quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Casos de Freud: Schreber

 Notas Psicanalíticas Sobre um Relato Autobiográfico de um Caso de ParanoiaCaso Schreber


AUTORES:

Gabriela Dornelles Tessari

Helena Palavro Basso

Maria Luiza Dresch Buttinger

Naiara Nargea Barrozo Carvalho

Neimar Abreu E Silva


Palavras-chave: Paranoia. Freud. Psicanálise. Schreber. Homossexualidade. Delírio. Psicose.




Introdução

Daniel Paul Schreber (1842-1911) deriva de uma família de burgueses protestantes, abastados e cultos, que buscavam a celebridade através do trabalho intelectual (Schreber, 1984). Passou a apresentar distúrbios nervosos em dois momentos, quando candidato a eleição e na ocasião em que assumiu como Juiz de Tribunal.

Schreber nasceu em 25 de julho de 1842. Após as mortes de seu pai e de seu irmão, e após seu casamento teve sua primeira doença, em 1878, esta foi determinada como uma crise de hipocondria, e lhe é recomendado descanso. Em 1886 teve sua segunda doença, que foi mais grave, após receber a noticia de sua nomeação como juiz presidente do tribunal de apelação. Em primeiro momento teve pesadelos que sua moléstia anterior retornaria, também teve um pensamento adormecido sobre “Afinal de contas, deve ser realmente muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula.” (Freud, 1911, p.9) Nesta internação, entre 1900 e 1902, escreveu seu livro “Memórias de um doente dos nervos”, lançado em 1903. Em decisão judicial foi considerado capaz de superar as exigências da vida cotidiana e recebeu alta em 1902. Schreber escreve em suas memórias que duas vezes sofreu de distúrbios nervosos. Seu livro foi lançado antes de sua terceira doença. Tem um terceiro adoecimento após a morte de sua mãe e a paralisia de sua esposa. A psicose progride e Schreber é novamente internado em um hospital psiquiátrico, aonde ele vem a falecer, após sete anos, em estado delirante terminal (Coutinho, 2005). Schreber morre em 14 de abril de 1911, aos 69 anos, e sua esposa em 1912.

O presente artigo tem por objetivo analisar “O Caso Schreber” de Freud (1911), visando apresentar um texto reflexivo, no qual a argumentação tem como referencial diversos teóricos, propondo um entendimento diferencial da clínica da paranóia. É possível construir diversas interpretações sobre o caso, a partir de teóricos diferentes, embora seja possível igualmente esclarecer o mesmo, a partir das próprias declarações delirantes do paciente ou das causas ativadoras de sua moléstia. A psicanálise busca compreender a doença mental na singularidade do indivíduo, através da escuta. A psicanálise também defende que qualquer doença será vivida de forma particular, individual, diferente, por cada sujeito, não havendo um conhecimento universal sobre a patologia, como coloca a psiquiatria tradicional (Coutinho, 2005).

Além disso, estudos de vários casos de delírio de perseguição podem reduzir a relação entre paciente e perseguidor a uma formula simples: o perseguidor, a quem o delírio atribui tantas influencias, teve papel importante na vida desse sujeito antes da enfermidade (Uchoa, 1947). Podem-se destacar como principais sintomas apresentados por Schreber a insônia, ideias de morte precoce e perseguições, hiperestesia, ilusões sensórias, acreditava estar morto e em decomposição, além disso, desenvolveu ideias persecutórias e delírios principalmente de ordem religiosa.

Para Lacan (1975) sua análise do narcisismo, da identificação e da psicose paranóica será vista como resultado de um conflito identificatório, considerando a pulsão de morte como expressão do narcisismo e o delírio como defesa narcísica, e não como defesa contra o impulso homossexual, além disso, psicose paranóica e a personalidade não tem, como tais, relação, pelo fato de serem a mesma coisa. Para Freud (1911), o sujeito paranóico projeta na pessoa ou em grupo de pessoas, sentimentos, qualidades, defeitos que existem em seu inconsciente, mas que não suporta ou admite que existam. Nisto desloca os conteúdos internos para fora e começa a temê-los, já que voltam para ele como ameaças eminentes. A partir disso, pode-se discorrer sobre a importância que este caso teve para Freud, pois complementou sua tese principal sobre a libido das neuroses e psicoses, porém sem maiores conclusões sobre o próprio Schreber.

 

Fundamentação Teórica


Em 1911 Freud publica o texto “Notas Psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia” baseado no livro “Memórias de um Doente dos Nervos”, publicado em 1903, por Daniel Paul Schreber, um doutor em direito que escreve um livro autobiográfico, em meio a sua psicose, que serve às analises de Freud. Nesta investigação, entre outros aspectos, Freud comenta que o mecanismo de defesa da paranóia é a projeção, também escreve sobre o delírio como mecanismo de defesa da psicose e expõem sobre o vinculo existente entre paranóia e homossexualidade passiva reprimida.

Inicialmente, Schreber sofria de fortes insônias, ilusões sensoriais, auditivas e visuais, ideias hipocondríacas e de perseguição, além de grande sensibilidade a luz e ao barulho. Os sintomas foram tornando-se mais frequentes até dominarem a totalidade de seus pensamentos e sentimentos. O que foi chamado na época de uma “insanidade alucinatória” (Freud, 1911, p.10) desenvolveu-se mais claramente até o quadro clinico de distúrbio delirante paranóico. Schreber experimentava milagres e ouvia vozes, dizia ter danos mortais em seus órgãos, mas milagres divinos representados pelos raios do sol o restauravam e o faziam imortal. Entretanto, a característica mais saliente de Schreber foi a ideia de ser transformado em mulher, este era o núcleo mais primitivo de seu sistema delirante. Dizia que Deus o fecundaria por raios divinos (solares) para que uma nova raça de homens fosse criada. Assumiu uma atitude feminina com Deus, tomando o papel de sua esposa. Transformar-se em mulher, nada mais era do que a realização do conteúdo de seu sonho, em que pensava: “afinal de contas, deve ser realmente muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula” sobre o qual rebelou-se com indignação na época, e desta maneira começou a lutar contra estes desejos, encarando esta transformação como hostil e ameaçadora. Até que, em 1895, chega a uma ocasião na qual vem a se reconciliar com esta transformação, dizendo servir aos propósitos mais altos de Deus (Freud, 1911). Enquanto Schreber passava a aceitar sua libido homossexual e parara de lutar contra o desejo, acreditava que seria transformado em mulher a qualquer momento.

Os complexos delírios de Schreber foram descritos em seu livro com detalhes, segundo ele, visando fins científicos para gerações futuras, intenção que demonstra sua megalomania (Coutinho, 2005). Esta autobiografia é o material usado por Freud para sua analise e teorização da paranóia. Seu livro passou por muitas censuras antes de ser publicado, tendo vários trechos suprimidos. A autobiografia censurada dificultou a compreensão do caso.

O caso Schreber se não o mais famoso de Freud e que, mas deteve a atenção na área da Psicánalise, recebeu diversas críticas em sua publicação (1911-1913) o qual sua visão diverge com Lacan, M. Klein, W. Meissner e Elias Canetti. Serão vistos os principais aspectos de cada autor e suas divergências mais marcantes.

Para Lacan (1998) a patologia parte da psicose onde essa é expressa pelo delírio, onde o inconsciente é o discurso interior que dialoga com o exterior, e que na psicose esse discurso interior é revelado. A visão lacaniana defende a forclusão do significado do nome do Pai, onde não houve a castração, uma ausência da metáfora paterna o que fica sem a castração e sem o significado fálico o que o deixa incapaz de situar-se em seu próprio sexo. Há um buraco nesse simbólico, uma má clivagem do aparelho psíquico onde se manifesta na forclusão do nome do Pai, ou seja, na presença de um pai real, até esse momento o sujeito supre essa falta simbólica com o imaginário tomando o outro como espelho e modelo de identificação. Nesse momento a entrada do médico Fleching é vista como entrada do pai real para Schreber ocasionando a pré-psicose, ou seja, a chave de entrada, Schreber ao ser chamado para presidência da Suprema Corte, isto é, exercer o papel de pai, esse se depara com o vazio do simbólico do nome do Pai e com isso adoece, como tratamento Lacan sugere “entrar” na subjetividade do sujeito a fim de definir as referências usadas e buscar resignificação, como no caso de Schreber onde ele transforma-se na mulher de Deus, também Lacan ressalta que deve ser importante ao analista acolher a transferência do psicótico, catalisando a libido da fixação em seu próprio corpo.

Para Meissner (1976) A patologia advém do introjectos que vêm de relações objetais importantes, isso se da pela intensa ambivalência na fase de desenvolvimento ocasionando uma falha de identificação e matizes de relações objetais, ou seja, se da pela intensa ambivalência dos introjectos onde é denominada a pseudo-pertinencia de eu, que é parecida com o “falso self” de Winnicott (1965) apud. Coutinho (2005), onde enfrentada pelo ego pela identificação com a vítima. No caso de Schreber esses introjectos seriam o pai sádico e rígido com a mãe vítima e masoquista, essas patologias dos pais introjetam em Schreber suas próprias patologias que fazem parte do seu Eu, e assim Schreber sustenta uma forma megalomaníaca advinda da vitimização e narcisismo por sua relação privilegiada com Deus resultando na sua transformação de mulher D’ele.

Para Klein, segundo Chemama (1998), o seio materno é o primeiro objeto vivenciado pelo amor e ódio, o ego se defende por uma serie de mecanismos se ele falha o ego é invadido pela ansiedade sentida como medo de perseguição e como ultima tentativa de proteger-se ele fragmenta-se, essa fragmentação é a base da psicose com pontos de fixação nos primeiros meses de vida, e que no caso Schreber emerge como a “catástrofe mundial” seria o excesso de fragmentação do ego as muitas almas de Flechsig, que posteriormente reduzidas a uma ou duas é a tentativa do ego de restabelecer-se dessa divisão do ego preservando apenas as partes que trariam ao paciente a inteligência e poder.

Canetti (1995) sugere que Schreber se considera um ser humano acima dos demais se diferencia da “massa do povo” em seu livro “Massa e Poder”, ele defende que sua posição é de paranóia onde se defende para garantir status de poder segundo Canetti “[...] por trás de toda paranóia, bem como de todo poder encontra-se um ameaça e profunda tendência: o desejo de afastar os outros do caminho, a fim de ser o único [...]” (Canetti, p.462, 1995). Canetti acredita ser equivocada a ideia de outros autores relacionadas a tendências homossexuais recalcadas, pois ele acredita que a estrutura do delírio esta ligada ao poder ou lutas pelo poder, pois a emasculação vem de contra a Schreber o qual poderia ser submetido a ações desprezíveis como abusos sexuais e abandono. Segundo Canetti (1995) a palavra é de extrema importância ao paranóico demonstrando que tudo ao seu redor causa perigo, onde a relação de Paranóia e Poder tende a desenvolver uma relação ambígua com Deus.

O caso Schreber a visão Freudiana traz a o recalque homossexual como sendo o principal fomentador da doença, onde a paranóia seria uma fuga da libido homossexual, ademais a fragmentação do ego onde o delírio entraria como cura dessa ruptura psíquica na psicose, o que advém do modelo de psiconeuroses de Freud onde traz os conceitos de pontos de fixação dos primeiros meses de vida com o recalcamento e retorno do recalcado que representam sintoma. Freud (1911) descreve que a perseguição que Schreber trazia na paranóia onde ele foge do desejo sexual e sente-se perseguido por seu médico Flechsig a quem ama e tem desejos sexuais se atribui a negação do “Eu homem, amo outro homem” assim acionando o mecanismo de defesa paranoiando e colocando-se assim na figura passiva feminina. Sem maiores conclusões do caso de Schreber, Freud conclui que é decorrente de um conflito do ego com pulsões sexuais e que a projeção como mecanismo de defesa contra a libido homossexual afirmando que ha vínculo entre paranóia e homossexualidade passiva reprimida (Coutinho, 2005).

As discussões a cerca das diferentes interpretações sobre o caso, denotam grande estudo e ampliação de ideias referente o caso, onde diferentes autores colocam o caso como caso de psicose, coincidindo que há um difícil nas primeiras fases de desenvolvimento, a figura paterna aparece como um aconsoante em todos os casos sendo divergente a posteriori, as hipóteses aqui apresentadas não são descartadas, porém vale ressaltar a importância do ponto de vista com uma revisão e maturação constante do caso (Henriques, 2008).

 

Materiais e Métodos

 

No presente estudo foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca do texto de Freud “Notas Psicanalíticas Sobre um Relato Autobiográfico de um Caso de Paranóia”, onde é analisado o caso clínico de Schreber. Foram realizadas pesquisas, resumos, buscando-se em livros, artigos, matérias, filmes e sites da internet materiais para estudar e aprofundar o tema abordado. A pesquisa se mostrou ampla, buscou-se proporcionar uma maior familiaridade com o tema descrevendo os sintomas, as principais causas e delírios apresentadas na autobiografia de Daniel Paul Schreber, o livro “Memórias de um Doente dos Nervos”.

Com a realização das pesquisas e composição o presente trabalho foi escolhido como forma de apresentação um texto reflexivo, contendo os pontos principais do caso Schreber, narrando como eram os surtos psicóticos, como ele via o ocorrido e o que levava ele a pensar na maneira como pensava. Expondo as teorias de Freud sobre homossexualidade, e estudos sobre a relação de Schreber com sua figura paterna. Freud tinha como questionamento “O que, na estrutura dele, fez com que reagisse com a formação da paranóia?”.

 

Resultados e Discussões

 

De acordo com Freud (1911) a origem das ideias patológicas do paciente seriam os impulsos homossexuais femininos reprimidos que se forçou a suprimir devido a um conflito com a fantasia do desejo. Entretanto, conforme Coutinho (2005) não há relação consistente entre paranóia e repressão da homossexualidade, portanto, atribui-se esta relação à singularidade do caso clínico de Schreber. A causa ativadora da patologia de Schreber teria sido a manifestação de sua libido homossexual, justificada pela fantasia de transformação em mulher. Freud (1911) especula que Schreber também pode ter formado uma fantasia de que, se fosse mulher, trataria o assunto de ter filhos com mais sucesso, já que era constantemente frustrado por não poder ter filhos com sua esposa. Sendo esta a idéia o núcleo e a característica mais primitiva de seu sistema delirante.

Cabe ressaltar as condições do contexto sócio-histórico em relação à homossexualidade no presente caso. Homossexualidade, na época do escrito, ainda é colocada como homossexualismo. O sufixo “ismo” foi retirado de utilização por caracterizar doença, levando a interpretação de preconceito na atualidade. De acordo com Medeiros (2015) a homossexualidade sempre existiu nas mais diversas sociedade e espécies, entretanto foi seguida por grande descriminação desde épocas bíblicas. Somente nos anos 90 o termo homossexualismo recebeu a denominação de homossexualidade, passando a não ser mais considerada uma doença, tanto na medicina, quanto na psiquiatria e psicologia. Historicamente, até esta mudança de nomenclatura, a homossexualidade era compreendida como uma patologia, um distúrbio psicossocial, um desvio, uma perversão (Medeiros, 2015). De acordo com Freud (1911) todo ser humano oscila entre sentimentos heterossexuais e homossexuais ao longo da vida. Freud também coloca que frustrações em uma direção poderiam impulsionar o sujeito à outra. No caso de Schreber, todas as tentativas de dominar uma corrente inconsciente de desejo homossexual haviam fracassado, tornando-se assim o conflito subjacente da enfermidade (Freud, 1911).

Paranóia é uma psicose caracterizada por delírios de perseguição, sistematizados e interpretativos que traduzem a erotomania e a megalomania (Chemama, 1998; Freud, 1911; Coutinho, 2005). De acordo com Laplanche e Pontalis (2001) a paranóia é uma psicose crônica caracterizada por delírios sistematizados, com domínio da interpretação e ausência do enfraquecimento intelectual, marcada por delírios de grandeza, perseguição, ciúmes, etc. A palavra paranóia vem do grego e significa loucura ou desgregamento do espírito. “Paranóia se define pelo seu caráter de defesa contra a homossexualidade” (p.360). Na maioria dos casos de paranóia é vista a megalomania, que pressupõem que a libido vinculada ao ego é utilizada para engrandecimento deste, fazendo assim um retorno ao estágio do narcisismo (Freud, 1911).

Chemama (1998) reproduz a concepção de Freud, colocando que delírio seria uma tentativa de cura e reconstrução do sujeito psicótico, muito presente na paranóia. “A formação delirante, que presumimos ser o produto patológico, é, na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução” (Freud, 1911, p.44). O exemplo citado por Coutinho (2005) é que a catástrofe mundial descrita por Schreber funcionaria como uma metáfora à percepção de sua calamidade interior. Schreber acreditava que o mundo estava por acabar, mas que ele seria seu salvador.

Coutinho (2005) explica que o delírio não é a loucura em si, que se instala perante a fragmentação egóica, narcísica e corpórea do sujeito. O delírio é a tentativa de interpretação e compreensão, por parte do psicótico, de sua fragmentação da estrutura psíquica. O delírio tem significado próprio para o sujeito, assim como seus comportamentos. “O louco tem uma forma própria de razão” (Coutinho, 2005, p.55), que explica suas atitudes. O psicótico é um ser particular com funcionamento mental diferente (Coutinho, 2005).

É considerado um efeito da paranóia que Schreber havia construído o delírio de perseguição para se defender do desejo homossexual, expresso em sua feminização exigida para sua missão divina. Freud apontou que haveria na paranóia um ponto de fixação situado em alguma parte dos estágios do auto-erotismo, havendo falha na transição, fincando o sujeito na sua fase narcísica, não passando ao estágio de amor objetal. Este ponto de fixação traria, segundo a hipótese de Freud (1911), uma escolha objetal parecida a si mesmo.

Freud (1923) descreve que no delírio de perseguição da paranóia, o paciente busca desviar-se de um vínculo homossexual que o liga a alguém especial, como resultado disso, a pessoa amada torna-se seu perseguidor, sendo alvo de agressividade. Aqui vemos a transformação de amor em ódio. A principal hipótese de Freud (1911), de que a causa ativadora da enfermidade de Schreber seria o aparecimento da fantasia feminina, ou homossexual passiva, que teve na figura do médico seu objeto de desejo. Primeiramente Schreber resistiu intensamente a esta fantasia e esta defesa tomou a forma de delírio de perseguição, a pessoa que ansiava tornou-se seu perseguidor. O papel de perseguidor coube ao seu médico, Flechsig, entretanto Freud (1911) supõem que o delírio dirige-se á alguém mais representativo, que teria desempenhado papel igualmente importante na vida emocional do paciente antes de sua enfermidade. A intensidade do sentimento é manifestada externamente com qualidade oposta à original. “A pessoa agora odiada e temida, por ser um perseguidor, foi, noutra época, amada e honrada” (Freud, 1911, p.26). Assim o paciente justificaria seu delírio.

Sendo assim, o delírio de perseguição seria efeito de uma projeção como mecanismo de defesa da homossexualidade, aonde a frase ‘eu, um homem, amo a outro homem’ gera uma negação ‘não o amo, o odeio’ e uma inversão ‘ele me odeia’. Por esta projeção o que deveria ser percebido como amor é percebido como ódio. Assim o sujeito evita a irrupção á consciência de sua libido homossexual, que neste individuo representaria uma ameaça de destruição do ego. O delírio, portanto, é um meio para que o paranóico assegure sua coerência enquanto reconstrói seu mundo (Chemama, 1998; Freud, 1911).

O objeto da libido homossexual de Schreber foi provavelmente, o médico, Flechsig, as lutas do paciente contra o desejo libidinal produziram o conflito que deu origem aos sintomas (Freud, 1911). Freud ainda coloca que o sentimento de Schreber para com seu médico pode ter se dado devido a uma transferência de uma catexia emocional que provinha de outra pessoa importante, sendo o médico um substituto de alguém mais próximo ao paciente, como seu pai e seu irmão. Schreber havia apaixonado-se pelo medico, com os mecanismos da transferência, e devido a não aceitação deste sentimento passou a odiá-lo, pois em sua percepção o medico o perseguia e queria “matar sua alma”. O que Freud (1911, p.41) descreve como projeção:

A característica mais notável da formação de sintomas na paranóia é o processo que merece o nome de projeção. Uma percepção interna é suprimida e, ao invés, seu conteúdo, após sofrer certo tipo de deformação, ingressa na consciência sob a forma de percepção externa. Nos delírios de perseguição, a deformação consiste numa transformação do afeto; o que deveria ter sido sentido internamente como amor é percebido externamente como ódio.

 

Do ponto de vista Freudiano, o delírio da paranóia e uma maneira de negar a homossexualidade projetando-a para fora (Chemama, 1998). De acordo com Chemama (1998) o que Lacan chamou de forclusão do nome do pai, nas psicoses, tira o sujeito o sentido das significações fálicas, o que leva o sujeito a desordem, formando alucinações daquilo que lhe falta em nível simbólico. O delírio teria a função de suprir a metáfora paterna construindo uma metáfora delirante que daria sentido e coesão á aquele que carece de sentido e coesão. A libido homossexual foi reprimida e recalcada, retornando com o enfraquecimento das defesas do ego, que tenta defender-se novamente, desenvolvendo a paranóia através do mecanismo de projeção, que se manifesta clinicamente pelos delírios de perseguição, erotomania e megalomania (Coutinho, 2005).

Schreber acreditava ser destinado a criar uma nova raça de homens, nascida de seu espírito e salvar o mundo da eminente calamidade. Seu ego encontrava satisfação no delírio de grandeza. A megalomania pode-se desenvolver de delírios de perseguição. Inicialmente o paciente acredita estar sendo perseguido por forças poderosas, sentindo a necessidade de explicar isso a si próprio, ocorre-lhe que ele é um personagem superior e digno de tal perseguição. Ou seja, o desenvolvimento da megalomania se daria por um processo de racionalização do sujeito (Freud, 1911). Freud, em sua teoria, estabelece uma conexão da relação de Schreber com Deus e com seu pai, representado por este personagem divino. O pai de Schreber era um famoso médico da época, fundador de uma escola de ginástica terapêutica, com quem ele mantinha constante relação de veneração e insubordinação, da mesma forma que se relacionava com o Deus de seus delírios, representado pelo Sol (Chemama, 1998). De acordo com Freud (1911) a relação de Schreber com Deus exibia uma mistura curiosa de critica blasfêmia, insubordinação amotinada e devoção reverente. Sendo Deus um representante da figura paterna, observa-se que enquanto o pai de Schreber estava vivo, este agia com rebeldia e discórdia, entretanto há uma submissão e obediência tardia para com ele. Freud (1911) relaciona os delírios de Schreber em relação ao sol com a mitologia, aonde este representa Deus, e no presente caso, representaria seu pai. Poder olhar para o sol sem se ofuscar é uma metáfora de Schreber para poder olhar para o pai sem se incomodar com seu “brilho”. O conflito de Schreber com seu pai, mais tardiamente representados por Deus e também pelo seu médico foi o que determinou conteúdo de seus delírios.

De acordo com Coutinho (2005), Freud coloca que a doença expressaria um mecanismo de defesa do paciente contra sua libido homossexual, sendo o ser humano naturalmente bissexual. Freud também estabelece a projeção como mecanismo de defesa e sustenta que o delírio é uma tentativa de cura da ruptura psíquica na psicose. Estas colocações são sustentadas por seu modelo teórico das psiconeuroses, baseados nos conceitos de pontos de fixação situados nos primeiros meses de vida, recalcamento e retorno do recalcado representando um sintoma. Ao final, Freud complementou sua tese principal sobre a libido das neuroses e psicoses, porém sem maiores conclusões sobre o próprio Schreber. De acordo com Freud (1911) as neuroses surgem principalmente de um conflito entre o ego e as pulsões sexuais, tomando formas que marcam o individuo em seu curso de desenvolvimento.

 

Conclusão

 

Daniel Paul Schreber, doutor em Direito, escreveu um livro autobiográfico chamado “Memorias de um doente dos nervos”, onde descreve com detalhes seus complexos delírios, relata sofre de insônia, ilusões sensoriais, auditivas e visuais, ideias de perseguição, entre outros. O caso Schreber possivelmente tenha sido o mais famoso investigado por Freud, baseado na autobiografia de Schreber ele desenvolveu um estudo que chamou de “Notas Psicanalíticas”, onde conclui que o mecanismo de defesa da paranóia é a projeção, e o mecanismo de defesa da psicose é o delírio. Freud acredita que existe um vinculo entre a paranóia e a homossexualidade passiva reprimida. Em um trecho de sua autobiografia Schreber relata seus delírios de poder e imortalidade, acreditava que Deus o fecundaria, pois ele havia se transformado em mulher, não somente mulher, mas mulher de Deus, e através dele Deus criaria uma nova raça de homens. Freud (1911) acreditava que os impulsos homossexuais reprimidos conflitaram com a fantasia do desejo de Schreber dando origem a patologia. O delírio seria uma tentativa de cura e reconstrução do sujeito, e o delírio de perseguição seria efeito de uma projeção como mecanismo de defesa da homossexualidade, onde o homem ama outro homem, gerando uma negação, não o amo, o odeio e ao mesmo tempo gera uma inversão, ele me odeia.

Devido à projeção, o que era entendido como amor agora é percebido como ódio. Pra Freud, o ser humano é naturalmente bissexual, e estabelece a projeção como sendo um mecanismo de defesa, e sustenta que o delírio é uma tentativa de cura da ruptura psíquica na psicose. Freud complementou sua tese principal sobre a libido das neuroses e psicoses sem maiores conclusões sobre o próprio Schreber.

Importante ressaltar que o caso Schreber foi construído com base no testemunho do próprio sujeito através de seus escritos, Freud não vivenciou o caso clinicamente, embora a metodologia utilizada tenha sido a mesma. Através dos relatos do próprio Schreber, que descrevia seus delírios, transformação em mulher, sua grandeza e seu poder, pois acreditava ser escolhido por Deus para iniciar uma nova raça de homens. Freud estabeleceu que a relação de Schreber com Deus adviesse da figura do pai e seu ódio seria fruto de uma fantasia de incesto, na tentativa de negar seus desejos reprimidos. Freud chamou de defesa de inversão, ao invés de amar ele odiava, assim era mais fácil de lidar.

Um filme de 2006, baseado no caso clinico, mostra que Schreber não deixa que suas alucinações e delírios interfiram em seus direitos de gerir seus bens, conseguindo liberação judicial para tal. O paciente apresentava grande nível intelectual e, embora se julgasse louco, não era considerado perigoso para a sociedade (Coutinho, 2005). Segundo Chemama (1998) no delírio paranóico de Schreber sua personalidade havia se reconstruído, podendo mostrar-se a altura das tarefas exigidas pela vida, com exceção de certos transtornos. Em seu delírio sistemático, Schreber acreditava ser o salvador do mundo, mandado por Deus, que falava com ele por meio da linguagem dos nervos, através dos raios do sol e para cumprir sua missão deveria transformar-se em mulher.

Para Freud as neuroses surgem principalmente de um conflito entre o ego e as pulsões sexuais, tomando formas que marcam o individuo em seu curso de desenvolvimento, o caso Schreber recebeu muitas criticas após sua publicação (1911-1913), pois a visão freudiana divergia com a visão de Lacan, M. Klein, W. Meissner e Elias Canetti. Embora as discussões a cerca das diferentes interpretações sobre o caso, todos concordavam se tratar de uma psicose que derivava de falhas nas primeiras fases do desenvolvimento, onde a figura paterna é uma constante.

O caso Schreber foi usado por Freud para sua analise e teorização da paranoia, o livro de Freud foi censurado e teve várias páginas suprimidas, o que dificultou a compreensão do caso estudado. Nos anos 90 o homossexualismo era visto como doença, patologia, desvio, perversão, somente após a troca da nomenclatura para homossexualidade é que a condição deixou de ser vista como doença pela psiquiatria, embora hoje, quase 30 anos depois, ainda temos seguimentos da sociedade que defendem uma cura Gay.

 

Referências

 

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UCHOA, D. M. Sobre uma psiquiatria dinâmico-interpretativa. Arq. Neuropsiquiatria. vol.5 no.1 São Paulo Jan./Mar. 1947. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X1947000100004> Acesso em: 24 de Outubro de 2018

 



Atenção: Trabalho não publicado oficialmente! Não Plagie! 

- Deixo meus agradecimentos a todos os autores envolvidos!!!

Artigo produzido sob a supervisão do professor Rudimar Mendes


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