Introdução
Por muitos anos, a
dificuldade de aprendizagem foi a maior demanda recebida por psicólogos dentro
do contexto escolar. Infelizmente, hoje ainda não podemos dizer que o enfoque
do trabalho da psicologia em instituições educacionais foi transformado, mas
podemos afirmar que aos poucos está sendo realizada uma reinvenção desse
conceito.
Ao abordarmos a
dificuldade de aprendizagem dificilmente conseguimos não citar os problemas de
comportamento, comumente visto na rotina de qualquer escola. No presente
trabalho buscamos nos questionar sobre a relação entre as duas problemáticas: a
dificuldade de aprendizagem e os problemas comportamentais.
Conforme visto por
Silva (2016) pode-se ressaltar que a organização do indivíduo, suas interações
sociais e suas percepções podem ser influenciadas pelas dificuldades de aprendizagem.
Sendo assim, faz-se necessário o estudo e aprofundamento dessas questões, com o
objetivo principal de melhorar o ambiente escolar, a partir dos fatores
cognitivos, sociais, pedagógicos e emocionais dos indivíduos.
Dificuldades de Aprendizagem e Problemas de Comportamento:
De acordo com Silva (2016), o contexto escolar é
responsável por privilegiar a realização acadêmica. No entanto, a escola não se
trata de um local exclusivo da educação formal, mas também de um local que
proporciona grande aprendizagem social, ou seja, é um ambiente possibilitador
da relação e interação com o meio. Desta forma, a escola é uma instituição que
promove competências cognitivas, comportamentais e sociais.
Conforme Hammil (1990) apud Camisão (2005), as
dificuldades de aprendizagem se encontram, em termos de categorização, ainda
mal definidas, e seu estudo tem gerado tanto grande interesse, quanto grandes
controvérsias. Silva (2016) também defende que a definição de problemas de
aprendizagem deve contemplar fatores cognitivos, sociais, pedagógicos e
emocionais. Segundo Fonseca (1996) apud Camisão (2005), vários investigadores
concordam em considerar que existem múltiplas causas para as dificuldades de
aprendizagem, e não estão de acordo com muitas que lhes são atribuídas.
Nos últimos vinte anos, tem-se procurado
definir com maior clareza o conceito de dificuldades de aprendizagem, tendo
havido até o presente um esforço por parte dos profissionais implicados, desde
investigadores a pais e entidades governamentais, de modo a estabelecer-se uma
definição válida, que reúna largamente o consenso entre todos. A elaboração de
uma definição globalmente aceita é essencial para o futuro das dificuldades de
aprendizagem, pois do contrário continuarão a surgir confusões entre quem tem e
quem não tem dificuldades de aprendizagem e até se as dificuldades de
aprendizagem realmente existem. (HAMMILL, 1990 apud CAMISÃO, 2005. Pág.10)
Camisão (2005) explica que não há uma associação
clara entre dificuldades de aprendizagem e problemas comportamentais.
Entretanto, parece haver uma relação bidirecional entre as duas problemáticas.
De acordo com DuPaul e Stoner (1994) apud Camisão (2005), é provável que as
crianças com dificuldades de aprendizagem venham a apresentar problemas de
comportamento. Tais problemas podem vir a interferir na adaptação escolar e
social, enquanto que os indivíduos com problemas comportamentais também teriam
uma elevada probabilidade de apresentar dificuldades na sua aprendizagem
escolar. Sendo assim, este processo seria uma via de mão dupla.
Segundo Silva (2016), a
organização do indivíduo, suas interações sociais e suas percepções, podem ser
influenciadas pelas dificuldades de aprendizagem, interferindo de forma
significativa no rendimento escolar, além de poder gerar comportamentos
desajustados, devido às respostas inadequadas aos estímulos. Dentro desse aspecto, a “Dificuldade no
aprendizado é caracterizada como desempenho, em notas ou tarefas, abaixo de um
nível esperado para a idade, habilidade e potencial de um indivíduo. É,
portanto, uma discrepância entre a aptidão acadêmica e seu desempenho.” (ELLIS;
BERNARD, 2006 apud MATURANO; ELIAS, 2016).
A partir das ideias de Fonseca (1995) apud
Marinho-Araujo et. al. (2006), na grande diversidade de comportamentos
apresentados pelas crianças com dificuldades de aprendizagem, surgem inúmeras
adversidades que podem comprometer essa aprendizagem. Estas podem ser
perceptivas, cognitivas, emocionais, de atenção, de memória, entre outros, e
que, de forma interligada, tendem a gerar problemas de comportamento. Stevenato
et. al. (2003) menciona que, sentimentos de inferioridade, frustração, raiva e
agressividade diante do fracasso escolar podem resultar também em problemas
comportamentais. Marinho-Araujo (2006) expõe que, no Brasil, a queixa mais
frequente nos encaminhamentos psicológicos de crianças e adolescentes, são os
de dificuldades de aprendizagem. Cita também uma pesquisa de Souza (1997) aonde
se verificou que, em oito unidades de saúde da região sudoeste da cidade se São
Paulo, 71% dos encaminhamentos feitos para o atendimento psicológico de jovens
na faixa etária entre cinco e quatorze anos, apresentavam como principal queixa
os problemas escolares. Esta porcentagem é composta por duas categorias, sendo
50% referente às deficiências de aprendizagem, e 21% à problemas de
comportamento.
As crianças com problemas
comportamentais são frequentemente criticadas pelos adultos e rejeitadas pelos
pares, situação que conduz a que tenham uma imagem deficiente de si própria,
reduzindo a sua auto-estima. O fracasso sucessivo em vários domínios acentua e
eterniza os problemas motivacionais, emocionais e interpessoais destas
crianças. (CAMISÂO, 2005. Pág. 22)
Conforme Martini e Burochovitch (1999) apud
Stevenato et. al. (2003), crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem
e problemas de comportamento associados, tendem a experimentar dificuldades
quanto à sua auto percepção. Assim, apresentam autoconceito negativo e controle
predominantemente externo, atribuindo o sucesso a fatores externos e o fracasso
a fatores internos. Este autoconceito mais baixo poderia se justificar pelo
fato de essas crianças receberem um feedback negativo do ambiente, não
só em relação ao domínio acadêmico,mas também em relação ao domínio social.
Stevenato et. al. (2003) ressalta que se pode considerar que o autoconceito
dessas crianças, sofre influência negativa do fracasso escolar.
Segundo Rock et. al. (1997) apud Stevenato et. al.
(2003), estudantes, no início da escolarização, que apresentam correlação entre
dificuldades de aprendizagem e problemas comportamentais, tendem a apresentar
um declínio no progresso acadêmico, o que pode contribuir com o aumento de
comportamentos mal adaptativos ao longo do tempo.
De acordo com Marturano (1997) apud Stevenato et.
al. (2003), as dificuldades de aprendizagem no início da escolarização, podem
levar ao rebaixamento da auto-estima e a sentimentos de desamparo, o que,
consequentemente, pode desencadear a agressividade. Esta forma de funcionamento
pode ser prejudicial ao desenvolvimento do sujeito, já que a auto percepção
negativa pode favorecer a continuidade do comportamento agressivo e as
dificuldades no trato social. Nesse sentido, “Tal padrão de funcionamento pode
ser visto como favorecedor de risco de delinquência na adolescência.” (Ibidem.
Pág. 9)
Lemos e Meneses (2002) apud Silva (2016) realizaram
um estudo aonde foi possível observar que os alunos com baixa realização
acadêmica apresentavam, significativamente, menos habilidades sociais, e mais
problemas de comportamento, em comparação à alunos com realização acadêmica
mais elevada. Nessa perspectiva, “Investigações sugerem que 75% das crianças
com dificuldades de aprendizagem sofrem também de dificuldades no nível da
competência social” (KAVALE; FORNES, 1996 apud SILVA, 2016).
Partindo dos estudos de
Masten e Reed (2002) apud Maturano e Elias (2016), as dificuldades escolares
são vistas como adversidades crônicas, que deixam a criança em risco de
desadaptação psicossocial, já que interfere diretamente na execução de uma das
principais tarefas de desenvolvimento desta fase: a realização acadêmica. “Dificuldades
adaptativas precoces, expressas em altos níveis de problemas emocionais e/ou
comportamentais, têm sido associadas a trajetórias desfavoráveis.” (Pág. 123).
Todavia, ressalta-se que com a compreensão adequada do quadro, dificuldades de
aprendizagem e problemas de comportamento não são limitantes e nem
determinantes da trajetória do indivíduo.
Além disso, outro
referencial teórico que explana o conteúdo abordado é o de Análise de
Comportamento. Esta teoria elucida que os denominados “comportamentos
problema”, não são considerados diferentes dos demais comportamentos
existentes; portanto, são aprendidos da mesma forma que eles. Esses
comportamentos podem aparecer ao acaso e, de acordo com as consequências que
essa ação proporcionar, é viável que sua ocorrência aumente. Nesse sentido, as
consequências seriam reforçadoras positivas se houvesse a introdução de um
determinado estímulo, ou reforçadoras negativas, resultado da remoção de um
estímulo aversivo. (CATANIA; 1999 apud WIELEWICKI; 2011)
Nesse contexto, segundo
Bolsoni-Silva e Del Prette (2003), também há a visão organicista sobre as
dificuldades de aprendizagem, que se caracteriza pelo conceito de deficiência,
bem como o de culpabilizar somente o aluno. Nesse quesito, descreve-se que
existe uma demanda de aprendizagem; entretanto, o sujeito não consegue
atingi-la. Desse modo, como salienta a autora, o aluno “Não consegue atingir
porque o ambiente, com suas múltiplas variáveis, não é capaz de lidar com
diferenças, de forma a prover recursos que estas pessoas atinjam a demanda
necessária. ” (2003, Pág. 94)
Entende-se, portanto,
que não se pode considerar o contexto escolar apenas como um ambiente onde se
busca educar. Ele é muito mais complexo e relevante, pois trata-se de um espaço
de aquisição de conhecimento compartilhado, tal como visto no documentário
“Quando sinto que já sei” (2014) e nas considerações propostas também por Patto
(2015), principalmente no que diz respeito ao fracasso escolar e a seleção de
quem deve ser educado, em determinadas situações.
Deste modo,
interpreta-se que caso o aluno continuar a se sentir inferior, devido á a
ausência de justiça social, alegada por Patto (2015), frustrado e/ou agressivo.
Isto pode contribuir ainda mais, seja para o fracasso escolar como para a
condição de divórcio entre a aprendizagem e o comportamento adequada à melhoria
cognitiva do sujeito.
Acerca do
comportamento, observa-se ainda que se faz necessário analisá-lo com um maior
cuidado, identificando sua origem e seus elementos, em especial, frente aos
chamados “comportamentos problema”. Por isso, entende-se que se faz necessária
a inserção da psicologia dentro de uma perspectiva
preventiva e relacional como orientadora da atuação em Psicologia Escolar.
Conclusão:
As dificuldades de
aprendizagem e de comportamento são fatores inerentes ao cotidiano escolar. O
que requer dos profissionais voltados a esta área, uma análise e uma separação
de determinadas ações que visem contribuir tanto para o aprimoramento de
aquisição de conhecimento como para uma interação social adequada aos
parâmetros educacionais considerados como formadores positivos do indivíduo.
Nesse sentido,
entende-se que o papel do psicólogo escolar é de fundamental relevância para
servir como um facilitador entre o aluno, os professores, os pais e a
comunidade em geral. Ou seja, o objetivo principal deve ser a melhoria
cognitiva e interpessoal do primeiro, seja ela em termos de aprendizagem como
também na tentativa de mostra-lhe a importância de saber se relacionar com
outras pessoas, com respeito e a educação, propriamente dita.
Trata-se, portanto, de
um desafio constante, o qual requer a atenção de todos os envolvidos, em
especial, ao psicólogo escolar, evitando-se a maneira mais utilizada e
predominante por parte do senso comum, na qual existe a sentença de que as
dificuldades da criança em termos de aprendizagem e relacionamento fazem parte
da sua natureza e jamais conseguirão ser aprimoradas.
Por fim, sugere-se
ainda como proposta para futuros estudos a realização de pesquisas voltadas
para a aprendizagem e o comportamento observável em escolas públicas e
privadas, com o intuito de conhecer semelhanças e diferenças entre os
estudantes de ambos os tipos de instituições.
REFERÊNCIAS:
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