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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021
terça-feira, 19 de janeiro de 2021
Correlações entre "Professor Polvo" e a Relação Terapêutica
Disponível na Netflix (2020) |
Recentemente assisti a um
documentário que me foi indicado, intitulado “Professor Polvo”, que relata a
descoberta e relação de um biólogo marinho com um polvo fêmea que foi estudado
por ele e registrado todos os dias durante cerca de um ano. As vozes da minha
cabeça, que trabalham de forma muito peculiar, viram nisso uma metáfora da
relação terapêutica. No início há uma cautela, e o polvo
vai ganhando confiança, aos poucos, para sair de seu esconderijo e interagir com o
mergulhador. Se percebe a empatia do homem com o polvo, a resiliência do polvo
diante dos perigos da vida selvagem e como esses perigos mobilizam o
pesquisador. Entretanto o biólogo tem consciência de que não pode interferir na
natureza, não pode espantar os tubarões, que são predadores do polvo, e também
não pode carregar o polvo ferido para uma área segura, não pode alimentar o
animal fragilizado. Ele observa o desenvolvimento desse polvo e como ele
constrói novas formas, cada vez mais elaboradas, de caçar seu alimento e de se
esconder e enganar os predadores. O polvo é um animal extremamente inteligente,
porém recluso, mas este animal em especial adquiriu uma interação e uma
confiança com este humano, fazendo contato físico, se permitindo ser visto e acompanhado em seu habitat. Uma
cena marcante que me remete a esta grande viagem de pensamentos é quando o
polvo brinca com um cardume de peixes. Também incluo na metáfora o momento que
o polvo se assusta com um movimento inesperado do equipamento de filmagem e
nada rapidamente para se esconder, mas abandona seu esconderijo anterior,
obrigando o pesquisador a rastreá-lo. Podemos considerar que a ligação e a
confiança foram quebradas, porém, quando encontrado, reconhece e recepciona o
mergulhador. Uma resistência, um medo, um regresso no processo, porém ainda há
confiança para reestabelecer e seguir com a relação. O polvo se sente
estimulado pelo novo que o mergulhador representa. Assim como o polvo e o
pesquisador, na relação terapêutica não podemos afastar os perigos que cercam o
cliente (claro, não falando de um contexto de vulnerabilidade e trabalho
social), mas observar o seu desenvolvimento de ferramentas para enfrentar suas
dificuldades. O cliente tem recursos e nós reconhecemos esta capacidade de
crescimento inerente ao acolher sua história com respeito, empatia, aceitação e
congruência.
Vídeo: Identidade de Gênero e Transexualidades na Psicanálise
Artigo publicado na Revista Universo Psi da FACCAT v. 1, n. 2 (2020): IDENTIDADE DE GÊNERO E TRANSEXUALIDADES NA PSICANÁLISE: CONFRONTAÇÃO COM O ENIGMA QUE O OUTRO É
- Clique AQUI para ler o artigo na íntegra!!!
Autoras:
Helena Palavro Basso Caroline Flores Zanin Marina Lagunas Drª Joice Cadore Sonegoquinta-feira, 14 de janeiro de 2021
Casos de Freud: Schreber
Notas Psicanalíticas Sobre um Relato Autobiográfico de um Caso de Paranoia: Caso Schreber
Gabriela Dornelles Tessari
Helena Palavro Basso
Maria Luiza Dresch Buttinger
Naiara Nargea Barrozo Carvalho
Neimar Abreu E Silva
Palavras-chave: Paranoia. Freud. Psicanálise. Schreber. Homossexualidade. Delírio. Psicose.
Introdução
Daniel Paul Schreber
(1842-1911) deriva de uma família de burgueses protestantes, abastados e
cultos, que buscavam a celebridade através do trabalho intelectual (Schreber,
1984). Passou a apresentar distúrbios nervosos em dois momentos, quando
candidato a eleição e na ocasião em que assumiu como Juiz de Tribunal.
Schreber nasceu em 25 de julho de 1842. Após as mortes de seu pai e de seu irmão, e após seu casamento teve sua primeira doença, em 1878, esta foi determinada como uma crise de hipocondria, e lhe é recomendado descanso. Em 1886 teve sua segunda doença, que foi mais grave, após receber a noticia de sua nomeação como juiz presidente do tribunal de apelação. Em primeiro momento teve pesadelos que sua moléstia anterior retornaria, também teve um pensamento adormecido sobre “Afinal de contas, deve ser realmente muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula.” (Freud, 1911, p.9) Nesta internação, entre 1900 e 1902, escreveu seu livro “Memórias de um doente dos nervos”, lançado em 1903. Em decisão judicial foi considerado capaz de superar as exigências da vida cotidiana e recebeu alta em 1902. Schreber escreve em suas memórias que duas vezes sofreu de distúrbios nervosos. Seu livro foi lançado antes de sua terceira doença. Tem um terceiro adoecimento após a morte de sua mãe e a paralisia de sua esposa. A psicose progride e Schreber é novamente internado em um hospital psiquiátrico, aonde ele vem a falecer, após sete anos, em estado delirante terminal (Coutinho, 2005). Schreber morre em 14 de abril de 1911, aos 69 anos, e sua esposa em 1912.
O presente artigo tem
por objetivo analisar “O Caso Schreber” de Freud (1911), visando apresentar um
texto reflexivo, no qual a argumentação tem como referencial diversos teóricos,
propondo um entendimento diferencial da clínica da paranóia. É possível
construir diversas interpretações sobre o caso, a partir de teóricos
diferentes, embora seja possível igualmente esclarecer o mesmo, a partir das
próprias declarações delirantes do paciente ou das causas ativadoras de sua
moléstia. A psicanálise busca compreender a doença mental na singularidade do
indivíduo, através da escuta. A psicanálise também defende que qualquer doença
será vivida de forma particular, individual, diferente, por cada sujeito, não
havendo um conhecimento universal sobre a patologia, como coloca a psiquiatria
tradicional (Coutinho, 2005).
Além disso, estudos de
vários casos de delírio de perseguição podem reduzir a relação entre paciente e
perseguidor a uma formula simples: o perseguidor, a quem o delírio atribui
tantas influencias, teve papel importante na vida desse sujeito antes da
enfermidade (Uchoa, 1947). Podem-se destacar como principais sintomas
apresentados por Schreber a insônia, ideias de morte precoce e perseguições,
hiperestesia, ilusões sensórias, acreditava estar morto e em decomposição, além
disso, desenvolveu ideias persecutórias e delírios principalmente de ordem
religiosa.
Para Lacan (1975) sua
análise do narcisismo, da identificação e da psicose paranóica será vista como
resultado de um conflito identificatório, considerando a pulsão de morte como
expressão do narcisismo e o delírio como defesa narcísica, e não como defesa
contra o impulso homossexual, além disso, psicose paranóica e a personalidade
não tem, como tais, relação, pelo fato de serem a mesma coisa. Para Freud
(1911), o sujeito paranóico projeta na pessoa ou em grupo de pessoas,
sentimentos, qualidades, defeitos que existem em seu inconsciente, mas que não
suporta ou admite que existam. Nisto desloca os conteúdos internos para fora e
começa a temê-los, já que voltam para ele como ameaças eminentes. A partir
disso, pode-se discorrer sobre a importância que este caso teve para Freud,
pois complementou sua tese principal sobre a libido das neuroses e psicoses,
porém sem maiores conclusões sobre o próprio Schreber.
Fundamentação Teórica
Em 1911 Freud publica o
texto “Notas Psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de
paranóia” baseado no livro “Memórias de um Doente dos Nervos”, publicado em
1903, por Daniel Paul Schreber, um doutor em direito que escreve um livro
autobiográfico, em meio a sua psicose, que serve às analises de Freud. Nesta
investigação, entre outros aspectos, Freud comenta que o mecanismo de defesa da
paranóia é a projeção, também escreve sobre o delírio como mecanismo de defesa
da psicose e expõem sobre o vinculo existente entre paranóia e homossexualidade
passiva reprimida.
Inicialmente, Schreber sofria de fortes insônias,
ilusões sensoriais, auditivas e visuais, ideias hipocondríacas e de
perseguição, além de grande sensibilidade a luz e ao barulho. Os sintomas foram
tornando-se mais frequentes até dominarem a totalidade de seus pensamentos e
sentimentos. O que foi chamado na época de uma “insanidade alucinatória”
(Freud, 1911, p.10) desenvolveu-se mais claramente até o quadro clinico de
distúrbio delirante paranóico. Schreber experimentava milagres e ouvia vozes,
dizia ter danos mortais em seus órgãos, mas milagres divinos representados
pelos raios do sol o restauravam e o faziam imortal. Entretanto, a
característica mais saliente de Schreber foi a ideia de ser transformado em
mulher, este era o núcleo mais primitivo de seu sistema delirante. Dizia que
Deus o fecundaria por raios divinos (solares) para que uma nova raça de homens
fosse criada. Assumiu uma atitude feminina com Deus, tomando o papel de sua
esposa. Transformar-se em mulher, nada mais era do que a realização do conteúdo
de seu sonho, em que pensava: “afinal de contas, deve ser realmente muito bom
ser mulher e submeter-se ao ato da cópula” sobre o qual rebelou-se com
indignação na época, e desta maneira começou a lutar contra estes desejos,
encarando esta transformação como hostil e ameaçadora. Até que, em 1895, chega
a uma ocasião na qual vem a se reconciliar com esta transformação, dizendo
servir aos propósitos mais altos de Deus (Freud, 1911). Enquanto Schreber passava a aceitar sua libido
homossexual e parara de lutar contra o desejo, acreditava que seria
transformado em mulher a qualquer momento.
Os complexos delírios
de Schreber foram descritos em seu livro com detalhes, segundo ele, visando
fins científicos para gerações futuras, intenção que demonstra sua megalomania
(Coutinho, 2005). Esta autobiografia é o material usado por Freud para sua
analise e teorização da paranóia. Seu livro passou por muitas censuras antes de
ser publicado, tendo vários trechos suprimidos. A autobiografia censurada
dificultou a compreensão do caso.
O caso Schreber se não
o mais famoso de Freud e que, mas deteve a atenção na área da Psicánalise,
recebeu diversas críticas em sua publicação (1911-1913) o qual sua visão
diverge com Lacan, M. Klein, W. Meissner e Elias Canetti. Serão vistos os
principais aspectos de cada autor e suas divergências mais marcantes.
Para Lacan (1998) a
patologia parte da psicose onde essa é expressa pelo delírio, onde o
inconsciente é o discurso interior que dialoga com o exterior, e que na psicose
esse discurso interior é revelado. A visão lacaniana defende a forclusão do
significado do nome do Pai, onde não houve a castração, uma ausência da
metáfora paterna o que fica sem a castração e sem o significado fálico o que o
deixa incapaz de situar-se em seu próprio sexo. Há um buraco nesse simbólico,
uma má clivagem do aparelho psíquico onde se manifesta na forclusão do nome do
Pai, ou seja, na presença de um pai real, até esse momento o sujeito supre essa
falta simbólica com o imaginário tomando o outro como espelho e modelo de
identificação. Nesse momento a entrada do médico Fleching é vista como entrada
do pai real para Schreber ocasionando a pré-psicose, ou seja, a chave de
entrada, Schreber ao ser chamado para presidência da Suprema Corte, isto é,
exercer o papel de pai, esse se depara com o vazio do simbólico do nome do Pai
e com isso adoece, como tratamento Lacan sugere “entrar” na subjetividade do
sujeito a fim de definir as referências usadas e buscar resignificação, como no
caso de Schreber onde ele transforma-se na mulher de Deus, também Lacan
ressalta que deve ser importante ao analista acolher a transferência do psicótico,
catalisando a libido da fixação em seu próprio corpo.
Para Meissner (1976) A
patologia advém do introjectos que vêm de relações objetais importantes, isso
se da pela intensa ambivalência na fase de desenvolvimento ocasionando uma
falha de identificação e matizes de relações objetais, ou seja, se da pela
intensa ambivalência dos introjectos onde é denominada a pseudo-pertinencia de
eu, que é parecida com o “falso self” de Winnicott (1965) apud. Coutinho
(2005), onde enfrentada pelo ego pela identificação com a vítima. No caso de
Schreber esses introjectos seriam o pai sádico e rígido com a mãe vítima e
masoquista, essas patologias dos pais introjetam em Schreber suas próprias patologias
que fazem parte do seu Eu, e assim Schreber sustenta uma forma megalomaníaca
advinda da vitimização e narcisismo por sua relação privilegiada com Deus
resultando na sua transformação de mulher D’ele.
Para Klein, segundo
Chemama (1998), o seio materno é o primeiro objeto vivenciado pelo amor e ódio,
o ego se defende por uma serie de mecanismos se ele falha o ego é invadido pela
ansiedade sentida como medo de perseguição e como ultima tentativa de proteger-se
ele fragmenta-se, essa fragmentação é a base da psicose com pontos de fixação
nos primeiros meses de vida, e que no caso Schreber emerge como a “catástrofe
mundial” seria o excesso de fragmentação do ego as muitas almas de Flechsig,
que posteriormente reduzidas a uma ou duas é a tentativa do ego de
restabelecer-se dessa divisão do ego preservando apenas as partes que trariam
ao paciente a inteligência e poder.
Canetti (1995) sugere
que Schreber se considera um ser humano acima dos demais se diferencia da
“massa do povo” em seu livro “Massa e Poder”, ele defende que sua posição é de
paranóia onde se defende para garantir status de poder segundo Canetti “[...]
por trás de toda paranóia, bem como de todo poder encontra-se um ameaça e
profunda tendência: o desejo de afastar os outros do caminho, a fim de ser o
único [...]” (Canetti, p.462, 1995). Canetti acredita ser equivocada a ideia de
outros autores relacionadas a tendências homossexuais recalcadas, pois ele
acredita que a estrutura do delírio esta ligada ao poder ou lutas pelo poder,
pois a emasculação vem de contra a Schreber o qual poderia ser submetido a
ações desprezíveis como abusos sexuais e abandono. Segundo Canetti (1995) a
palavra é de extrema importância ao paranóico demonstrando que tudo ao seu
redor causa perigo, onde a relação de Paranóia e Poder tende a desenvolver uma
relação ambígua com Deus.
O caso Schreber a visão
Freudiana traz a o recalque homossexual como sendo o principal fomentador da
doença, onde a paranóia seria uma fuga da libido homossexual, ademais a
fragmentação do ego onde o delírio entraria como cura dessa ruptura psíquica na
psicose, o que advém do modelo de psiconeuroses de Freud onde traz os conceitos
de pontos de fixação dos primeiros meses de vida com o recalcamento e retorno
do recalcado que representam sintoma. Freud (1911) descreve que a perseguição
que Schreber trazia na paranóia onde ele foge do desejo sexual e sente-se
perseguido por seu médico Flechsig a quem ama e tem desejos sexuais se atribui
a negação do “Eu homem, amo outro homem” assim acionando o mecanismo de defesa
paranoiando e colocando-se assim na figura passiva feminina. Sem maiores
conclusões do caso de Schreber, Freud conclui que é decorrente de um conflito
do ego com pulsões sexuais e que a projeção como mecanismo de defesa contra a
libido homossexual afirmando que ha vínculo entre paranóia e homossexualidade
passiva reprimida (Coutinho, 2005).
As discussões a cerca
das diferentes interpretações sobre o caso, denotam grande estudo e ampliação
de ideias referente o caso, onde diferentes autores colocam o caso como caso de
psicose, coincidindo que há um difícil nas primeiras fases de desenvolvimento,
a figura paterna aparece como um aconsoante em todos os casos sendo divergente
a posteriori, as hipóteses aqui apresentadas não são descartadas, porém vale
ressaltar a importância do ponto de vista com uma revisão e maturação constante
do caso (Henriques, 2008).
Materiais e Métodos
No presente estudo foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca
do texto de Freud “Notas Psicanalíticas Sobre um Relato Autobiográfico de um
Caso de Paranóia”, onde é analisado o caso clínico de Schreber. Foram
realizadas pesquisas, resumos, buscando-se em livros, artigos, matérias, filmes
e sites da internet materiais para estudar e aprofundar o tema abordado. A pesquisa se mostrou ampla, buscou-se
proporcionar uma maior familiaridade com o tema descrevendo os sintomas, as
principais causas e delírios apresentadas na autobiografia de Daniel Paul Schreber, o livro “Memórias de um Doente
dos Nervos”.
Com a realização das pesquisas e composição o
presente trabalho foi escolhido como forma de apresentação um texto reflexivo,
contendo os pontos principais do caso Schreber, narrando como eram os surtos
psicóticos, como ele via o ocorrido e o que levava ele a pensar na maneira como
pensava. Expondo as teorias de Freud sobre homossexualidade, e estudos sobre a
relação de Schreber com sua figura paterna. Freud tinha como questionamento “O
que, na estrutura dele, fez com que reagisse com a formação da paranóia?”.
Resultados e Discussões
De acordo com Freud
(1911) a origem das ideias patológicas do paciente seriam os impulsos
homossexuais femininos reprimidos que se forçou a suprimir devido a um conflito
com a fantasia do desejo. Entretanto, conforme Coutinho (2005) não há relação
consistente entre paranóia e repressão da homossexualidade, portanto,
atribui-se esta relação à singularidade do caso clínico de Schreber. A causa
ativadora da patologia de Schreber teria sido a manifestação de sua libido homossexual,
justificada pela fantasia de transformação em mulher. Freud (1911) especula que Schreber também pode ter
formado uma fantasia de que, se fosse mulher, trataria o assunto de ter filhos
com mais sucesso, já que era constantemente frustrado por não poder ter filhos
com sua esposa. Sendo esta a idéia o núcleo e a característica mais
primitiva de seu sistema delirante.
Cabe ressaltar as
condições do contexto sócio-histórico em relação à homossexualidade no presente
caso. Homossexualidade, na época do escrito, ainda é colocada como
homossexualismo. O sufixo “ismo” foi retirado de utilização por caracterizar
doença, levando a interpretação de preconceito na atualidade. De acordo com
Medeiros (2015) a homossexualidade sempre existiu nas mais diversas sociedade e
espécies, entretanto foi seguida por grande descriminação desde épocas
bíblicas. Somente nos anos 90 o termo homossexualismo recebeu a denominação de
homossexualidade, passando a não ser mais considerada uma doença, tanto na
medicina, quanto na psiquiatria e psicologia. Historicamente, até esta mudança
de nomenclatura, a homossexualidade era compreendida como uma patologia, um
distúrbio psicossocial, um desvio, uma perversão (Medeiros, 2015). De acordo
com Freud (1911) todo ser humano oscila entre sentimentos heterossexuais e
homossexuais ao longo da vida. Freud também coloca que frustrações em uma
direção poderiam impulsionar o sujeito à outra. No caso de Schreber, todas as
tentativas de dominar uma corrente inconsciente de desejo homossexual haviam
fracassado, tornando-se assim o conflito subjacente da enfermidade (Freud,
1911).
Paranóia é uma psicose
caracterizada por delírios de perseguição, sistematizados e interpretativos que
traduzem a erotomania e a megalomania (Chemama, 1998; Freud, 1911; Coutinho,
2005). De acordo com Laplanche e Pontalis (2001) a paranóia é uma psicose
crônica caracterizada por delírios sistematizados, com domínio da interpretação
e ausência do enfraquecimento intelectual, marcada por delírios de grandeza,
perseguição, ciúmes, etc. A palavra paranóia vem do grego e significa loucura
ou desgregamento do espírito. “Paranóia se define pelo seu caráter de defesa
contra a homossexualidade” (p.360). Na maioria dos casos de paranóia é vista a
megalomania, que pressupõem que a libido vinculada ao ego é utilizada para
engrandecimento deste, fazendo assim um retorno ao estágio do narcisismo
(Freud, 1911).
Chemama (1998) reproduz
a concepção de Freud, colocando que delírio seria uma tentativa de cura e
reconstrução do sujeito psicótico, muito presente na paranóia. “A formação delirante, que presumimos ser o
produto patológico, é, na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um
processo de reconstrução” (Freud, 1911, p.44). O exemplo citado por Coutinho
(2005) é que a catástrofe mundial descrita por Schreber funcionaria como uma
metáfora à percepção de sua calamidade interior. Schreber acreditava que o
mundo estava por acabar, mas que ele seria seu salvador.
Coutinho (2005) explica
que o delírio não é a loucura em si, que se instala perante a fragmentação
egóica, narcísica e corpórea do sujeito. O delírio é a tentativa de
interpretação e compreensão, por parte do psicótico, de sua fragmentação da
estrutura psíquica. O delírio tem significado próprio para o sujeito, assim
como seus comportamentos. “O louco tem uma forma própria de razão” (Coutinho,
2005, p.55), que explica suas atitudes. O psicótico é um ser particular com
funcionamento mental diferente (Coutinho, 2005).
É considerado um efeito da paranóia que Schreber havia construído o
delírio de perseguição para se defender do desejo homossexual, expresso em sua
feminização exigida para sua missão divina. Freud apontou que haveria na
paranóia um ponto de fixação situado em alguma parte dos estágios do
auto-erotismo, havendo falha na transição, fincando o sujeito na sua fase
narcísica, não passando ao estágio de amor objetal. Este
ponto de fixação traria, segundo a hipótese de Freud (1911), uma escolha objetal parecida a si mesmo.
Freud (1923) descreve que no delírio de perseguição
da paranóia, o paciente busca desviar-se de um vínculo homossexual que o liga a
alguém especial, como resultado disso, a pessoa amada torna-se seu perseguidor,
sendo alvo de agressividade. Aqui vemos a transformação de amor em ódio. A
principal hipótese de Freud (1911), de que a causa ativadora da enfermidade de
Schreber seria o aparecimento da fantasia feminina, ou homossexual passiva, que
teve na figura do médico seu objeto de desejo. Primeiramente Schreber resistiu
intensamente a esta fantasia e esta defesa tomou a forma de delírio de
perseguição, a pessoa que ansiava tornou-se seu perseguidor. O papel de
perseguidor coube ao seu médico, Flechsig, entretanto Freud (1911) supõem que o
delírio dirige-se á alguém mais representativo, que teria desempenhado papel
igualmente importante na vida emocional do paciente antes de sua enfermidade. A
intensidade do sentimento é manifestada externamente com qualidade oposta à
original. “A pessoa agora odiada e temida, por ser um perseguidor, foi, noutra
época, amada e honrada” (Freud, 1911, p.26). Assim o paciente justificaria seu
delírio.
Sendo assim, o delírio de perseguição seria efeito de uma projeção como
mecanismo de defesa da homossexualidade, aonde a frase ‘eu, um homem, amo a
outro homem’ gera uma negação ‘não o amo, o odeio’ e uma inversão ‘ele me
odeia’. Por esta projeção o que deveria ser percebido como amor é percebido
como ódio. Assim o sujeito evita a irrupção á consciência de sua libido
homossexual, que neste individuo representaria uma ameaça de destruição do ego.
O delírio, portanto, é um meio para que o paranóico assegure sua coerência
enquanto reconstrói seu mundo (Chemama,
1998; Freud, 1911).
O objeto da libido
homossexual de Schreber foi provavelmente, o médico, Flechsig, as lutas do
paciente contra o desejo libidinal produziram o conflito que deu origem aos
sintomas (Freud, 1911). Freud ainda coloca que o sentimento de Schreber para
com seu médico pode ter se dado devido a uma transferência de uma catexia
emocional que provinha de outra pessoa importante, sendo o médico um substituto
de alguém mais próximo ao paciente, como seu pai e seu irmão. Schreber havia
apaixonado-se pelo medico, com os mecanismos da transferência, e devido a não
aceitação deste sentimento passou a odiá-lo, pois em sua percepção o medico o
perseguia e queria “matar sua alma”. O que Freud (1911, p.41) descreve como
projeção:
A
característica mais notável da formação de sintomas na paranóia é o processo
que merece o nome de projeção.
Uma percepção interna é suprimida e, ao invés, seu conteúdo, após sofrer certo
tipo de deformação, ingressa na consciência sob a forma de percepção externa.
Nos delírios de perseguição, a deformação consiste numa transformação do afeto;
o que deveria ter sido sentido internamente como amor é percebido externamente
como ódio.
Do ponto de vista Freudiano, o delírio da paranóia e
uma maneira de negar a homossexualidade projetando-a para fora (Chemama, 1998).
De acordo com Chemama (1998) o que Lacan
chamou de forclusão do nome do pai, nas psicoses, tira o sujeito o sentido das
significações fálicas, o que leva o sujeito a desordem, formando alucinações
daquilo que lhe falta em nível simbólico. O delírio teria a função de suprir a
metáfora paterna construindo uma metáfora delirante que daria sentido e coesão
á aquele que carece de sentido e coesão. A libido homossexual
foi reprimida e recalcada, retornando com o enfraquecimento das defesas do ego,
que tenta defender-se novamente, desenvolvendo a paranóia através do mecanismo
de projeção, que se manifesta clinicamente pelos delírios de perseguição,
erotomania e megalomania (Coutinho, 2005).
Schreber acreditava ser destinado a criar uma nova raça de homens,
nascida de seu espírito e salvar o mundo da eminente calamidade. Seu ego
encontrava satisfação no delírio de grandeza. A megalomania pode-se desenvolver
de delírios de perseguição. Inicialmente o paciente acredita estar sendo
perseguido por forças poderosas, sentindo a necessidade de explicar isso a si
próprio, ocorre-lhe que ele é um personagem superior e digno de tal
perseguição. Ou seja, o desenvolvimento da megalomania se daria por um processo
de racionalização do sujeito (Freud, 1911). Freud, em sua teoria, estabelece uma conexão da relação de Schreber com
Deus e com seu pai, representado por este personagem divino. O pai de Schreber
era um famoso médico da época, fundador de uma escola de ginástica terapêutica,
com quem ele mantinha constante relação de veneração e insubordinação, da mesma
forma que se relacionava com o Deus de seus delírios, representado pelo Sol
(Chemama, 1998). De acordo com Freud (1911) a relação de Schreber com
Deus exibia uma mistura curiosa de critica blasfêmia, insubordinação amotinada e
devoção reverente. Sendo Deus um representante da figura paterna, observa-se
que enquanto o pai de Schreber estava vivo, este agia com rebeldia e discórdia,
entretanto há uma submissão e obediência tardia para com ele. Freud
(1911) relaciona os delírios de Schreber em relação ao sol com a mitologia,
aonde este representa Deus, e no presente caso, representaria seu pai. Poder
olhar para o sol sem se ofuscar é uma metáfora de Schreber para poder olhar
para o pai sem se incomodar com seu “brilho”. O conflito de Schreber com seu
pai, mais tardiamente representados por Deus e também pelo seu médico foi o que
determinou conteúdo de seus delírios.
De acordo com Coutinho
(2005), Freud coloca que a doença expressaria um mecanismo de defesa do
paciente contra sua libido homossexual, sendo o ser humano naturalmente
bissexual. Freud também estabelece a projeção como mecanismo de defesa e
sustenta que o delírio é uma tentativa de cura da ruptura psíquica na psicose.
Estas colocações são sustentadas por seu modelo teórico das psiconeuroses,
baseados nos conceitos de pontos de fixação situados nos primeiros meses de
vida, recalcamento e retorno do recalcado representando um sintoma. Ao final,
Freud complementou sua tese principal sobre a libido das neuroses e psicoses,
porém sem maiores conclusões sobre o próprio Schreber. De acordo com Freud
(1911) as neuroses surgem principalmente de um conflito entre o ego e as
pulsões sexuais, tomando formas que marcam o individuo em seu curso de
desenvolvimento.
Conclusão
Daniel Paul Schreber, doutor em Direito, escreveu um livro
autobiográfico chamado “Memorias de um doente dos nervos”, onde descreve com
detalhes seus complexos delírios, relata sofre de insônia, ilusões sensoriais,
auditivas e visuais, ideias de perseguição, entre outros. O caso Schreber
possivelmente tenha sido o mais famoso investigado por Freud, baseado na
autobiografia de Schreber ele desenvolveu um estudo que chamou de “Notas
Psicanalíticas”, onde conclui que o mecanismo de defesa da paranóia é a
projeção, e o mecanismo de defesa da psicose é o delírio. Freud acredita que
existe um vinculo entre a paranóia e a homossexualidade passiva reprimida. Em
um trecho de sua autobiografia Schreber relata seus delírios de poder e
imortalidade, acreditava que Deus o fecundaria, pois ele havia se transformado
em mulher, não somente mulher, mas mulher de Deus, e através dele Deus criaria
uma nova raça de homens. Freud (1911) acreditava que os impulsos homossexuais
reprimidos conflitaram com a fantasia do desejo de Schreber dando origem a
patologia. O delírio seria uma tentativa de cura e reconstrução do sujeito, e o
delírio de perseguição seria efeito de uma projeção como mecanismo de defesa da
homossexualidade, onde o homem ama outro homem, gerando uma negação, não o amo,
o odeio e ao mesmo tempo gera uma inversão, ele me odeia.
Devido à projeção, o que era entendido como amor agora é percebido
como ódio. Pra Freud, o ser humano é naturalmente bissexual, e estabelece a
projeção como sendo um mecanismo de defesa, e sustenta que o delírio é uma
tentativa de cura da ruptura psíquica na psicose. Freud complementou sua tese
principal sobre a libido das neuroses e psicoses sem maiores conclusões sobre o
próprio Schreber.
Importante ressaltar que o caso Schreber foi construído com base no
testemunho do próprio sujeito através de seus escritos, Freud não vivenciou o
caso clinicamente, embora a metodologia utilizada tenha sido a mesma. Através
dos relatos do próprio Schreber, que descrevia seus delírios, transformação em
mulher, sua grandeza e seu poder, pois acreditava ser escolhido por Deus para
iniciar uma nova raça de homens. Freud estabeleceu que a relação de Schreber
com Deus adviesse da figura do pai e seu ódio seria fruto de uma fantasia de
incesto, na tentativa de negar seus desejos reprimidos. Freud chamou de defesa
de inversão, ao invés de amar ele odiava, assim era mais fácil de lidar.
Um filme de 2006, baseado no caso clinico, mostra
que Schreber não deixa que suas alucinações e delírios interfiram em seus
direitos de gerir seus bens, conseguindo liberação judicial para tal. O
paciente apresentava grande nível intelectual e, embora se julgasse louco, não
era considerado perigoso para a sociedade (Coutinho, 2005). Segundo
Chemama (1998) no delírio paranóico de Schreber sua personalidade havia se
reconstruído, podendo mostrar-se a altura das tarefas exigidas pela vida, com
exceção de certos transtornos. Em seu delírio sistemático, Schreber acreditava
ser o salvador do mundo, mandado por Deus, que falava com ele por meio da
linguagem dos nervos, através dos raios do sol e para cumprir sua missão
deveria transformar-se em mulher.
Para Freud as neuroses surgem principalmente de um conflito entre o
ego e as pulsões sexuais, tomando formas que marcam o individuo em seu curso de
desenvolvimento, o caso Schreber recebeu muitas criticas após sua publicação
(1911-1913), pois a visão freudiana divergia com a visão de Lacan, M. Klein, W.
Meissner e Elias Canetti. Embora as discussões a cerca das diferentes
interpretações sobre o caso, todos concordavam se tratar de uma psicose que
derivava de falhas nas primeiras fases do desenvolvimento, onde a figura
paterna é uma constante.
O caso Schreber foi usado por Freud para sua analise e teorização da
paranoia, o livro de Freud foi censurado e teve várias páginas suprimidas, o
que dificultou a compreensão do caso estudado. Nos anos 90 o homossexualismo
era visto como doença, patologia, desvio, perversão, somente após a troca da
nomenclatura para homossexualidade é que a condição deixou de ser vista como
doença pela psiquiatria, embora hoje, quase 30 anos depois, ainda temos
seguimentos da sociedade que defendem uma cura Gay.
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Acesso em: 24 de Outubro de 2018
Estudos de Freud: Caso Miss Lucy R.
Estudos Sobre
a Histeria de Sigmund Freud
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AUTORES: Helena Palavro Basso Jhônatan Palhano dos Santos Maria Luiza Dresch Buttinger Natália Corsetti Ponzi Neimar Abreu E Silva Palavras-chave: Histeria. Freud. Psicanálise. Inconsciente. Psicoterapia. |
Introdução
O presente artigo foi redigido com o intuito de obter questionamentos sobre o caso Miss Lucy R.
relatado por Freud em sua obra Estudos Sobre a Histeria. Trata-se também da
realização de um estudo do caso aonde se realizou a leitura do caso em si. Por
meio da visão psicanalítica, será abordada a questão do mecanismo psíquico dos
fenômenos histéricos. Também será possível discutir o caso da Miss Lucy R,
descrito no livro como histeria pura, junto com uma neurose de angústia. O
estudo indica que no final do ano de 1892, um colega de Freud encaminhou para
ele uma paciente que estava sendo tratada de uma suposta rinite supurativa
crônica recorrente, juntamente com outros sintomas que a incomodavam em sua
vida cotidiana. Até então, a causa desses sintomas psíquicos histéricos não
haviam sido tratados. Ela apresentava depressão, e Freud então percebeu que o
afeto dela estava diretamente ligado ao seu trauma.
O curioso do caso de Miss Lucy R, era a sua doença nasal, pois ela era atormentada por alucinações recorrentes com um cheiro de pudim queimado que em seguida foi substituído por um cheiro de fumaça de charuto. No decorrer do trabalho serão abordadas mais profundamente essas percepções e suas causas. No caso de Miss Lucy R., Freud usou o cheiro de pudim queimado como ponto de partida para a sua análise, tentou usar da hipnose, mas não obteve sucesso, devido à paciente não ser hipnotizável. Teve que fazer as análises sem o sonambulismo, visto que, a hipnose talvez fosse leve demais e até mesmo quando ocorria, poderia ser considerada duvidosa. Será elaborado, portanto um questionamento psicanalítico em virtude deste caso tão interessante e importante. Também podendo abordar sobre a influência que a vida psíquica tem na vida física do individuo e sobre a importância do tratamento e da psicoterapia para a melhora da qualidade de vida do sujeito.
Fundamentação Teórica
·
Resumo
do caso clínico Miss Lucy R.
Miss Lucy R. tinha 30 anos e era uma governanta britânica, sofria de uma rinite que havia feito com que ela perdesse o olfato e tinha ausência de sensibilidade no nariz. Estava em um estado depressivo profundo acompanhado de alucinações olfativas com o cheiro de pudim queimado que Freud logo identificou como sendo a origem de sua histeria. Freud tentou recorrer ao método de hipnose, mas constatou que a paciente não entrava em estado de sonambulismo, pediu então para que ela se deitasse, se concentrasse e fechasse os olhos, atingindo assim um estado em que fosse possível acessar suas lembranças e identificar ligações que aparentemente não estão presentes no estado de consciência normal. Pediu que se lembrasse da primeira ocasião em que havia sentido pela primeira vez o cheiro de pudim queimado. Lucy, na época disse que lembrava-se de estar com as crianças na cozinha e cozinhava com elas, quando chegou uma carta endereçada a Lucy, era de sua mãe. A governanta desejava abrir e ler a carta, mas as crianças se puseram a brincar com ela dizendo para que não lesse a carta naquele momento. No momento desta brincadeira Lucy sentiu o cheiro de queimado, pois as crianças haviam esquecido o pudim que assava no forno, desde então, Lucy relata que este cheiro se encontra sempre presente e fica mais forte quando se sente agitada. Lucy relata que naquele momento se emocionou devido à afetividade das crianças juntamente ao momento que havia recebido a carta de sua mãe, pois Lucy pretendia deixar a casa em que era governanta, devido a desentendimentos com outros funcionários da casa e falta de apoio dos patrões, e retornar a morar com sua mãe, entretanto ficava muito triste em deixar as crianças, pois gostava muito delas e havia prometido a falecida mãe delas que as cuidaria, estando assim, em uma situação de conflito e incerteza naquele momento.
Ao se dar conta disso,
pareceu que a análise havia sido completada, pois havia se mostrado uma
associação objetiva ligada a sua experiência, uma cena em que dois afetos
antagônicos haviam estado em conflito. O que tornou o momento um trauma, e
entre tantas percepções sensoriais do momento, foi a associação de cheiro
ligada a este trauma que persistiu como seu símbolo mnêmico. Freud se perguntou
o porquê do estimulo olfativo ter sido selecionado para esta lembrança, já que
naquela situação Lucy se encontrava resfriada e mal podia sentir cheiros,
pensando que naquele momento sua agitação havia sido tanta que quebrara a
barreira orgânica do sentido do olfato. Porém Freud não ficou satisfeito com a
explicação obtida.
Mas não
fiquei satisfeito com a explicação assim alcançada. Tudo parecia muito
plausível, mas havia algo que me escapava, alguma razão adequada por que essas
agitações e esse conflito de afetos levaram à histeria, e não a qualquer outra
coisa. Por que tudo não havia permanecido no nível da vida psíquica normal? Em
outras palavras, qual era a justificativa para a conversão que havia ocorrido?
Por que ela não se recordava sempre da própria cena, em vez da sensação
associada que ela isolava como o símbolo da lembrança? Tais questões poderiam
parecer curiosas demais e supérfluas, se estivéssemos lidando com uma histérica
de longa data em quem o mecanismo da conversão fosse habitual. Mas não fora
senão quando do advento desse trauma, ou pelo menos dessa pequena história de
perturbações, que a moça ficara histérica. Ora, eu já sabia, pela análise de
casos semelhantes, que antes de a histeria poder ser adquirida pela primeira
vez, uma condição essencial precisa ser preenchida: uma representação precisa
ser intencionalmente recalcada da consciência e excluída das
modificações associativas. Em minha opinião, esse recalcamento intencional
constitui também a base para a conversão total ou parcial da soma de excitação.
A soma de excitação, estando isolada da associação psíquica, encontra ainda com
mais facilidade seu caminho pela trilha errada para a inervação somática. A
base do próprio recalcamento só pode ser uma sensação de desprazer, uma
incompatibilidade entre a representação isolada a ser recalcada e a massa
dominante de representações que constituem o ego. A representação recalcada
vinga-se, contudo, tornando-se patogênica. (FREUD, 1893-1895, Pág.143)
Freud expressou a Lucy
então que não acreditava que estas fossem todas as razões para seus sentimentos
e sintomas, chegando à conclusão que Lucy estaria apaixonada por seu patrão,
pai das crianças, e embora talvez não estivesse consciente disto teria uma
esperança secreta de tomar de verdade o lugar de mãe das crianças. Lucy
confirmou a hipótese de Freud, afirmando não ter dito sobre antes porque não
queria saber sobre isso, não queria ter de pensar no assunto, pois era aflitivo
pelo fato de ser seu patrão e pensava ser um desejo irrealizável. Lucy relatara
então que um dia, seu patrão, homem sério e reservado havia iniciado uma
discussão sobre moldes em que as crianças deveriam ser educadas, com menos
formalidade e mais cordialidade do que o de costume, dizendo a ela o quanto
dependia dele para que cuidasse de seus filhos, e lançou para Lucy o que ela
interpretou como um olhar significativo. Havia sido neste momento que havia
começado o amor de Lucy por seu patrão. Lucy havia se apoiado nestas
lembranças, entretanto não houve nenhum outro progresso ou momento de troca de
opiniões, então Lucy decidira banir estas ideias de sua mente. Freud esperava
que estas associações trouxessem uma modificação no estado de Lucy, no entanto
ela continuou desanimada e deprimida. O cheiro de pudim queimado não havia
desaparecido por completo, embora se tornasse menos frequente e mais fraco,
Freud supôs então que o cheiro não se referia apenas a cena principal, assim
procuraram alguma outra coisa que pudesse ter relação com isto, na medida em
que Lucy falava, o cheiro de pudim queimado ia se dissipando cada vez mais até
desaparecer.
Lucy então reclamou ser agora importunada pelo cheiro da fumaça de charuto, que havia estado presente antes, mas fora encoberto pelo cheiro do pudim. Freud percebeu que apenas eliminara um sintoma para que seu lugar fosse ocupado por outro, então se dedicou a tarefa de eliminar este novo símbolo mnêmico através da análise. Lucy relatara que todos os dias as pessoas fumavam em casa, então se tornava difícil recordar alguma cena específica sobre este fato, porém lembrou-se de um almoço em que havia um convidado, que ao se despedir das crianças tenta beijá-las, o que o pai das crianças não aprova por isso se exalta e grita com o homem. Lucy sentira-se mal com o acontecido e como os dois homens já estavam fumando, o cheiro da fumaça do charuto ficou em sua memória. Esta se tratava de uma segunda cena mais profunda e mais antiga que a primeira, que também havia se tornado um trauma e deixado um símbolo mnêmico. Freud questionou a Lucy porque se sentira mal com o ocorrido, já que a reprimenda de seu patrão não era direcionada a ela. Lucy responde que havia sido devido à violência com a qual seu patrão havia se expressado que a havia magoado. Então Lucy se recorda de uma terceira cena, anterior a esta, em que uma senhora conhecida do patrão de Lucy havia ido visitá-lo e ao sair havia beijado as crianças. O pai das crianças se refreou naquele momento para não ser rude com a senhora, mas após a partida desta a fúria dele havia sido dirigida a Lucy, dizendo-a que era dever dela não permitir que isto ocorresse e que se ocorresse novamente ela seria responsabilizada, brigando com ela. Isto havia ocorrido em uma ocasião em que Lucy ainda supunha que seu patrão a amava e tinha expectativas sobre isso e este ocorrido havia acabado com suas esperanças. Freud analisou que havia sido a lembrança desta cena aflitiva que havia se mostrado para Lucy quando o convidado tentara beijar as crianças e fora repreendido pelo pai destas, quando ela sentiu o cheiro da fumaça de charuto. Após esta análise, Freud notou uma grande mudança em Lucy, notando-a mais feliz e seus sintomas haviam se extinguido, Lucy sentia-se bem. Porém Freud se questionou até que ponto seu distúrbio nasal fora responsável pela redução do sentido de olfato de Lucy. Este tratamento durou nove semanas e Freud relata que quatro meses depois encontrou-se com a paciente que estava animada e recuperada.
·
Aspectos
Teóricos
A palavra histeria tem origem no termo médico grego hysterikos,
que se referia a uma suposta condição médica característico a mulheres,
causada por perturbações no útero, hystera em grego. O
termo histeria foi utilizado pelo filósofo Hipócrates,
que pensava que a causa da histeria fosse um movimento irregular de sangue do
útero para o cérebro (WEBSTER,
1999).
A partir dos estudos e
pesquisas do neurologista francês Jean-Martin Charcot, realizados na segunda
metade do século XVIII, a histeria passou a ser tratada como uma neurose
(BELINTANI, 2003). Sigmund Freud,
entre 1888 a 1893, sob a orientação dos achados de Charcot, com base nos
aspectos traumáticos da histeria, traz à luz sua Teoria da Sedução, onde o trauma vivido pelo paciente histérico
era considerado de origem sexual, sublinhando que a histeria era fruto de um
abuso sexual realmente vivido pelo sujeito na infância (sedução real). Já em um
segundo momento, apresentou a noção de fantasia, e renuncia à teoria da sedução,
introduzindo as ideias de um trauma, não de ordem física, mas sim de ordem
psíquica (BELINTANI, 2003).
De acordo com Belintani (2003) foi através dos
atendimentos às histéricas, que
Freud descobriu o inconsciente e pode assim elaborar um método de tratamento, a
Psicanálise, no final do século XIX. Roudinesco e Plon (1998) apud Belintani (2003)
afirmaram que foi a partir da obra Estudos
Sobre a Histeria, de Freud e Breuer, e do livro posterior A
Interpretação dos Sonhos, de Freud, que se propôs inicialmente os conceitos de
defesa, resistência, ab-reação e conversão. Os autores também mencionam que “o
conflito psíquico inconsciente é que foi reconhecido por Freud como a principal
causa da histeria” (Pág. 340). E comentam a importância da realidade psíquica
que existe conjuntamente a realidade material do sujeito e que ambas tem igual
importância na história do seu desenvolvimento. Freud diz a Miss Lucy R. que
não somos responsáveis por nossos sentimentos, expressando assim a força que a
realidade psíquica, o inconsciente tem em nossas vidas. Segundo Freud em A Interpretação dos Sonhos (1900):
O inconsciente deve ser tomado como base universal da
visa psíquica. O inconsciente é o círculo maior que abrange em si o circulo
menor da consciência; tudo o que é consciente tem um estágio prévio
inconsciente, enquanto o inconsciente pode permanecer nesse estágio e ainda
assim reclamar o valor pleno de uma produção psíquica. O inconsciente é o
psíquico propriamente real, tão desconhecido para nós segundo sua natureza
interna quanto o real do mundo externo; ele nos é dado pelos dados da
consciência de maneira igualmente tão incompleta quanto o mundo externo pelas
informações de nossos órgãos sensoriais. (Pág. 639-640)
Freud (1892), em seu artigo Esboços para a Comunicação Preliminar,
relata que os fenômenos motores dos ataques histéricos nunca estão desprovidos
de sua relação com seu conteúdo psíquico (MOREIRA; SIMÃO, 2013). Breuer e Freud
(1895) registram a histeria, em parte, como uma “soma de excitação” do trauma,
transformada em sintomas unicamente somáticos, sendo esta, característica da
histeria que atrapalhou seu reconhecimento como um distúrbio psíquico. Uma das
singularidades da histeria é a “conversão”, termo que designa a transformação
da excitação psíquica em sintomas orgânicos crônicos (BREUER; FREUD, 1895).
Freud e Breuer (1895) evidenciaram que, na histeria, o aparecimento de
certos sintomas (vômitos, paralisia passageira entre outras manifestações
físicas), tanto motores como sensitivos, é uma representação psíquica de
conflitos relacionados a processo de inibição, sedução ou hiperssexualidade e
receberam a nomenclatura de manifestações de conversão (MOREIRA; SIMÃO, 2013).
Esses conceitos psicanalíticos sobre conversão facilitaram a compreensão
dos transtornos psicossomáticos, e o significado dos sintomas, a partir das
vivências do paciente (BITELMAN, 2004). De acordo com Breuer e Freud (1895), os
sintomas podem aparecer de diversas maneiras, neste caso, pode ser referida, a
perda olfativa, tendo em vista, o caso Miss Lucy, em que a paciente, atendida
por Freud, sofre de histeria de conversão.
Freud (1895) destaca que em todos os casos clínicos estudados há uma
ligação entre as situações de sofrimento do paciente e os sintomas de sua
doença. Sendo assim, o corpo fala e descarrega, simultaneamente, a afetividade,
ocasionando o fenômeno da conversão histérica, uma solução simbólica para a
questão conflituosa. Dessa forma, a representação recalcada retorna à
consciência através do sintoma e o afeto correspondente à representação é
convertido na qualidade física das manifestações corporais (SANTOS-FILHO,
1992).
Segundo Belintani (2003) o atual Manual de
Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 apresenta a
histeria inclusa na categoria dos transtornos neuróticos que são relacionados
ao estresse e somatoformes, mais especificamente na subcategoria transtornos
dissociativos ou conversivos. Esse transtorno, de acordo com o manual, seria
caracterizado por uma perda completa ou parcial da integração normal entre as
memórias do passado, consciência de identidade e sensações imediata, e controle
dos movimentos corporais.
"Nos transtornos dissociativos presume-se que essa capacidade de exercer
um controle consciente e seletivo está comprometida em um grau que pode variar
de dia para dia ou mesmo hora para hora" (CID-10, 1993, Pág. 149).
O que difere o comportamento das pessoas histéricas, para as ditas, pessoas normais, segundo Breuer e Freud (1895), é o fator quantitativo, ou seja, o máximo de tensão afetiva que o organismo do sujeito pode tolerar. A pessoa com histeria, ou sintomas histéricos é capaz de preservar certa quantidade de causas provocadoras de sofrimento; essa quantidade é aumentada pela soma, até o ponto além da tolerância do sujeito, onde, a partir daí, ocasiona a conversão. Deste modo, a formação dos sintomas histéricos pode processar-se com base em afetos relembrados ou em novos afetos (MOREIRA; SIMÃO, 2013).
Resultados e Discussões
Na década de 1890,
coube a Freud desvendar os caminhos do inconsciente, até então obscuros e
desconhecidos, ainda hoje não se tratam de caminhos fáceis de desbravar. No
entanto coma obra Estudos Sobre a Histeria (1893-1895) de Sigmund Freud e Josef
Breuer se expôs, pela primeira vez, como o psiquismo do indivíduo pode refletir
em seu corpo e se pensou na importância de um tratamento que tinha por objetivo
a saúde mental, buscando diminuir as angustias do paciente que repercutiam de
tal forma a atrapalhar suas vidas, necessitando de um tratamento adequado. Já
se encontrava na sabedoria dos antigos chineses, nas páginas do Tao Te Ching,
escrito por Lao Tsé entre 350 e 250 a.C trechos
que ressaltavam a importância do psiquismo para a manutenção da saúde do
sujeito, dizendo que quando a alma sofre, o corpo sofre.
“Consideramos os sintomas histéricos como
efeitos e resíduos de excitações que atuaram sobre o sistema nervoso como
traumas.” (FREUD, 1893-1895. Pág. 118) Para tanto, Freud aponta a importância
da ab-reação, ou seja, a descarga emocional pela qual o indivíduo se liberta do
afeto que acompanha a recordação de um acontecimento traumático. Já que parte do
afeto que acompanha o trauma persiste na consciência como um componente do
estado emocional do indivíduo. Freud também comenta que os sintomas somáticos
de uma histeria podem surgir de várias maneiras a partir de símbolos mnêmicos.
Freud percebeu que era importante a natureza do trauma, mas também a reação do
sujeito ao mesmo. Também que quando a reação for reprimida, o afeto
permaneceria vinculado à lembrança, portanto o estado histérico foi evocado,
não criado. A reprodução da angustia e dos afetos convergem em sintomas físicos,
caracterizando a histeria.
Nossas experiências, porém, têm demonstrado que os mais variados sintomas, que são ostensivamente espontâneos e, como se poderia dizer, produtos idiopáticos da histeria, estão tão estritamente relacionados com o trauma desencadeador quanto os fenômenos a que acabamos de aludir e que exibem a conexão causal de maneira bem clara. Os sintomas cujo rastro pudemos seguir até os referidos fatores desencadeadores deste tipo abrangem nevralgias e anestesias de naturezas muito diversas, muitas das quais haviam persistido durante anos, contraturas e paralisias, ataques histéricos e convulsões epileptóides, que os observadores consideravam como epilepsia verdadeira, petit mal e perturbações da ordem dos tiques, vômitos crônicos e anorexia, levados até o extremo de rejeição de todos os alimentos, várias formas de perturbação da visão, alucinações visuais constantemente recorrentes, etc. A desproporção entre os muitos anos de duração do sintoma histérico e a ocorrência isolada que o provocou é o que estamos invariavelmente habituados a encontrar nas neuroses traumáticas. Com grande freqüência, é algum fato da infância que estabelece um sintoma mais ou menos grave, que persiste durante os anos subsequentes. (FREUD, 1893-1895, Pág. 40)
Foi adotado por Freud o termo “conversão” para
designar a transformação da excitação psíquica em sintomas somáticos crônicos.
Ou seja, os afetos que convergem em sintomas físicos. Freud, em sua clinica
descreve que muitas vezes, ao chegar às raízes mnêmicas ou traumas psíquicos
que convertiam no corpo do paciente, ouvia de seus pacientes os seguintes
dizeres: “Aliás, eu de fato já sabia disso desde a primeira vez, mas era
justamente o que eu não queria dizer.” Ou “Eu tinha esperança de que não fosse
isso.” Conforme Belintani (2003) os traumas tinham de ser elaborados, ou seja, apenas o relato
raramente bastava. É importante que o paciente possa se dar conta, perceber,
expor para si mesmo e fazer as ligações, as associações necessárias. Então se
aponta a única regra da psicanálise, a associação livre, ou seja, o paciente
deverá dizer tudo que lhe vier à cabeça, mesmo que pareça sem importância ou
aflitivo, fazendo assim um processo de livre associação mental do seu conteúdo
com o resto da consciência, ligando assim, seu presente, seu passado e seu
futuro, compreendendo-se melhor e se situando em sua vida. Associação livre, de acordo com
Laplanche e Pontalis é o “método que consiste em exprimir indiscriminadamente
todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento dado
(palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma
espontânea”. (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992, Pág. 38 apud BELINTANI, 2003)
No caso da “Miss Lucy R.” Freud aponta que o odor
seria o símbolo entre as percepções sensoriais da cena, sendo que a paciente
sentia sempre um cheiro de pudim queimado, que em análise ligou a um momento de
conflito, que havia recalcado intencionalmente. Após trazer este fato para o
nível da vida psíquica normal, o cheiro de pudim queimado se extinguiu, apenas
para dar lugar a outro sintoma, o cheiro da fumaça do charuto, que se referia a
outra cena passada em sua vida, que de alguma forma, se ligava a primeira.
Freud percebeu que eliminar um sintoma só fez com que seu lugar fosse ocupado
por outro. Lucy R. só ficou livre dos sintomas ao se dar conta, tratar e
eliminar todos os seus conflitos inconscientes. De acordo com Freud os sintomas
surgidos posteriormente camuflavam os primeiros, no processo terapêutico há a
recuperação após a tomada de consciência do ego e a resolução da última tarefa,
ou seja, é necessário concluir a análise de todas as raízes e motivos.
Lucy apresentou um
desafio a Freud, pois ela teria o que ele denominou histeria adquirida, já que
ela não apresentava disposição preexistente. Então Freud supôs que seria uma
histeria adquirida por experiências. De acordo com Freud, os histéricos sofrem
principalmente de reminiscências. “Talvez verifiquemos que, levando o doente de
volta, por um artifício mental, ao próprio momento em que o sintoma surgiu pela
primeira vez, o sujeito se torna mais sugestivo a uma sugestão indutiva.”
(FREUD, 1893-1895. Pág. 43) Freud aponta que cada sintoma histérico individual
desaparecia quando se tornava possível trazer à luz, com clareza, as lembranças
do fato que o havia provocado o afeto que o acompanhava, e “quando o paciente
havia descrito esse acontecimento com o maior numero de detalhes possíveis e
traduzido o afeto em palavras.” (Pág. 281) Freud também discorreu que as
representações patogênicas, ou traumas, esquecidos e expulsos da consciência
eram todos de natureza aflitiva, capazes de despertar afetos de vergonha, de
autocensura, conflitivas, ou de dor psíquica, eram todas de uma espécie que a
pessoa preferia não ter experimentado e desejava esquecer. As representações
traumáticas persistem com nitidez e intensidade afetiva porque lhe fora negada
a expressão, a ab-reação correta destas.
Os fenômenos físicos dos ataques histéricos poderiam
ser parcialmente interpretados como formas de reação ao afeto que acompanha a
lembrança, e em parte como uma expressão direta dessa lembrança. Estevam (1995)
apud Belintani
(2003), diz que “o histérico não sabe qual é a causa do seu mal porque o
que ele vê são apenas os sintomas: a causa está recalcada no inconsciente”
(Pág. 114). O método psicoterápico tem um efeito curativo, pois expõem a
representação que não fora ab-reagida no primeiro momento, permitindo que o
afeto estrangulado encontre uma saída através da fala, submetendo assim essa
representação a uma correção associativa. Desse modo, uma pessoa normal é capaz
de provocar o desaparecimento do afeto concomitante por meio do processo de
associação.
Quando prometo a meus pacientes ajuda ou melhora por meio de um tratamento catártico, muitas vezes me defronto com a seguinte objeção: “Ora, o senhor mesmo me diz que minha doença provavelmente está relacionada com as circunstâncias e os acontecimentos de minha vida. O senhor, de qualquer maneira, não pode alterá-los. Como se propõe ajudar-me, então?” E tem-me sido possível dar esta resposta: “Sem dúvida o destino acharia mais fácil do que eu aliviá-lo de sua doença. Mas você poderá convencer-se de que haverá muito a ganhar se conseguirmos transformar seu sofrimento histérico numa infelicidade comum. Com uma vida mental restituída à saúde, você estará mais bem armado contra essa infelicidade.” (FREUD, 1893-1895, Pág. 316)
Conclusão
O
caso de “Miss Lucy R” se inicia pela indicação de um médico à Freud.
Encaminhada por conta de sua perda olfativa e também pela depressão que era
acompanhada pelas alucinações de cheiro como de pudim queimado. Onde Freud já
fora identificando como a origem de sua histeria. Foi o caso que Freud não
haveria tido êxito em utilizar a hipnose, onde a paciente não haveria caído em
sonolência profunda. Freud então iniciou o tratamento da doença, utilizando os
métodos mais tradicionais da psicanálise.
Seguindo
com as sessões de psicanálise, Freud identificou que o cheiro estava ligado a
conflitos relacionado com a convivência da paciente, com seu patrão. Sugerindo
a paciente que falasse mais sobre o assunto, na medida em que ela comentava
sobre, ela constatava que o cheiro ia sumindo, porém, o cheiro deu lugar a
outro odor, o de fumaça de charuto, que fora ligado a outro trauma ocorrido,
ligado ao primeiro, recalcado pela Miss Lucy. Pode-se também pensar que Miss
Lucy escolhera esquecer, pois ela mesma afirma que não queria saber sobre seus
sentimentos então Lucy haveria optado por não pensar sobre o assunto e assim
criara seus sintomas que se manifestaram até que as situações fossem trazidas à
consciência e expressadas.
Freud
auxiliou Miss Lucy R. a se dar conta sobre os sentimentos que teria por seu patrão
e que, por este motivo, as situações ocorridas teriam sido tão significativas
para ela. Miss Lucy também percebe que seus conflitos com os outros
funcionários da casa se davam pelo mesmo motivo, pois, inconscientemente
desejava ser a mulher de seu patrão. Quando Freud a auxiliou a refletir sobre
estas coisas, ela retornou ao seu encontro mais alegre. Freud questionou o
porquê de sua alegria, então ela responde que ele apenas a avia visto doente,
mas que na realidade ela sempre era alegre e agora acreditava em sua cura,
comentava sobre a questão da clareza do seu lugar na casa e por isso, estava
muito melhor, por ter se dado conta, avaliado e se retirado do desconforto do
conflito que vivenciava.
Referências
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Paulo dez. 2003. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psic/v4n2/v4n2a08.pdf> Acesso em: 22 de Abril de 2018.
BITELMAN, B. Psicossomática em gastroentroterologia. In: VOLICH, R.M;
FERRAZ, F. C. (orgs.). Psicossomática I: Psicanálise e
psicossomática. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
BREUER,
J.; FREUD, S. (1895). Estudos sobre a histeria. In: FREUD, S. Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. V. II. Rio de
Janeiro: Imago, 1990.
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QUANDO O CORPO FALA. Faculdade de Ciências da Saúde, SP. 2013. Disponível em:
< http://docplayer.com.br/4187379-A-histeria-de-conversao-quando-o-corpo-fala.html> Acesso em 14 de Maio de 2018.
WEBSTER,
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ciência e psicanálise. Rio de Janeiro: Record, 1999.
Anexo 1.
Caso
miss Lucy (Estudos sobre a histeria, vol. II, 1893-1895 –
Trecho retirado da revista Vórtice de Psicanálise, dez/2012).
Miss Lucy R. é o pseudônimo de caso clínico
apresentado por Freud nos “Estudos sobre a histeria”. Trata-se de uma
governanta britânica atendida durante nove semanas, a partir do início de
dezembro de 1882.
De trinta anos de
idade, encaminhada por um colega médico que a tratava de uma rinite purulenta
crônica, sujeita a frequentes recaídas, essa “jovem inglesa de constituição
delicada”, governanta na residência do diretor-gerente de uma fábrica nos
arredores de Viena, já havia perdido completamente o olfato, sofria de
analgesia no nariz, e afundava num estado depressivo acompanhado de alucinações
olfativas de cheiros de pudim queimado, que logo foram classificadas por Freud
como de origem histérica.
“Resolvi,
então, tomar como ponto de partida da análise esse odor de pudim queimado.”
“Miss Lucy R. não cedeu ao sonambulismo
quando tentei hipnotizá-la. Assim, abri mão do sonambulismo e conduzi toda a
sua análise enquanto ela se encontrava num estado que, a rigor, talvez não
fosse muito diferente de um estado normal.”
Foi por ocasião do
relato desse caso que Freud fez, pela primeira vez, uma exposição detalhada de
seu novo modo de proceder.
“Quando, portanto,
minha primeira tentativa não me conduzia nem ao sonambulismo, nem a um grau de
hipnose que acarretasse modificações físicas marcantes, eu abandonava de modo
ostensivo a hipnose e pedia apenas ‘concentração’; e ordenava ao paciente que
se deitasse e deliberadamente fechasse os olhos, como meio de alcançar essa
‘concentração’. Resolvi partir do pressuposto de que meus pacientes sabiam
tudo o que tinha qualquer significado patogênico, e que se tratava apenas de
uma questão de os obrigar a comunicá-lo.”
O
esquecimento era muitas vezes intencional e desejado,
e seu êxito nunca era nada além de uma aparência. Isto porque, aquilo que era
esquecido, era algo insuportável para o sujeito.
“Colocava a mão na
testa do paciente ou lhe tomava a cabeça entre minhas mãos e dizia: ‘Você
pensará nisso sob a pressão da minha mão. No momento em que eu relaxar a
pressão, verá algo à sua frente, ou algo aparecerá em sua cabeça. Agarre-o.
Será o que estamos procurando. – E então, o que foi que viu, ou o que lhe
ocorreu?’. Desde então, esse procedimento quase nunca me decepcionou.”
A sugestão era de tal
ordem, que lhe bastava afirmar ao paciente ser impossível ter falhado, para
conseguir “extorquir-lhe a informação desejada”.
Mas neste caso, o ato
de ligar fatos e falar não eliminou os sintomas e nem modificou seu estado de
depressão e angústia. O que aconteceu foi um enfraquecimento do sintoma (sentir
cheiro de pudim queimado quando ficava agitada) conforme a paciente falava
dele, ligando-o a outros fatos, outros acontecimentos.
Não satisfeito com este
resultado, típico de um tratamento sintomático, em que se elimina um sintoma
para que seu lugar seja ocupado por outro, Freud dedicou-se à tarefa de
eliminar este novo símbolo mnêmico através da análise.
Após ter feito Miss
Lucy R. reconhecer que estava apaixonada pelo viúvo de cujos filhos era a
preceptora, e apesar da contribuição de um tratamento hidroterápico que ele não
deixou de prescrever, Freud ficou surpreso ao vê-la de volta, após as festas
natalinas, sem apresentar nenhuma melhora real. Mais do que isso, ela tinha
substituído o cheiro de pudim queimado, ligado ao amor oculto por seu patrão,
pelo cheiro de fumaça de charuto.
Sob a pressão das mãos
de Freud, outra cena em que o patrão a recriminava por não ter impedido que uma
visita beijasse seus filhos, demonstrou que ela tinha compreendido que o viúvo
não a amava - lembrança ligada à outra cena de fim de refeição, quando a sala
foi invadida pela fumaça de charutos. Esse reconhecimento acarretou, então, a
cura completa, em fins de janeiro de 1893. No que se refere à Miss Lucy R., com
o abandono da hipnose, é a certeza que ele adquiriu de um conhecimento íntimo,
mas recalcado, que os pacientes têm da origem do sintoma – donde a importância
dos recursos a empregar, para vencer a resistência à rememoração.
Atenção: Trabalho não publicado oficialmente! Não Plagie!