domingo, 8 de agosto de 2021

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO

 


Introdução

Por muitos anos, a dificuldade de aprendizagem foi a maior demanda recebida por psicólogos dentro do contexto escolar. Infelizmente, hoje ainda não podemos dizer que o enfoque do trabalho da psicologia em instituições educacionais foi transformado, mas podemos afirmar que aos poucos está sendo realizada uma reinvenção desse conceito.

Ao abordarmos a dificuldade de aprendizagem dificilmente conseguimos não citar os problemas de comportamento, comumente visto na rotina de qualquer escola. No presente trabalho buscamos nos questionar sobre a relação entre as duas problemáticas: a dificuldade de aprendizagem e os problemas comportamentais.

Conforme visto por Silva (2016) pode-se ressaltar que a organização do indivíduo, suas interações sociais e suas percepções podem ser influenciadas pelas dificuldades de aprendizagem. Sendo assim, faz-se necessário o estudo e aprofundamento dessas questões, com o objetivo principal de melhorar o ambiente escolar, a partir dos fatores cognitivos, sociais, pedagógicos e emocionais dos indivíduos.

 

Dificuldades de Aprendizagem e Problemas de Comportamento:

 

De acordo com Silva (2016), o contexto escolar é responsável por privilegiar a realização acadêmica. No entanto, a escola não se trata de um local exclusivo da educação formal, mas também de um local que proporciona grande aprendizagem social, ou seja, é um ambiente possibilitador da relação e interação com o meio. Desta forma, a escola é uma instituição que promove competências cognitivas, comportamentais e sociais.

Conforme Hammil (1990) apud Camisão (2005), as dificuldades de aprendizagem se encontram, em termos de categorização, ainda mal definidas, e seu estudo tem gerado tanto grande interesse, quanto grandes controvérsias. Silva (2016) também defende que a definição de problemas de aprendizagem deve contemplar fatores cognitivos, sociais, pedagógicos e emocionais. Segundo Fonseca (1996) apud Camisão (2005), vários investigadores concordam em considerar que existem múltiplas causas para as dificuldades de aprendizagem, e não estão de acordo com muitas que lhes são atribuídas.


Nos últimos vinte anos, tem-se procurado definir com maior clareza o conceito de dificuldades de aprendizagem, tendo havido até o presente um esforço por parte dos profissionais implicados, desde investigadores a pais e entidades governamentais, de modo a estabelecer-se uma definição válida, que reúna largamente o consenso entre todos. A elaboração de uma definição globalmente aceita é essencial para o futuro das dificuldades de aprendizagem, pois do contrário continuarão a surgir confusões entre quem tem e quem não tem dificuldades de aprendizagem e até se as dificuldades de aprendizagem realmente existem. (HAMMILL, 1990 apud CAMISÃO, 2005. Pág.10)

 

Camisão (2005) explica que não há uma associação clara entre dificuldades de aprendizagem e problemas comportamentais. Entretanto, parece haver uma relação bidirecional entre as duas problemáticas. De acordo com DuPaul e Stoner (1994) apud Camisão (2005), é provável que as crianças com dificuldades de aprendizagem venham a apresentar problemas de comportamento. Tais problemas podem vir a interferir na adaptação escolar e social, enquanto que os indivíduos com problemas comportamentais também teriam uma elevada probabilidade de apresentar dificuldades na sua aprendizagem escolar. Sendo assim, este processo seria uma via de mão dupla.

Segundo Silva (2016), a organização do indivíduo, suas interações sociais e suas percepções, podem ser influenciadas pelas dificuldades de aprendizagem, interferindo de forma significativa no rendimento escolar, além de poder gerar comportamentos desajustados, devido às respostas inadequadas aos estímulos.  Dentro desse aspecto, a “Dificuldade no aprendizado é caracterizada como desempenho, em notas ou tarefas, abaixo de um nível esperado para a idade, habilidade e potencial de um indivíduo. É, portanto, uma discrepância entre a aptidão acadêmica e seu desempenho.” (ELLIS; BERNARD, 2006 apud MATURANO; ELIAS, 2016).

A partir das ideias de Fonseca (1995) apud Marinho-Araujo et. al. (2006), na grande diversidade de comportamentos apresentados pelas crianças com dificuldades de aprendizagem, surgem inúmeras adversidades que podem comprometer essa aprendizagem. Estas podem ser perceptivas, cognitivas, emocionais, de atenção, de memória, entre outros, e que, de forma interligada, tendem a gerar problemas de comportamento. Stevenato et. al. (2003) menciona que, sentimentos de inferioridade, frustração, raiva e agressividade diante do fracasso escolar podem resultar também em problemas comportamentais. Marinho-Araujo (2006) expõe que, no Brasil, a queixa mais frequente nos encaminhamentos psicológicos de crianças e adolescentes, são os de dificuldades de aprendizagem. Cita também uma pesquisa de Souza (1997) aonde se verificou que, em oito unidades de saúde da região sudoeste da cidade se São Paulo, 71% dos encaminhamentos feitos para o atendimento psicológico de jovens na faixa etária entre cinco e quatorze anos, apresentavam como principal queixa os problemas escolares. Esta porcentagem é composta por duas categorias, sendo 50% referente às deficiências de aprendizagem, e 21% à problemas de comportamento.

 

As crianças com problemas comportamentais são frequentemente criticadas pelos adultos e rejeitadas pelos pares, situação que conduz a que tenham uma imagem deficiente de si própria, reduzindo a sua auto-estima. O fracasso sucessivo em vários domínios acentua e eterniza os problemas motivacionais, emocionais e interpessoais destas crianças. (CAMISÂO, 2005. Pág. 22)

 

Conforme Martini e Burochovitch (1999) apud Stevenato et. al. (2003), crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento associados, tendem a experimentar dificuldades quanto à sua auto percepção. Assim, apresentam autoconceito negativo e controle predominantemente externo, atribuindo o sucesso a fatores externos e o fracasso a fatores internos. Este autoconceito mais baixo poderia se justificar pelo fato de essas crianças receberem um feedback negativo do ambiente, não só em relação ao domínio acadêmico,mas também em relação ao domínio social. Stevenato et. al. (2003) ressalta que se pode considerar que o autoconceito dessas crianças, sofre influência negativa do fracasso escolar.

Segundo Rock et. al. (1997) apud Stevenato et. al. (2003), estudantes, no início da escolarização, que apresentam correlação entre dificuldades de aprendizagem e problemas comportamentais, tendem a apresentar um declínio no progresso acadêmico, o que pode contribuir com o aumento de comportamentos mal adaptativos ao longo do tempo.

De acordo com Marturano (1997) apud Stevenato et. al. (2003), as dificuldades de aprendizagem no início da escolarização, podem levar ao rebaixamento da auto-estima e a sentimentos de desamparo, o que, consequentemente, pode desencadear a agressividade. Esta forma de funcionamento pode ser prejudicial ao desenvolvimento do sujeito, já que a auto percepção negativa pode favorecer a continuidade do comportamento agressivo e as dificuldades no trato social. Nesse sentido, “Tal padrão de funcionamento pode ser visto como favorecedor de risco de delinquência na adolescência.” (Ibidem. Pág. 9)

Lemos e Meneses (2002) apud Silva (2016) realizaram um estudo aonde foi possível observar que os alunos com baixa realização acadêmica apresentavam, significativamente, menos habilidades sociais, e mais problemas de comportamento, em comparação à alunos com realização acadêmica mais elevada. Nessa perspectiva, “Investigações sugerem que 75% das crianças com dificuldades de aprendizagem sofrem também de dificuldades no nível da competência social” (KAVALE; FORNES, 1996 apud SILVA, 2016).

Partindo dos estudos de Masten e Reed (2002) apud Maturano e Elias (2016), as dificuldades escolares são vistas como adversidades crônicas, que deixam a criança em risco de desadaptação psicossocial, já que interfere diretamente na execução de uma das principais tarefas de desenvolvimento desta fase: a realização acadêmica. “Dificuldades adaptativas precoces, expressas em altos níveis de problemas emocionais e/ou comportamentais, têm sido associadas a trajetórias desfavoráveis.” (Pág. 123). Todavia, ressalta-se que com a compreensão adequada do quadro, dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento não são limitantes e nem determinantes da trajetória do indivíduo.

Além disso, outro referencial teórico que explana o conteúdo abordado é o de Análise de Comportamento. Esta teoria elucida que os denominados “comportamentos problema”, não são considerados diferentes dos demais comportamentos existentes; portanto, são aprendidos da mesma forma que eles. Esses comportamentos podem aparecer ao acaso e, de acordo com as consequências que essa ação proporcionar, é viável que sua ocorrência aumente. Nesse sentido, as consequências seriam reforçadoras positivas se houvesse a introdução de um determinado estímulo, ou reforçadoras negativas, resultado da remoção de um estímulo aversivo. (CATANIA; 1999 apud WIELEWICKI; 2011)

Nesse contexto, segundo Bolsoni-Silva e Del Prette (2003), também há a visão organicista sobre as dificuldades de aprendizagem, que se caracteriza pelo conceito de deficiência, bem como o de culpabilizar somente o aluno. Nesse quesito, descreve-se que existe uma demanda de aprendizagem; entretanto, o sujeito não consegue atingi-la. Desse modo, como salienta a autora, o aluno “Não consegue atingir porque o ambiente, com suas múltiplas variáveis, não é capaz de lidar com diferenças, de forma a prover recursos que estas pessoas atinjam a demanda necessária. ” (2003, Pág. 94)

Entende-se, portanto, que não se pode considerar o contexto escolar apenas como um ambiente onde se busca educar. Ele é muito mais complexo e relevante, pois trata-se de um espaço de aquisição de conhecimento compartilhado, tal como visto no documentário “Quando sinto que já sei” (2014) e nas considerações propostas também por Patto (2015), principalmente no que diz respeito ao fracasso escolar e a seleção de quem deve ser educado, em determinadas situações.

Deste modo, interpreta-se que caso o aluno continuar a se sentir inferior, devido á a ausência de justiça social, alegada por Patto (2015), frustrado e/ou agressivo. Isto pode contribuir ainda mais, seja para o fracasso escolar como para a condição de divórcio entre a aprendizagem e o comportamento adequada à melhoria cognitiva do sujeito.

Acerca do comportamento, observa-se ainda que se faz necessário analisá-lo com um maior cuidado, identificando sua origem e seus elementos, em especial, frente aos chamados “comportamentos problema”. Por isso, entende-se que se faz necessária a inserção da psicologia dentro de uma perspectiva preventiva e relacional como orientadora da atuação em Psicologia Escolar.

 

Conclusão:

 

As dificuldades de aprendizagem e de comportamento são fatores inerentes ao cotidiano escolar. O que requer dos profissionais voltados a esta área, uma análise e uma separação de determinadas ações que visem contribuir tanto para o aprimoramento de aquisição de conhecimento como para uma interação social adequada aos parâmetros educacionais considerados como formadores positivos do indivíduo.

Nesse sentido, entende-se que o papel do psicólogo escolar é de fundamental relevância para servir como um facilitador entre o aluno, os professores, os pais e a comunidade em geral. Ou seja, o objetivo principal deve ser a melhoria cognitiva e interpessoal do primeiro, seja ela em termos de aprendizagem como também na tentativa de mostra-lhe a importância de saber se relacionar com outras pessoas, com respeito e a educação, propriamente dita.

Trata-se, portanto, de um desafio constante, o qual requer a atenção de todos os envolvidos, em especial, ao psicólogo escolar, evitando-se a maneira mais utilizada e predominante por parte do senso comum, na qual existe a sentença de que as dificuldades da criança em termos de aprendizagem e relacionamento fazem parte da sua natureza e jamais conseguirão ser aprimoradas.

Por fim, sugere-se ainda como proposta para futuros estudos a realização de pesquisas voltadas para a aprendizagem e o comportamento observável em escolas públicas e privadas, com o intuito de conhecer semelhanças e diferenças entre os estudantes de ambos os tipos de instituições.


REFERÊNCIAS:

 

BOLSONI-SILVA, A.T. DEL PRETTE, A. Problemas de comportamento: um panorama da área. São Paulo: Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, vol. V, 2003. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbtcc/v5n2/v5n2a02.pdf> Acesso em: 30 de Abril de 2018.

CAMISÃO, I.F.F. Aprendizagem e Comportamento. Portugal, 2005. Disponível em: <https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/941/7/P4_Cap%C3%ADtulo%20I.PDF> Acesso em: 21 de Abril de 2018.

MARINHO-ARAUJO, C.M; NEVES, M.M.B.J.A Questão das Dificuldades de Aprendizagem e o Atendimento Psicológico às Queixas Escolares. Aletheia, n.24, p.161-170, jul./dez. 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/aletheia/n24/n24a15.pdf> Acesso em: 20 de Abril de 2018.

MATURANO, E.M; ELIAS, L.C.S. Família, Dificuldades no Aprendizado e Problemas de Comportamento Escolares. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 59, p. 123-139, jan./mar. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n59/1984-0411-er-59-00123.pdf> Acesso em: 21 de Abril de 2018.

PATTO, M.H.S. (2015) A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia.(4ª ed.), revista e aumentada. São Paulo: Intermeios.

SILVA, T. Relação entre Dificuldades de Aprendizagem e Competência Social no 1ºCiclo. Dissertação apresentada no Mestrado em Temas em Psicologia; Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Universidade do Porto - Portugal. Outubro de 2016. Disponível em: <https://sigarra.up.pt/fpceup/pt/pub_geral.show_file?pi_gdoc_id=592252> Acesso em: 20 de Abril de 2018.

STEVENATO, I.S; LOUREIRO, S.R; LINHARES, M.B.M; MARTURANO, E.M. Autoconceito de Crianças com Dificuldades de Aprendizagem e Problemas de Comportamento. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8, n. 1, p. 67-76, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/pe/v8n1/v8n1a09.pdf> Acesso em: 20 de Abril de 2018.

WIELEWICKI, A. Problemas de comportamento infantil: importância e limitações de estudos de caracterização em clínicas escola brasileiras. Paraná: Temas em Psicologia - Vol. 19., 2011. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n2/v19n2a03.pdf> Acesso em: 30 de Abril de 2018.

 


 

 

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