Notas Psicanalíticas Sobre um Relato Autobiográfico de um Caso de Paranoia: Caso Schreber
Gabriela Dornelles Tessari
Helena Palavro Basso
Maria Luiza Dresch Buttinger
Naiara Nargea Barrozo Carvalho
Neimar Abreu E Silva
Palavras-chave: Paranoia. Freud. Psicanálise. Schreber. Homossexualidade. Delírio. Psicose.
Introdução
Daniel Paul Schreber
(1842-1911) deriva de uma família de burgueses protestantes, abastados e
cultos, que buscavam a celebridade através do trabalho intelectual (Schreber,
1984). Passou a apresentar distúrbios nervosos em dois momentos, quando
candidato a eleição e na ocasião em que assumiu como Juiz de Tribunal.
Schreber nasceu em 25 de julho de 1842. Após as mortes de seu pai e de seu irmão, e após seu casamento teve sua primeira doença, em 1878, esta foi determinada como uma crise de hipocondria, e lhe é recomendado descanso. Em 1886 teve sua segunda doença, que foi mais grave, após receber a noticia de sua nomeação como juiz presidente do tribunal de apelação. Em primeiro momento teve pesadelos que sua moléstia anterior retornaria, também teve um pensamento adormecido sobre “Afinal de contas, deve ser realmente muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula.” (Freud, 1911, p.9) Nesta internação, entre 1900 e 1902, escreveu seu livro “Memórias de um doente dos nervos”, lançado em 1903. Em decisão judicial foi considerado capaz de superar as exigências da vida cotidiana e recebeu alta em 1902. Schreber escreve em suas memórias que duas vezes sofreu de distúrbios nervosos. Seu livro foi lançado antes de sua terceira doença. Tem um terceiro adoecimento após a morte de sua mãe e a paralisia de sua esposa. A psicose progride e Schreber é novamente internado em um hospital psiquiátrico, aonde ele vem a falecer, após sete anos, em estado delirante terminal (Coutinho, 2005). Schreber morre em 14 de abril de 1911, aos 69 anos, e sua esposa em 1912.
O presente artigo tem
por objetivo analisar “O Caso Schreber” de Freud (1911), visando apresentar um
texto reflexivo, no qual a argumentação tem como referencial diversos teóricos,
propondo um entendimento diferencial da clínica da paranóia. É possível
construir diversas interpretações sobre o caso, a partir de teóricos
diferentes, embora seja possível igualmente esclarecer o mesmo, a partir das
próprias declarações delirantes do paciente ou das causas ativadoras de sua
moléstia. A psicanálise busca compreender a doença mental na singularidade do
indivíduo, através da escuta. A psicanálise também defende que qualquer doença
será vivida de forma particular, individual, diferente, por cada sujeito, não
havendo um conhecimento universal sobre a patologia, como coloca a psiquiatria
tradicional (Coutinho, 2005).
Além disso, estudos de
vários casos de delírio de perseguição podem reduzir a relação entre paciente e
perseguidor a uma formula simples: o perseguidor, a quem o delírio atribui
tantas influencias, teve papel importante na vida desse sujeito antes da
enfermidade (Uchoa, 1947). Podem-se destacar como principais sintomas
apresentados por Schreber a insônia, ideias de morte precoce e perseguições,
hiperestesia, ilusões sensórias, acreditava estar morto e em decomposição, além
disso, desenvolveu ideias persecutórias e delírios principalmente de ordem
religiosa.
Para Lacan (1975) sua
análise do narcisismo, da identificação e da psicose paranóica será vista como
resultado de um conflito identificatório, considerando a pulsão de morte como
expressão do narcisismo e o delírio como defesa narcísica, e não como defesa
contra o impulso homossexual, além disso, psicose paranóica e a personalidade
não tem, como tais, relação, pelo fato de serem a mesma coisa. Para Freud
(1911), o sujeito paranóico projeta na pessoa ou em grupo de pessoas,
sentimentos, qualidades, defeitos que existem em seu inconsciente, mas que não
suporta ou admite que existam. Nisto desloca os conteúdos internos para fora e
começa a temê-los, já que voltam para ele como ameaças eminentes. A partir
disso, pode-se discorrer sobre a importância que este caso teve para Freud,
pois complementou sua tese principal sobre a libido das neuroses e psicoses,
porém sem maiores conclusões sobre o próprio Schreber.
Fundamentação Teórica
Em 1911 Freud publica o
texto “Notas Psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de
paranóia” baseado no livro “Memórias de um Doente dos Nervos”, publicado em
1903, por Daniel Paul Schreber, um doutor em direito que escreve um livro
autobiográfico, em meio a sua psicose, que serve às analises de Freud. Nesta
investigação, entre outros aspectos, Freud comenta que o mecanismo de defesa da
paranóia é a projeção, também escreve sobre o delírio como mecanismo de defesa
da psicose e expõem sobre o vinculo existente entre paranóia e homossexualidade
passiva reprimida.
Inicialmente, Schreber sofria de fortes insônias,
ilusões sensoriais, auditivas e visuais, ideias hipocondríacas e de
perseguição, além de grande sensibilidade a luz e ao barulho. Os sintomas foram
tornando-se mais frequentes até dominarem a totalidade de seus pensamentos e
sentimentos. O que foi chamado na época de uma “insanidade alucinatória”
(Freud, 1911, p.10) desenvolveu-se mais claramente até o quadro clinico de
distúrbio delirante paranóico. Schreber experimentava milagres e ouvia vozes,
dizia ter danos mortais em seus órgãos, mas milagres divinos representados
pelos raios do sol o restauravam e o faziam imortal. Entretanto, a
característica mais saliente de Schreber foi a ideia de ser transformado em
mulher, este era o núcleo mais primitivo de seu sistema delirante. Dizia que
Deus o fecundaria por raios divinos (solares) para que uma nova raça de homens
fosse criada. Assumiu uma atitude feminina com Deus, tomando o papel de sua
esposa. Transformar-se em mulher, nada mais era do que a realização do conteúdo
de seu sonho, em que pensava: “afinal de contas, deve ser realmente muito bom
ser mulher e submeter-se ao ato da cópula” sobre o qual rebelou-se com
indignação na época, e desta maneira começou a lutar contra estes desejos,
encarando esta transformação como hostil e ameaçadora. Até que, em 1895, chega
a uma ocasião na qual vem a se reconciliar com esta transformação, dizendo
servir aos propósitos mais altos de Deus (Freud, 1911). Enquanto Schreber passava a aceitar sua libido
homossexual e parara de lutar contra o desejo, acreditava que seria
transformado em mulher a qualquer momento.
Os complexos delírios
de Schreber foram descritos em seu livro com detalhes, segundo ele, visando
fins científicos para gerações futuras, intenção que demonstra sua megalomania
(Coutinho, 2005). Esta autobiografia é o material usado por Freud para sua
analise e teorização da paranóia. Seu livro passou por muitas censuras antes de
ser publicado, tendo vários trechos suprimidos. A autobiografia censurada
dificultou a compreensão do caso.
O caso Schreber se não
o mais famoso de Freud e que, mas deteve a atenção na área da Psicánalise,
recebeu diversas críticas em sua publicação (1911-1913) o qual sua visão
diverge com Lacan, M. Klein, W. Meissner e Elias Canetti. Serão vistos os
principais aspectos de cada autor e suas divergências mais marcantes.
Para Lacan (1998) a
patologia parte da psicose onde essa é expressa pelo delírio, onde o
inconsciente é o discurso interior que dialoga com o exterior, e que na psicose
esse discurso interior é revelado. A visão lacaniana defende a forclusão do
significado do nome do Pai, onde não houve a castração, uma ausência da
metáfora paterna o que fica sem a castração e sem o significado fálico o que o
deixa incapaz de situar-se em seu próprio sexo. Há um buraco nesse simbólico,
uma má clivagem do aparelho psíquico onde se manifesta na forclusão do nome do
Pai, ou seja, na presença de um pai real, até esse momento o sujeito supre essa
falta simbólica com o imaginário tomando o outro como espelho e modelo de
identificação. Nesse momento a entrada do médico Fleching é vista como entrada
do pai real para Schreber ocasionando a pré-psicose, ou seja, a chave de
entrada, Schreber ao ser chamado para presidência da Suprema Corte, isto é,
exercer o papel de pai, esse se depara com o vazio do simbólico do nome do Pai
e com isso adoece, como tratamento Lacan sugere “entrar” na subjetividade do
sujeito a fim de definir as referências usadas e buscar resignificação, como no
caso de Schreber onde ele transforma-se na mulher de Deus, também Lacan
ressalta que deve ser importante ao analista acolher a transferência do psicótico,
catalisando a libido da fixação em seu próprio corpo.
Para Meissner (1976) A
patologia advém do introjectos que vêm de relações objetais importantes, isso
se da pela intensa ambivalência na fase de desenvolvimento ocasionando uma
falha de identificação e matizes de relações objetais, ou seja, se da pela
intensa ambivalência dos introjectos onde é denominada a pseudo-pertinencia de
eu, que é parecida com o “falso self” de Winnicott (1965) apud. Coutinho
(2005), onde enfrentada pelo ego pela identificação com a vítima. No caso de
Schreber esses introjectos seriam o pai sádico e rígido com a mãe vítima e
masoquista, essas patologias dos pais introjetam em Schreber suas próprias patologias
que fazem parte do seu Eu, e assim Schreber sustenta uma forma megalomaníaca
advinda da vitimização e narcisismo por sua relação privilegiada com Deus
resultando na sua transformação de mulher D’ele.
Para Klein, segundo
Chemama (1998), o seio materno é o primeiro objeto vivenciado pelo amor e ódio,
o ego se defende por uma serie de mecanismos se ele falha o ego é invadido pela
ansiedade sentida como medo de perseguição e como ultima tentativa de proteger-se
ele fragmenta-se, essa fragmentação é a base da psicose com pontos de fixação
nos primeiros meses de vida, e que no caso Schreber emerge como a “catástrofe
mundial” seria o excesso de fragmentação do ego as muitas almas de Flechsig,
que posteriormente reduzidas a uma ou duas é a tentativa do ego de
restabelecer-se dessa divisão do ego preservando apenas as partes que trariam
ao paciente a inteligência e poder.
Canetti (1995) sugere
que Schreber se considera um ser humano acima dos demais se diferencia da
“massa do povo” em seu livro “Massa e Poder”, ele defende que sua posição é de
paranóia onde se defende para garantir status de poder segundo Canetti “[...]
por trás de toda paranóia, bem como de todo poder encontra-se um ameaça e
profunda tendência: o desejo de afastar os outros do caminho, a fim de ser o
único [...]” (Canetti, p.462, 1995). Canetti acredita ser equivocada a ideia de
outros autores relacionadas a tendências homossexuais recalcadas, pois ele
acredita que a estrutura do delírio esta ligada ao poder ou lutas pelo poder,
pois a emasculação vem de contra a Schreber o qual poderia ser submetido a
ações desprezíveis como abusos sexuais e abandono. Segundo Canetti (1995) a
palavra é de extrema importância ao paranóico demonstrando que tudo ao seu
redor causa perigo, onde a relação de Paranóia e Poder tende a desenvolver uma
relação ambígua com Deus.
O caso Schreber a visão
Freudiana traz a o recalque homossexual como sendo o principal fomentador da
doença, onde a paranóia seria uma fuga da libido homossexual, ademais a
fragmentação do ego onde o delírio entraria como cura dessa ruptura psíquica na
psicose, o que advém do modelo de psiconeuroses de Freud onde traz os conceitos
de pontos de fixação dos primeiros meses de vida com o recalcamento e retorno
do recalcado que representam sintoma. Freud (1911) descreve que a perseguição
que Schreber trazia na paranóia onde ele foge do desejo sexual e sente-se
perseguido por seu médico Flechsig a quem ama e tem desejos sexuais se atribui
a negação do “Eu homem, amo outro homem” assim acionando o mecanismo de defesa
paranoiando e colocando-se assim na figura passiva feminina. Sem maiores
conclusões do caso de Schreber, Freud conclui que é decorrente de um conflito
do ego com pulsões sexuais e que a projeção como mecanismo de defesa contra a
libido homossexual afirmando que ha vínculo entre paranóia e homossexualidade
passiva reprimida (Coutinho, 2005).
As discussões a cerca
das diferentes interpretações sobre o caso, denotam grande estudo e ampliação
de ideias referente o caso, onde diferentes autores colocam o caso como caso de
psicose, coincidindo que há um difícil nas primeiras fases de desenvolvimento,
a figura paterna aparece como um aconsoante em todos os casos sendo divergente
a posteriori, as hipóteses aqui apresentadas não são descartadas, porém vale
ressaltar a importância do ponto de vista com uma revisão e maturação constante
do caso (Henriques, 2008).
Materiais e Métodos
No presente estudo foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca
do texto de Freud “Notas Psicanalíticas Sobre um Relato Autobiográfico de um
Caso de Paranóia”, onde é analisado o caso clínico de Schreber. Foram
realizadas pesquisas, resumos, buscando-se em livros, artigos, matérias, filmes
e sites da internet materiais para estudar e aprofundar o tema abordado. A pesquisa se mostrou ampla, buscou-se
proporcionar uma maior familiaridade com o tema descrevendo os sintomas, as
principais causas e delírios apresentadas na autobiografia de Daniel Paul Schreber, o livro “Memórias de um Doente
dos Nervos”.
Com a realização das pesquisas e composição o
presente trabalho foi escolhido como forma de apresentação um texto reflexivo,
contendo os pontos principais do caso Schreber, narrando como eram os surtos
psicóticos, como ele via o ocorrido e o que levava ele a pensar na maneira como
pensava. Expondo as teorias de Freud sobre homossexualidade, e estudos sobre a
relação de Schreber com sua figura paterna. Freud tinha como questionamento “O
que, na estrutura dele, fez com que reagisse com a formação da paranóia?”.
Resultados e Discussões
De acordo com Freud
(1911) a origem das ideias patológicas do paciente seriam os impulsos
homossexuais femininos reprimidos que se forçou a suprimir devido a um conflito
com a fantasia do desejo. Entretanto, conforme Coutinho (2005) não há relação
consistente entre paranóia e repressão da homossexualidade, portanto,
atribui-se esta relação à singularidade do caso clínico de Schreber. A causa
ativadora da patologia de Schreber teria sido a manifestação de sua libido homossexual,
justificada pela fantasia de transformação em mulher. Freud (1911) especula que Schreber também pode ter
formado uma fantasia de que, se fosse mulher, trataria o assunto de ter filhos
com mais sucesso, já que era constantemente frustrado por não poder ter filhos
com sua esposa. Sendo esta a idéia o núcleo e a característica mais
primitiva de seu sistema delirante.
Cabe ressaltar as
condições do contexto sócio-histórico em relação à homossexualidade no presente
caso. Homossexualidade, na época do escrito, ainda é colocada como
homossexualismo. O sufixo “ismo” foi retirado de utilização por caracterizar
doença, levando a interpretação de preconceito na atualidade. De acordo com
Medeiros (2015) a homossexualidade sempre existiu nas mais diversas sociedade e
espécies, entretanto foi seguida por grande descriminação desde épocas
bíblicas. Somente nos anos 90 o termo homossexualismo recebeu a denominação de
homossexualidade, passando a não ser mais considerada uma doença, tanto na
medicina, quanto na psiquiatria e psicologia. Historicamente, até esta mudança
de nomenclatura, a homossexualidade era compreendida como uma patologia, um
distúrbio psicossocial, um desvio, uma perversão (Medeiros, 2015). De acordo
com Freud (1911) todo ser humano oscila entre sentimentos heterossexuais e
homossexuais ao longo da vida. Freud também coloca que frustrações em uma
direção poderiam impulsionar o sujeito à outra. No caso de Schreber, todas as
tentativas de dominar uma corrente inconsciente de desejo homossexual haviam
fracassado, tornando-se assim o conflito subjacente da enfermidade (Freud,
1911).
Paranóia é uma psicose
caracterizada por delírios de perseguição, sistematizados e interpretativos que
traduzem a erotomania e a megalomania (Chemama, 1998; Freud, 1911; Coutinho,
2005). De acordo com Laplanche e Pontalis (2001) a paranóia é uma psicose
crônica caracterizada por delírios sistematizados, com domínio da interpretação
e ausência do enfraquecimento intelectual, marcada por delírios de grandeza,
perseguição, ciúmes, etc. A palavra paranóia vem do grego e significa loucura
ou desgregamento do espírito. “Paranóia se define pelo seu caráter de defesa
contra a homossexualidade” (p.360). Na maioria dos casos de paranóia é vista a
megalomania, que pressupõem que a libido vinculada ao ego é utilizada para
engrandecimento deste, fazendo assim um retorno ao estágio do narcisismo
(Freud, 1911).
Chemama (1998) reproduz
a concepção de Freud, colocando que delírio seria uma tentativa de cura e
reconstrução do sujeito psicótico, muito presente na paranóia. “A formação delirante, que presumimos ser o
produto patológico, é, na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um
processo de reconstrução” (Freud, 1911, p.44). O exemplo citado por Coutinho
(2005) é que a catástrofe mundial descrita por Schreber funcionaria como uma
metáfora à percepção de sua calamidade interior. Schreber acreditava que o
mundo estava por acabar, mas que ele seria seu salvador.
Coutinho (2005) explica
que o delírio não é a loucura em si, que se instala perante a fragmentação
egóica, narcísica e corpórea do sujeito. O delírio é a tentativa de
interpretação e compreensão, por parte do psicótico, de sua fragmentação da
estrutura psíquica. O delírio tem significado próprio para o sujeito, assim
como seus comportamentos. “O louco tem uma forma própria de razão” (Coutinho,
2005, p.55), que explica suas atitudes. O psicótico é um ser particular com
funcionamento mental diferente (Coutinho, 2005).
É considerado um efeito da paranóia que Schreber havia construído o
delírio de perseguição para se defender do desejo homossexual, expresso em sua
feminização exigida para sua missão divina. Freud apontou que haveria na
paranóia um ponto de fixação situado em alguma parte dos estágios do
auto-erotismo, havendo falha na transição, fincando o sujeito na sua fase
narcísica, não passando ao estágio de amor objetal. Este
ponto de fixação traria, segundo a hipótese de Freud (1911), uma escolha objetal parecida a si mesmo.
Freud (1923) descreve que no delírio de perseguição
da paranóia, o paciente busca desviar-se de um vínculo homossexual que o liga a
alguém especial, como resultado disso, a pessoa amada torna-se seu perseguidor,
sendo alvo de agressividade. Aqui vemos a transformação de amor em ódio. A
principal hipótese de Freud (1911), de que a causa ativadora da enfermidade de
Schreber seria o aparecimento da fantasia feminina, ou homossexual passiva, que
teve na figura do médico seu objeto de desejo. Primeiramente Schreber resistiu
intensamente a esta fantasia e esta defesa tomou a forma de delírio de
perseguição, a pessoa que ansiava tornou-se seu perseguidor. O papel de
perseguidor coube ao seu médico, Flechsig, entretanto Freud (1911) supõem que o
delírio dirige-se á alguém mais representativo, que teria desempenhado papel
igualmente importante na vida emocional do paciente antes de sua enfermidade. A
intensidade do sentimento é manifestada externamente com qualidade oposta à
original. “A pessoa agora odiada e temida, por ser um perseguidor, foi, noutra
época, amada e honrada” (Freud, 1911, p.26). Assim o paciente justificaria seu
delírio.
Sendo assim, o delírio de perseguição seria efeito de uma projeção como
mecanismo de defesa da homossexualidade, aonde a frase ‘eu, um homem, amo a
outro homem’ gera uma negação ‘não o amo, o odeio’ e uma inversão ‘ele me
odeia’. Por esta projeção o que deveria ser percebido como amor é percebido
como ódio. Assim o sujeito evita a irrupção á consciência de sua libido
homossexual, que neste individuo representaria uma ameaça de destruição do ego.
O delírio, portanto, é um meio para que o paranóico assegure sua coerência
enquanto reconstrói seu mundo (Chemama,
1998; Freud, 1911).
O objeto da libido
homossexual de Schreber foi provavelmente, o médico, Flechsig, as lutas do
paciente contra o desejo libidinal produziram o conflito que deu origem aos
sintomas (Freud, 1911). Freud ainda coloca que o sentimento de Schreber para
com seu médico pode ter se dado devido a uma transferência de uma catexia
emocional que provinha de outra pessoa importante, sendo o médico um substituto
de alguém mais próximo ao paciente, como seu pai e seu irmão. Schreber havia
apaixonado-se pelo medico, com os mecanismos da transferência, e devido a não
aceitação deste sentimento passou a odiá-lo, pois em sua percepção o medico o
perseguia e queria “matar sua alma”. O que Freud (1911, p.41) descreve como
projeção:
A
característica mais notável da formação de sintomas na paranóia é o processo
que merece o nome de projeção.
Uma percepção interna é suprimida e, ao invés, seu conteúdo, após sofrer certo
tipo de deformação, ingressa na consciência sob a forma de percepção externa.
Nos delírios de perseguição, a deformação consiste numa transformação do afeto;
o que deveria ter sido sentido internamente como amor é percebido externamente
como ódio.
Do ponto de vista Freudiano, o delírio da paranóia e
uma maneira de negar a homossexualidade projetando-a para fora (Chemama, 1998).
De acordo com Chemama (1998) o que Lacan
chamou de forclusão do nome do pai, nas psicoses, tira o sujeito o sentido das
significações fálicas, o que leva o sujeito a desordem, formando alucinações
daquilo que lhe falta em nível simbólico. O delírio teria a função de suprir a
metáfora paterna construindo uma metáfora delirante que daria sentido e coesão
á aquele que carece de sentido e coesão. A libido homossexual
foi reprimida e recalcada, retornando com o enfraquecimento das defesas do ego,
que tenta defender-se novamente, desenvolvendo a paranóia através do mecanismo
de projeção, que se manifesta clinicamente pelos delírios de perseguição,
erotomania e megalomania (Coutinho, 2005).
Schreber acreditava ser destinado a criar uma nova raça de homens,
nascida de seu espírito e salvar o mundo da eminente calamidade. Seu ego
encontrava satisfação no delírio de grandeza. A megalomania pode-se desenvolver
de delírios de perseguição. Inicialmente o paciente acredita estar sendo
perseguido por forças poderosas, sentindo a necessidade de explicar isso a si
próprio, ocorre-lhe que ele é um personagem superior e digno de tal
perseguição. Ou seja, o desenvolvimento da megalomania se daria por um processo
de racionalização do sujeito (Freud, 1911). Freud, em sua teoria, estabelece uma conexão da relação de Schreber com
Deus e com seu pai, representado por este personagem divino. O pai de Schreber
era um famoso médico da época, fundador de uma escola de ginástica terapêutica,
com quem ele mantinha constante relação de veneração e insubordinação, da mesma
forma que se relacionava com o Deus de seus delírios, representado pelo Sol
(Chemama, 1998). De acordo com Freud (1911) a relação de Schreber com
Deus exibia uma mistura curiosa de critica blasfêmia, insubordinação amotinada e
devoção reverente. Sendo Deus um representante da figura paterna, observa-se
que enquanto o pai de Schreber estava vivo, este agia com rebeldia e discórdia,
entretanto há uma submissão e obediência tardia para com ele. Freud
(1911) relaciona os delírios de Schreber em relação ao sol com a mitologia,
aonde este representa Deus, e no presente caso, representaria seu pai. Poder
olhar para o sol sem se ofuscar é uma metáfora de Schreber para poder olhar
para o pai sem se incomodar com seu “brilho”. O conflito de Schreber com seu
pai, mais tardiamente representados por Deus e também pelo seu médico foi o que
determinou conteúdo de seus delírios.
De acordo com Coutinho
(2005), Freud coloca que a doença expressaria um mecanismo de defesa do
paciente contra sua libido homossexual, sendo o ser humano naturalmente
bissexual. Freud também estabelece a projeção como mecanismo de defesa e
sustenta que o delírio é uma tentativa de cura da ruptura psíquica na psicose.
Estas colocações são sustentadas por seu modelo teórico das psiconeuroses,
baseados nos conceitos de pontos de fixação situados nos primeiros meses de
vida, recalcamento e retorno do recalcado representando um sintoma. Ao final,
Freud complementou sua tese principal sobre a libido das neuroses e psicoses,
porém sem maiores conclusões sobre o próprio Schreber. De acordo com Freud
(1911) as neuroses surgem principalmente de um conflito entre o ego e as
pulsões sexuais, tomando formas que marcam o individuo em seu curso de
desenvolvimento.
Conclusão
Daniel Paul Schreber, doutor em Direito, escreveu um livro
autobiográfico chamado “Memorias de um doente dos nervos”, onde descreve com
detalhes seus complexos delírios, relata sofre de insônia, ilusões sensoriais,
auditivas e visuais, ideias de perseguição, entre outros. O caso Schreber
possivelmente tenha sido o mais famoso investigado por Freud, baseado na
autobiografia de Schreber ele desenvolveu um estudo que chamou de “Notas
Psicanalíticas”, onde conclui que o mecanismo de defesa da paranóia é a
projeção, e o mecanismo de defesa da psicose é o delírio. Freud acredita que
existe um vinculo entre a paranóia e a homossexualidade passiva reprimida. Em
um trecho de sua autobiografia Schreber relata seus delírios de poder e
imortalidade, acreditava que Deus o fecundaria, pois ele havia se transformado
em mulher, não somente mulher, mas mulher de Deus, e através dele Deus criaria
uma nova raça de homens. Freud (1911) acreditava que os impulsos homossexuais
reprimidos conflitaram com a fantasia do desejo de Schreber dando origem a
patologia. O delírio seria uma tentativa de cura e reconstrução do sujeito, e o
delírio de perseguição seria efeito de uma projeção como mecanismo de defesa da
homossexualidade, onde o homem ama outro homem, gerando uma negação, não o amo,
o odeio e ao mesmo tempo gera uma inversão, ele me odeia.
Devido à projeção, o que era entendido como amor agora é percebido
como ódio. Pra Freud, o ser humano é naturalmente bissexual, e estabelece a
projeção como sendo um mecanismo de defesa, e sustenta que o delírio é uma
tentativa de cura da ruptura psíquica na psicose. Freud complementou sua tese
principal sobre a libido das neuroses e psicoses sem maiores conclusões sobre o
próprio Schreber.
Importante ressaltar que o caso Schreber foi construído com base no
testemunho do próprio sujeito através de seus escritos, Freud não vivenciou o
caso clinicamente, embora a metodologia utilizada tenha sido a mesma. Através
dos relatos do próprio Schreber, que descrevia seus delírios, transformação em
mulher, sua grandeza e seu poder, pois acreditava ser escolhido por Deus para
iniciar uma nova raça de homens. Freud estabeleceu que a relação de Schreber
com Deus adviesse da figura do pai e seu ódio seria fruto de uma fantasia de
incesto, na tentativa de negar seus desejos reprimidos. Freud chamou de defesa
de inversão, ao invés de amar ele odiava, assim era mais fácil de lidar.
Um filme de 2006, baseado no caso clinico, mostra
que Schreber não deixa que suas alucinações e delírios interfiram em seus
direitos de gerir seus bens, conseguindo liberação judicial para tal. O
paciente apresentava grande nível intelectual e, embora se julgasse louco, não
era considerado perigoso para a sociedade (Coutinho, 2005). Segundo
Chemama (1998) no delírio paranóico de Schreber sua personalidade havia se
reconstruído, podendo mostrar-se a altura das tarefas exigidas pela vida, com
exceção de certos transtornos. Em seu delírio sistemático, Schreber acreditava
ser o salvador do mundo, mandado por Deus, que falava com ele por meio da
linguagem dos nervos, através dos raios do sol e para cumprir sua missão
deveria transformar-se em mulher.
Para Freud as neuroses surgem principalmente de um conflito entre o
ego e as pulsões sexuais, tomando formas que marcam o individuo em seu curso de
desenvolvimento, o caso Schreber recebeu muitas criticas após sua publicação
(1911-1913), pois a visão freudiana divergia com a visão de Lacan, M. Klein, W.
Meissner e Elias Canetti. Embora as discussões a cerca das diferentes
interpretações sobre o caso, todos concordavam se tratar de uma psicose que
derivava de falhas nas primeiras fases do desenvolvimento, onde a figura
paterna é uma constante.
O caso Schreber foi usado por Freud para sua analise e teorização da
paranoia, o livro de Freud foi censurado e teve várias páginas suprimidas, o
que dificultou a compreensão do caso estudado. Nos anos 90 o homossexualismo
era visto como doença, patologia, desvio, perversão, somente após a troca da
nomenclatura para homossexualidade é que a condição deixou de ser vista como
doença pela psiquiatria, embora hoje, quase 30 anos depois, ainda temos
seguimentos da sociedade que defendem uma cura Gay.
Referências
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