisas realizadas na Inglaterra, apresenta algumas características de famílias que com frequência adotam crianças com necessidades especiais. Elas costumam ter experiências com pessoas deficientes; estão centradas nos filhos; não possuem um nível educacional especialmente elevado; lutam pelos direitos dos filhos; são criativas e inovadoras, ajudando seus filhos a progredir; recebem o apoio dos familiares e amigos; satisfazem-se com cada pequeno avanço do seu filho.

Adotar ou ter um filho com necessidades especiais não é uma questão de bom ou ruim é apenas e tão somente um fato!

Como nas palavras de Col (2003) “um diagnóstico é apenas um diagnóstico, a criança especial é apenas um fato... o que realmente fará a diferença somos nós, os pais, que podemos escrever e reescrever esse script com a qualidade e o valor que quisermos.”

Destaque-se que todas as crianças abandonadas em instituições têm características especiais, que necessitam de cuidados especiais, podem ter sofrido desde maus tratos, até rejeições, abusos, doenças infantis diagnosticadas a posteriori...

“Eu me sinto mãe, só (risos). Eu não me sinto mãe de uma criança com necessidades especiais. Não tem diferença, eu penso. É claro que, às vezes, toda mãe gostaria que seu filho fosse... tivesse bem em tudo. É que a gente vai incorporando isso. Ele é daquele jeito, ele é dessa forma. É dessa forma que a gente o ama. Se ele desenvolver muito, ótimo. Se ele não desenvolver, ótimo também. Ele continua sendo o filho amado da gente.”- Depoimento de mãe de criança especial.

Adotar uma criança seja ela qual for sua necessidade especial é dar a ela uma oportunidade de reinventar-se, superar-se, resignificar-se, desenvolver-se em seu ritmo com suas marcas e sua história, suas características e principalmente uma condição de amor adequado a fazê-la viver com dignidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Pesquisas comprovam que o maior motivo da adoção é porque o adotante não pode ter seu filho biológico, mas há grande diferença entre ter um filho e ser mãe a pai. Não se trata de dar uma criança a uma família, mas sim de dar uma família a uma criança. Adotar é muito mais que um ato de amor, é uma doação, uma entrega, e no caso da criança especial, vai muito além de ajudar uma criança, é um amor especial em todos os sentidos. Quem aceitou adotar crianças especiais relata ser recompensado todos os dias com o sorriso, o amor e as conquistas do filho.

Hoher e Wagner (2006), em pesquisa sobre a adoção de crianças com necessidades especiais avaliaram a orientação dos profissionais para as famílias com os seguintes tópicos: falta de preparação profissional e psicológica dos profissionais; necessidade de que todos da família saibam do diagnóstico; respeito aos momentos de sofrimento e de negação por parte deles; procurar notar as qualidades e não apenas as anormalidades na criança; utilizar linguagem adequada e iniciar o tratamento necessário o mais cedo possível.

Quem pretende aceitar o desafio de adotar uma criança ou adolescente portador de necessidades especiais deve avaliar tudo o que envolve este ato, se terá condições financeiras para atender suas necessidades, caso esta precise de consultas regulares com especialistas, medicação, fisioterapia, fonoaudióloga, consultas psicológicas e psiquiátricas, educação especial... Também pode considerar o aspecto cultural que envolve o olhar da sociedade para esta adoção; se está preparado, se tem a estrutura necessária, se poderá atender a demanda de tempo desta criança. As necessidades especiais abrangem de casos mais leves a casos mais complexos e cada criança é diferente, mas todas as crianças são especiais, e uma grande recompensa é perceber o sorriso, o olhar e a expressão de gratidão deste filho especial para cada mãe e cada pai que enfrentam as dificuldades com um sentimento que vai alem do amor incondicional.

"Não acho que exista diferença em ser filha adotiva. Uma pessoa pode ter nascido da barriga e outra ter sido adotada e o amor é o mesmo. O mais importante é a gente ter o carinho da mãe. Tem gente que fica me perguntando como é ser filha adotiva, se é ruim. Eu digo que não tem nada a ver, que o amor é igual (ou pode ser melhor!) e que a gente tem muita sorte de ter uma família porque tem muitas crianças que ficam a vida toda em orfanatos. Isso é triste. Eu me sinto uma criança bem normal e... feliz!...” Claudia (nome fictício) 9 anos, depoimento de criança adotada.

 

Segundo o dicionário adoção é o: processo ou ação judicial que se define pela aceitação espontânea de alguém como filho(a), respeitando as condições jurídicas necessárias. Ação ou efeito de adotar, tomar para si com cuidados. A palavra adoção tem origem do latim "adoptio", que significa "tomar alguém como filho".

A presente pesquisa e o embasamento teórico que trata do tema apresentado possibilitaram responder grande parte das questões que foram levantadas no decorrer do presente trabalho. Os dados apontaram as preferências dos adotantes por crianças menores e sem qualquer deficiência. Também analisamos os motivos que levam a uma maior preferência por estas crianças, este fator está ligado à crença de que crianças maiores ou com alguma deficiência podem levar consigo maus hábitos ou algum problema mais grave devido a suas limitações.

Importante também observar que tanto na adoção de crianças especiais ou na adoção tardia quanto na adoção convencional, as chances de sucesso ou fracasso no meio familiar dependem de suporte, amor, confiança, companheirismo, entrega e trocas afetivas mutuas. Toda a criança que se encontra na espera para adoção tem um histórico de abandono e tal fato deve ser levado em consideração, porém indiferente de idade ou limitações todas as crianças merecem e precisam de uma nova chance, de uma família dedicada que lhes de apoio, precisam acima de tudo se sentirem aceitos e amados para que seja possível a adaptação e a reconstrução de sua história de vida.

Para cada criança na fila de adoção há cerca de seis famílias interessadas, mas a maioria tem preferência por crianças pequenas, de até 5 anos de idade, meninas, brancas e saudáveis. Sendo que não é esta a maioria de crianças aptas a adoção, e sim meninos negros e mais velhos. Quando a criança tem alguma doença ou deficiência se torna mais difícil para aquela criança que mais precisa de cuidado e carinho ter uma família. Não é fácil, mas não é impossível! O adotante deve avaliar o real motivo e significado de estar realizando uma adoção, e se dispor de recursos, se questionar: Qual é a condição do seu amor?

 

Dados de janeiro de 2021





REFERÊNCIAS

 

Cadastro Nacional de Adoção <http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf>  Acesso em 03 de novembro de 2016.

 

Fonte Dep. I,II,III: WEBER, Lidia. Filhos Adotivos, Pais Adotados: Depoimentos e Histórias de Escolhas. Editora Santa Mônica. Curitiba, Paraná. 2007. Acesso em 30/08/2016.

 

Fonte Dep. V, VI: FONSECA, Célia. SANTOS, Carina. DIAS, Cristina. A adoção de crianças Especiais na Perspectiva dos Pais Adotivos. Artigo Acadêmico da Universidade Católica de Pernambuco, publicado em Scielo.com. Recife, Pernambuco. 2009. Acesso em 30/08/2016.

 

Fonte: Natalio, H. (2001). Um sentido para a vida. In F. Freire (Org.), Abandono e adoção: Contribuições para uma cultura da adoção III (pp. 37-39.) Curitiba: Terra dos Homens.

 

Fonte: Hoher, S. P., & Wagner, A. D. L. (2006). A transmissão do diagnóstico e de orientações a pais de crianças com necessidades especiais: A questão da formação profissional. Estudos de Psicologia (Campinas), 23, 113- 125.

 

Artigo: A adoção de crianças com necessidades especiais na perspectiva dos pais adotivos.<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X2009000300004&lng=en&nrm=iso&tlng=pt> Acesso em 03 de setembro de 2016.

 

Artigo: A Adoção De Crianças Com Necessidades Especiais.

<http://www.webartigos.com/artigos/a-adocao-de-criancas-com-necessidades-especiais/41128/> Acesso em 03 de setembro de 2016.

 

Vídeo: adoção de crianças especiais < https://www.youtube.com/watch?v=yjAtDmcqgAE> Acesso em 13 de setembro de 2016.



 

Vídeo: A Adoção de Criança Especial <https://www.youtube.com/watch?v=XUqXI1XOnA0> Acesso em 13 de setembro de 2016

 


Vídeo: Programa Ver Mais - Maringá - Adoção Especial

<https://www.youtube.com/watch?v=XUqXI1XOnA0> Acesso em 03 de setembro de 2016.


Vídeo: (X) Não faz restrição - Um retrato da Adoção Tardia e Especial

<https://www.youtube.com/watch?v=kkVsOSHFxPs> Acesso em 03 de setembro de 2016.


Vídeo: Programa Papo de Mãe sobre a Adoção Especial

<http://tvbrasil.ebc.com.br/papodemae/episodio/adocao-especial> Acesso em 06 de setembro de 2016.

 

Noticia: Jornal Nacional – Aumenta a adoção de crianças especiais e com mais de 3 anos. <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/05/aumenta-adocao-de-criancas-especiais-e-com-mais-de-3-anos.html> Acesso em 03 de outubro de 2016.