quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Estudos de Freud: Caso Miss Lucy R.

 

 


Estudos Sobre a Histeria de Sigmund Freud
Caso Miss Lucy R.

 


AUTORES: 


Helena Palavro Basso

Jhônatan Palhano dos Santos

Maria Luiza Dresch Buttinger

Natália Corsetti Ponzi

Neimar Abreu E Silva


Palavras-chave: Histeria. Freud. Psicanálise. Inconsciente. Psicoterapia.





Introdução

O presente artigo foi redigido com o intuito de obter questionamentos sobre o caso Miss Lucy R. relatado por Freud em sua obra Estudos Sobre a Histeria. Trata-se também da realização de um estudo do caso aonde se realizou a leitura do caso em si. Por meio da visão psicanalítica, será abordada a questão do mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos. Também será possível discutir o caso da Miss Lucy R, descrito no livro como histeria pura, junto com uma neurose de angústia. O estudo indica que no final do ano de 1892, um colega de Freud encaminhou para ele uma paciente que estava sendo tratada de uma suposta rinite supurativa crônica recorrente, juntamente com outros sintomas que a incomodavam em sua vida cotidiana. Até então, a causa desses sintomas psíquicos histéricos não haviam sido tratados. Ela apresentava depressão, e Freud então percebeu que o afeto dela estava diretamente ligado ao seu trauma.

O curioso do caso de Miss Lucy R, era a sua doença nasal, pois ela era atormentada por alucinações recorrentes com um cheiro de pudim queimado que em seguida foi substituído por um cheiro de fumaça de charuto. No decorrer do trabalho serão abordadas mais profundamente essas percepções e suas causas. No caso de Miss Lucy R., Freud usou o cheiro de pudim queimado como ponto de partida para a sua análise, tentou usar da hipnose, mas não obteve sucesso, devido à paciente não ser hipnotizável. Teve que fazer as análises sem o sonambulismo, visto que, a hipnose talvez fosse leve demais e até mesmo quando ocorria, poderia ser considerada duvidosa. Será elaborado, portanto um questionamento psicanalítico em virtude deste caso tão interessante e importante. Também podendo abordar sobre a influência que a vida psíquica tem na vida física do individuo e sobre a importância do tratamento e da psicoterapia para a melhora da qualidade de vida do sujeito.


Fundamentação Teórica

·         Resumo do caso clínico Miss Lucy R.

Miss Lucy R. tinha 30 anos e era uma governanta britânica, sofria de uma rinite que havia feito com que ela perdesse o olfato e tinha ausência de sensibilidade no nariz. Estava em um estado depressivo profundo acompanhado de alucinações olfativas com o cheiro de pudim queimado que Freud logo identificou como sendo a origem de sua histeria. Freud tentou recorrer ao método de hipnose, mas constatou que a paciente não entrava em estado de sonambulismo, pediu então para que ela se deitasse, se concentrasse e fechasse os olhos, atingindo assim um estado em que fosse possível acessar suas lembranças e identificar ligações que aparentemente não estão presentes no estado de consciência normal. Pediu que se lembrasse da primeira ocasião em que havia sentido pela primeira vez o cheiro de pudim queimado. Lucy, na época disse que lembrava-se de estar com as crianças na cozinha e cozinhava com elas, quando chegou uma carta endereçada a Lucy, era de sua mãe. A governanta desejava abrir e ler a carta, mas as crianças se puseram a brincar com ela dizendo para que não lesse a carta naquele momento. No momento desta brincadeira Lucy sentiu o cheiro de queimado, pois as crianças haviam esquecido o pudim que assava no forno, desde então, Lucy relata que este cheiro se encontra sempre presente e fica mais forte quando se sente agitada. Lucy relata que naquele momento se emocionou devido à afetividade das crianças juntamente ao momento que havia recebido a carta de sua mãe, pois Lucy pretendia deixar a casa em que era governanta, devido a desentendimentos com outros funcionários da casa e falta de apoio dos patrões, e retornar a morar com sua mãe, entretanto ficava muito triste em deixar as crianças, pois gostava muito delas e havia prometido a falecida mãe delas que as cuidaria, estando assim, em uma situação de conflito e incerteza naquele momento.

Ao se dar conta disso, pareceu que a análise havia sido completada, pois havia se mostrado uma associação objetiva ligada a sua experiência, uma cena em que dois afetos antagônicos haviam estado em conflito. O que tornou o momento um trauma, e entre tantas percepções sensoriais do momento, foi a associação de cheiro ligada a este trauma que persistiu como seu símbolo mnêmico. Freud se perguntou o porquê do estimulo olfativo ter sido selecionado para esta lembrança, já que naquela situação Lucy se encontrava resfriada e mal podia sentir cheiros, pensando que naquele momento sua agitação havia sido tanta que quebrara a barreira orgânica do sentido do olfato. Porém Freud não ficou satisfeito com a explicação obtida.


Mas não fiquei satisfeito com a explicação assim alcançada. Tudo parecia muito plausível, mas havia algo que me escapava, alguma razão adequada por que essas agitações e esse conflito de afetos levaram à histeria, e não a qualquer outra coisa. Por que tudo não havia permanecido no nível da vida psíquica normal? Em outras palavras, qual era a justificativa para a conversão que havia ocorrido? Por que ela não se recordava sempre da própria cena, em vez da sensação associada que ela isolava como o símbolo da lembrança? Tais questões poderiam parecer curiosas demais e supérfluas, se estivéssemos lidando com uma histérica de longa data em quem o mecanismo da conversão fosse habitual. Mas não fora senão quando do advento desse trauma, ou pelo menos dessa pequena história de perturbações, que a moça ficara histérica. Ora, eu já sabia, pela análise de casos semelhantes, que antes de a histeria poder ser adquirida pela primeira vez, uma condição essencial precisa ser preenchida: uma representação precisa ser intencionalmente recalcada da consciência e excluída das modificações associativas. Em minha opinião, esse recalcamento intencional constitui também a base para a conversão total ou parcial da soma de excitação. A soma de excitação, estando isolada da associação psíquica, encontra ainda com mais facilidade seu caminho pela trilha errada para a inervação somática. A base do próprio recalcamento só pode ser uma sensação de desprazer, uma incompatibilidade entre a representação isolada a ser recalcada e a massa dominante de representações que constituem o ego. A representação recalcada vinga-se, contudo, tornando-se patogênica. (FREUD, 1893-1895, Pág.143)

 

Freud expressou a Lucy então que não acreditava que estas fossem todas as razões para seus sentimentos e sintomas, chegando à conclusão que Lucy estaria apaixonada por seu patrão, pai das crianças, e embora talvez não estivesse consciente disto teria uma esperança secreta de tomar de verdade o lugar de mãe das crianças. Lucy confirmou a hipótese de Freud, afirmando não ter dito sobre antes porque não queria saber sobre isso, não queria ter de pensar no assunto, pois era aflitivo pelo fato de ser seu patrão e pensava ser um desejo irrealizável. Lucy relatara então que um dia, seu patrão, homem sério e reservado havia iniciado uma discussão sobre moldes em que as crianças deveriam ser educadas, com menos formalidade e mais cordialidade do que o de costume, dizendo a ela o quanto dependia dele para que cuidasse de seus filhos, e lançou para Lucy o que ela interpretou como um olhar significativo. Havia sido neste momento que havia começado o amor de Lucy por seu patrão. Lucy havia se apoiado nestas lembranças, entretanto não houve nenhum outro progresso ou momento de troca de opiniões, então Lucy decidira banir estas ideias de sua mente. Freud esperava que estas associações trouxessem uma modificação no estado de Lucy, no entanto ela continuou desanimada e deprimida. O cheiro de pudim queimado não havia desaparecido por completo, embora se tornasse menos frequente e mais fraco, Freud supôs então que o cheiro não se referia apenas a cena principal, assim procuraram alguma outra coisa que pudesse ter relação com isto, na medida em que Lucy falava, o cheiro de pudim queimado ia se dissipando cada vez mais até desaparecer.

Lucy então reclamou ser agora importunada pelo cheiro da fumaça de charuto, que havia estado presente antes, mas fora encoberto pelo cheiro do pudim. Freud percebeu que apenas eliminara um sintoma para que seu lugar fosse ocupado por outro, então se dedicou a tarefa de eliminar este novo símbolo mnêmico através da análise. Lucy relatara que todos os dias as pessoas fumavam em casa, então se tornava difícil recordar alguma cena específica sobre este fato, porém lembrou-se de um almoço em que havia um convidado, que ao se despedir das crianças tenta beijá-las, o que o pai das crianças não aprova por isso se exalta e grita com o homem. Lucy sentira-se mal com o acontecido e como os dois homens já estavam fumando, o cheiro da fumaça do charuto ficou em sua memória. Esta se tratava de uma segunda cena mais profunda e mais antiga que a primeira, que também havia se tornado um trauma e deixado um símbolo mnêmico. Freud questionou a Lucy porque se sentira mal com o ocorrido, já que a reprimenda de seu patrão não era direcionada a ela. Lucy responde que havia sido devido à violência com a qual seu patrão havia se expressado que a havia magoado. Então Lucy se recorda de uma terceira cena, anterior a esta, em que uma senhora conhecida do patrão de Lucy havia ido visitá-lo e ao sair havia beijado as crianças. O pai das crianças se refreou naquele momento para não ser rude com a senhora, mas após a partida desta a fúria dele havia sido dirigida a Lucy, dizendo-a que era dever dela não permitir que isto ocorresse e que se ocorresse novamente ela seria responsabilizada, brigando com ela. Isto havia ocorrido em uma ocasião em que Lucy ainda supunha que seu patrão a amava e tinha expectativas sobre isso e este ocorrido havia acabado com suas esperanças. Freud analisou que havia sido a lembrança desta cena aflitiva que havia se mostrado para Lucy quando o convidado tentara beijar as crianças e fora repreendido pelo pai destas, quando ela sentiu o cheiro da fumaça de charuto. Após esta análise, Freud notou uma grande mudança em Lucy, notando-a mais feliz e seus sintomas haviam se extinguido, Lucy sentia-se bem. Porém Freud se questionou até que ponto seu distúrbio nasal fora responsável pela redução do sentido de olfato de Lucy. Este tratamento durou nove semanas e Freud relata que quatro meses depois encontrou-se com a paciente que estava animada e recuperada.

·         Aspectos Teóricos

A palavra histeria tem origem no termo médico grego hysterikos, que se referia a uma suposta condição médica característico a mulheres, causada por perturbações no útero, hystera em grego. O termo histeria foi utilizado pelo filósofo Hipócrates, que pensava que a causa da histeria fosse um movimento irregular de sangue do útero para o cérebro (WEBSTER, 1999).

A partir dos estudos e pesquisas do neurologista francês Jean-Martin Charcot, realizados na segunda metade do século XVIII, a histeria passou a ser tratada como uma neurose (BELINTANI, 2003). Sigmund Freud, entre 1888 a 1893, sob a orientação dos achados de Charcot, com base nos aspectos traumáticos da histeria, traz à luz sua Teoria da Sedução, onde o trauma vivido pelo paciente histérico era considerado de origem sexual, sublinhando que a histeria era fruto de um abuso sexual realmente vivido pelo sujeito na infância (sedução real). Já em um segundo momento, apresentou a noção de fantasia, e renuncia à teoria da sedução, introduzindo as ideias de um trauma, não de ordem física, mas sim de ordem psíquica (BELINTANI, 2003).

De acordo com Belintani (2003) foi através dos atendimentos às histéricas, que Freud descobriu o inconsciente e pode assim elaborar um método de tratamento, a Psicanálise, no final do século XIX. Roudinesco e Plon (1998) apud Belintani (2003) afirmaram que foi a partir da obra Estudos Sobre a Histeria, de Freud e Breuer, e do livro posterior A Interpretação dos Sonhos, de Freud, que se propôs inicialmente os conceitos de defesa, resistência, ab-reação e conversão. Os autores também mencionam que “o conflito psíquico inconsciente é que foi reconhecido por Freud como a principal causa da histeria” (Pág. 340). E comentam a importância da realidade psíquica que existe conjuntamente a realidade material do sujeito e que ambas tem igual importância na história do seu desenvolvimento. Freud diz a Miss Lucy R. que não somos responsáveis por nossos sentimentos, expressando assim a força que a realidade psíquica, o inconsciente tem em nossas vidas. Segundo Freud em A Interpretação dos Sonhos (1900):

 

O inconsciente deve ser tomado como base universal da visa psíquica. O inconsciente é o círculo maior que abrange em si o circulo menor da consciência; tudo o que é consciente tem um estágio prévio inconsciente, enquanto o inconsciente pode permanecer nesse estágio e ainda assim reclamar o valor pleno de uma produção psíquica. O inconsciente é o psíquico propriamente real, tão desconhecido para nós segundo sua natureza interna quanto o real do mundo externo; ele nos é dado pelos dados da consciência de maneira igualmente tão incompleta quanto o mundo externo pelas informações de nossos órgãos sensoriais. (Pág. 639-640)

 

Freud (1892), em seu artigo Esboços para a Comunicação Preliminar, relata que os fenômenos motores dos ataques histéricos nunca estão desprovidos de sua relação com seu conteúdo psíquico (MOREIRA; SIMÃO, 2013). Breuer e Freud (1895) registram a histeria, em parte, como uma “soma de excitação” do trauma, transformada em sintomas unicamente somáticos, sendo esta, característica da histeria que atrapalhou seu reconhecimento como um distúrbio psíquico. Uma das singularidades da histeria é a “conversão”, termo que designa a transformação da excitação psíquica em sintomas orgânicos crônicos (BREUER; FREUD, 1895).

Freud e Breuer (1895) evidenciaram que, na histeria, o aparecimento de certos sintomas (vômitos, paralisia passageira entre outras manifestações físicas), tanto motores como sensitivos, é uma representação psíquica de conflitos relacionados a processo de inibição, sedução ou hiperssexualidade e receberam a nomenclatura de manifestações de conversão (MOREIRA; SIMÃO, 2013).

Esses conceitos psicanalíticos sobre conversão facilitaram a compreensão dos transtornos psicossomáticos, e o significado dos sintomas, a partir das vivências do paciente (BITELMAN, 2004). De acordo com Breuer e Freud (1895), os sintomas podem aparecer de diversas maneiras, neste caso, pode ser referida, a perda olfativa, tendo em vista, o caso Miss Lucy, em que a paciente, atendida por Freud, sofre de histeria de conversão.

Freud (1895) destaca que em todos os casos clínicos estudados há uma ligação entre as situações de sofrimento do paciente e os sintomas de sua doença. Sendo assim, o corpo fala e descarrega, simultaneamente, a afetividade, ocasionando o fenômeno da conversão histérica, uma solução simbólica para a questão conflituosa. Dessa forma, a representação recalcada retorna à consciência através do sintoma e o afeto correspondente à representação é convertido na qualidade física das manifestações corporais (SANTOS-FILHO, 1992).

Segundo Belintani (2003) o atual Manual de Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 apresenta a histeria inclusa na categoria dos transtornos neuróticos que são relacionados ao estresse e somatoformes, mais especificamente na subcategoria transtornos dissociativos ou conversivos. Esse transtorno, de acordo com o manual, seria caracterizado por uma perda completa ou parcial da integração normal entre as memórias do passado, consciência de identidade e sensações imediata, e controle dos movimentos corporais. "Nos transtornos dissociativos presume-se que essa capacidade de exercer um controle consciente e seletivo está comprometida em um grau que pode variar de dia para dia ou mesmo hora para hora" (CID-10, 1993, Pág. 149).

O que difere o comportamento das pessoas histéricas, para as ditas, pessoas normais, segundo Breuer e Freud (1895), é o fator quantitativo, ou seja, o máximo de tensão afetiva que o organismo do sujeito pode tolerar. A pessoa com histeria, ou sintomas histéricos é capaz de preservar certa quantidade de causas provocadoras de sofrimento; essa quantidade é aumentada pela soma, até o ponto além da tolerância do sujeito, onde, a partir daí, ocasiona a conversão. Deste modo, a formação dos sintomas histéricos pode processar-se com base em afetos relembrados ou em novos afetos (MOREIRA; SIMÃO, 2013).


Resultados e Discussões

Na década de 1890, coube a Freud desvendar os caminhos do inconsciente, até então obscuros e desconhecidos, ainda hoje não se tratam de caminhos fáceis de desbravar. No entanto coma obra Estudos Sobre a Histeria (1893-1895) de Sigmund Freud e Josef Breuer se expôs, pela primeira vez, como o psiquismo do indivíduo pode refletir em seu corpo e se pensou na importância de um tratamento que tinha por objetivo a saúde mental, buscando diminuir as angustias do paciente que repercutiam de tal forma a atrapalhar suas vidas, necessitando de um tratamento adequado. Já se encontrava na sabedoria dos antigos chineses, nas páginas do Tao Te Ching, escrito por Lao Tsé entre 350 e 250 a.C trechos que ressaltavam a importância do psiquismo para a manutenção da saúde do sujeito, dizendo que quando a alma sofre, o corpo sofre.

 “Consideramos os sintomas histéricos como efeitos e resíduos de excitações que atuaram sobre o sistema nervoso como traumas.” (FREUD, 1893-1895. Pág. 118) Para tanto, Freud aponta a importância da ab-reação, ou seja, a descarga emocional pela qual o indivíduo se liberta do afeto que acompanha a recordação de um acontecimento traumático. Já que parte do afeto que acompanha o trauma persiste na consciência como um componente do estado emocional do indivíduo. Freud também comenta que os sintomas somáticos de uma histeria podem surgir de várias maneiras a partir de símbolos mnêmicos. Freud percebeu que era importante a natureza do trauma, mas também a reação do sujeito ao mesmo. Também que quando a reação for reprimida, o afeto permaneceria vinculado à lembrança, portanto o estado histérico foi evocado, não criado. A reprodução da angustia e dos afetos convergem em sintomas físicos, caracterizando a histeria.

 

Nossas experiências, porém, têm demonstrado que os mais variados sintomas, que são ostensivamente espontâneos e, como se poderia dizer, produtos idiopáticos da histeria, estão tão estritamente relacionados com o trauma desencadeador quanto os fenômenos a que acabamos de aludir e que exibem a conexão causal de maneira bem clara. Os sintomas cujo rastro pudemos seguir até os referidos fatores desencadeadores deste tipo abrangem nevralgias e anestesias de naturezas muito diversas, muitas das quais haviam persistido durante anos, contraturas e paralisias, ataques histéricos e convulsões epileptóides, que os observadores consideravam como epilepsia verdadeira, petit mal e perturbações da ordem dos tiques, vômitos crônicos e anorexia, levados até o extremo de rejeição de todos os alimentos, várias formas de perturbação da visão, alucinações visuais constantemente recorrentes, etc. A desproporção entre os muitos anos de duração do sintoma histérico e a ocorrência isolada que o provocou é o que estamos invariavelmente habituados a encontrar nas neuroses traumáticas. Com grande freqüência, é algum fato da infância que estabelece um sintoma mais ou menos grave, que persiste durante os anos subsequentes. (FREUD, 1893-1895, Pág. 40)

Foi adotado por Freud o termo “conversão” para designar a transformação da excitação psíquica em sintomas somáticos crônicos. Ou seja, os afetos que convergem em sintomas físicos. Freud, em sua clinica descreve que muitas vezes, ao chegar às raízes mnêmicas ou traumas psíquicos que convertiam no corpo do paciente, ouvia de seus pacientes os seguintes dizeres: “Aliás, eu de fato já sabia disso desde a primeira vez, mas era justamente o que eu não queria dizer.” Ou “Eu tinha esperança de que não fosse isso.” Conforme Belintani (2003) os traumas tinham de ser elaborados, ou seja, apenas o relato raramente bastava. É importante que o paciente possa se dar conta, perceber, expor para si mesmo e fazer as ligações, as associações necessárias. Então se aponta a única regra da psicanálise, a associação livre, ou seja, o paciente deverá dizer tudo que lhe vier à cabeça, mesmo que pareça sem importância ou aflitivo, fazendo assim um processo de livre associação mental do seu conteúdo com o resto da consciência, ligando assim, seu presente, seu passado e seu futuro, compreendendo-se melhor e se situando em sua vida. Associação livre, de acordo com Laplanche e Pontalis é o “método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma espontânea”. (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992, Pág. 38 apud BELINTANI, 2003)

No caso da “Miss Lucy R.” Freud aponta que o odor seria o símbolo entre as percepções sensoriais da cena, sendo que a paciente sentia sempre um cheiro de pudim queimado, que em análise ligou a um momento de conflito, que havia recalcado intencionalmente. Após trazer este fato para o nível da vida psíquica normal, o cheiro de pudim queimado se extinguiu, apenas para dar lugar a outro sintoma, o cheiro da fumaça do charuto, que se referia a outra cena passada em sua vida, que de alguma forma, se ligava a primeira. Freud percebeu que eliminar um sintoma só fez com que seu lugar fosse ocupado por outro. Lucy R. só ficou livre dos sintomas ao se dar conta, tratar e eliminar todos os seus conflitos inconscientes. De acordo com Freud os sintomas surgidos posteriormente camuflavam os primeiros, no processo terapêutico há a recuperação após a tomada de consciência do ego e a resolução da última tarefa, ou seja, é necessário concluir a análise de todas as raízes e motivos.

Lucy apresentou um desafio a Freud, pois ela teria o que ele denominou histeria adquirida, já que ela não apresentava disposição preexistente. Então Freud supôs que seria uma histeria adquirida por experiências. De acordo com Freud, os histéricos sofrem principalmente de reminiscências. “Talvez verifiquemos que, levando o doente de volta, por um artifício mental, ao próprio momento em que o sintoma surgiu pela primeira vez, o sujeito se torna mais sugestivo a uma sugestão indutiva.” (FREUD, 1893-1895. Pág. 43) Freud aponta que cada sintoma histérico individual desaparecia quando se tornava possível trazer à luz, com clareza, as lembranças do fato que o havia provocado o afeto que o acompanhava, e “quando o paciente havia descrito esse acontecimento com o maior numero de detalhes possíveis e traduzido o afeto em palavras.” (Pág. 281) Freud também discorreu que as representações patogênicas, ou traumas, esquecidos e expulsos da consciência eram todos de natureza aflitiva, capazes de despertar afetos de vergonha, de autocensura, conflitivas, ou de dor psíquica, eram todas de uma espécie que a pessoa preferia não ter experimentado e desejava esquecer. As representações traumáticas persistem com nitidez e intensidade afetiva porque lhe fora negada a expressão, a ab-reação correta destas. 

Os fenômenos físicos dos ataques histéricos poderiam ser parcialmente interpretados como formas de reação ao afeto que acompanha a lembrança, e em parte como uma expressão direta dessa lembrança. Estevam (1995) apud Belintani (2003), diz que “o histérico não sabe qual é a causa do seu mal porque o que ele vê são apenas os sintomas: a causa está recalcada no inconsciente” (Pág. 114). O método psicoterápico tem um efeito curativo, pois expõem a representação que não fora ab-reagida no primeiro momento, permitindo que o afeto estrangulado encontre uma saída através da fala, submetendo assim essa representação a uma correção associativa. Desse modo, uma pessoa normal é capaz de provocar o desaparecimento do afeto concomitante por meio do processo de associação. 

 

Quando prometo a meus pacientes ajuda ou melhora por meio de um tratamento catártico, muitas vezes me defronto com a seguinte objeção: “Ora, o senhor mesmo me diz que minha doença provavelmente está relacionada com as circunstâncias e os acontecimentos de minha vida. O senhor, de qualquer maneira, não pode alterá-los. Como se propõe ajudar-me, então?” E tem-me sido possível dar esta resposta: “Sem dúvida o destino acharia mais fácil do que eu aliviá-lo de sua doença. Mas você poderá convencer-se de que haverá muito a ganhar se conseguirmos transformar seu sofrimento histérico numa infelicidade comum. Com uma vida mental restituída à saúde, você estará mais bem armado contra essa infelicidade.” (FREUD, 1893-1895, Pág. 316)


Conclusão

O caso de “Miss Lucy R” se inicia pela indicação de um médico à Freud. Encaminhada por conta de sua perda olfativa e também pela depressão que era acompanhada pelas alucinações de cheiro como de pudim queimado. Onde Freud já fora identificando como a origem de sua histeria. Foi o caso que Freud não haveria tido êxito em utilizar a hipnose, onde a paciente não haveria caído em sonolência profunda. Freud então iniciou o tratamento da doença, utilizando os métodos mais tradicionais da psicanálise.

Seguindo com as sessões de psicanálise, Freud identificou que o cheiro estava ligado a conflitos relacionado com a convivência da paciente, com seu patrão. Sugerindo a paciente que falasse mais sobre o assunto, na medida em que ela comentava sobre, ela constatava que o cheiro ia sumindo, porém, o cheiro deu lugar a outro odor, o de fumaça de charuto, que fora ligado a outro trauma ocorrido, ligado ao primeiro, recalcado pela Miss Lucy. Pode-se também pensar que Miss Lucy escolhera esquecer, pois ela mesma afirma que não queria saber sobre seus sentimentos então Lucy haveria optado por não pensar sobre o assunto e assim criara seus sintomas que se manifestaram até que as situações fossem trazidas à consciência e expressadas.

Freud auxiliou Miss Lucy R. a se dar conta sobre os sentimentos que teria por seu patrão e que, por este motivo, as situações ocorridas teriam sido tão significativas para ela. Miss Lucy também percebe que seus conflitos com os outros funcionários da casa se davam pelo mesmo motivo, pois, inconscientemente desejava ser a mulher de seu patrão. Quando Freud a auxiliou a refletir sobre estas coisas, ela retornou ao seu encontro mais alegre. Freud questionou o porquê de sua alegria, então ela responde que ele apenas a avia visto doente, mas que na realidade ela sempre era alegre e agora acreditava em sua cura, comentava sobre a questão da clareza do seu lugar na casa e por isso, estava muito melhor, por ter se dado conta, avaliado e se retirado do desconforto do conflito que vivenciava.


Referências

BELINTANI, G. Histeria. Psic v.4 n.2 São Paulo dez. 2003. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psic/v4n2/v4n2a08.pdf> Acesso em: 22 de Abril de 2018.

BITELMAN, B. Psicossomática em gastroentroterologia. In: VOLICH, R.M; FERRAZ, F. C. (orgs.). Psicossomática I: Psicanálise e psicossomática. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

BREUER, J.; FREUD, S. (1895). Estudos sobre a histeria. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. V. II. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

FREUD, S. (1900). A Interpretação dos Sonhos. L&PM POCKET, Porto Alegre - RS, 2015.

OMS. CID - 10. Classificação de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 1993.

ROUDINESCO, E; PLON, M. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

SANTOS-FILHO, O.C. Histeria, hipocondria e fenômeno psicossomático. In: Mello Filho J. Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992

SIMÃO, L.M.O; MOREIRA, S.A.C. A HISTERIA DE CONVERSÃO: QUANDO O CORPO FALA. Faculdade de Ciências da Saúde, SP. 2013. Disponível em: < http://docplayer.com.br/4187379-A-histeria-de-conversao-quando-o-corpo-fala.html> Acesso em 14 de Maio de 2018.

 WEBSTER, R. Porque Freud errou. Pecado, ciência e psicanálise. Rio de Janeiro: Record, 1999.

 

Anexo 1.

Caso miss Lucy (Estudos sobre a histeria, vol. II, 1893-1895 – Trecho retirado da revista Vórtice de Psicanálise, dez/2012).

 

Miss Lucy R. é o pseudônimo de caso clínico apresentado por Freud nos “Estudos sobre a histeria”. Trata-se de uma governanta britânica atendida durante nove semanas, a partir do início de dezembro de 1882.

De trinta anos de idade, encaminhada por um colega médico que a tratava de uma rinite purulenta crônica, sujeita a frequentes recaídas, essa “jovem inglesa de constituição delicada”, governanta na residência do diretor-gerente de uma fábrica nos arredores de Viena, já havia perdido completamente o olfato, sofria de analgesia no nariz, e afundava num estado depressivo acompanhado de alucinações olfativas de cheiros de pudim queimado, que logo foram classificadas por Freud como de origem histérica.

 “Resolvi, então, tomar como ponto de partida da análise esse odor de pudim queimado.

 Miss Lucy R. não cedeu ao sonambulismo quando tentei hipnotizá-la. Assim, abri mão do sonambulismo e conduzi toda a sua análise enquanto ela se encontrava num estado que, a rigor, talvez não fosse muito diferente de um estado normal.

Foi por ocasião do relato desse caso que Freud fez, pela primeira vez, uma exposição detalhada de seu novo modo de proceder.

Quando, portanto, minha primeira tentativa não me conduzia nem ao sonambulismo, nem a um grau de hipnose que acarretasse modificações físicas marcantes, eu abandonava de modo ostensivo a hipnose e pedia apenas ‘concentração’; e ordenava ao paciente que se deitasse e deliberadamente fechasse os olhos, como meio de alcançar essa ‘concentração’. Resolvi partir do pressuposto de que meus pacientes sabiam tudo o que tinha qualquer significado patogênico, e que se tratava apenas de uma questão de os obrigar a comunicá-lo.

O esquecimento era muitas vezes intencional e desejado, e seu êxito nunca era nada além de uma aparência. Isto porque, aquilo que era esquecido, era algo insuportável para o sujeito.

Colocava a mão na testa do paciente ou lhe tomava a cabeça entre minhas mãos e dizia: ‘Você pensará nisso sob a pressão da minha mão. No momento em que eu relaxar a pressão, verá algo à sua frente, ou algo aparecerá em sua cabeça. Agarre-o. Será o que estamos procurando. – E então, o que foi que viu, ou o que lhe ocorreu?’. Desde então, esse procedimento quase nunca me decepcionou.

A sugestão era de tal ordem, que lhe bastava afirmar ao paciente ser impossível ter falhado, para conseguir “extorquir-lhe a informação desejada”.

Mas neste caso, o ato de ligar fatos e falar não eliminou os sintomas e nem modificou seu estado de depressão e angústia. O que aconteceu foi um enfraquecimento do sintoma (sentir cheiro de pudim queimado quando ficava agitada) conforme a paciente falava dele, ligando-o a outros fatos, outros acontecimentos.

Não satisfeito com este resultado, típico de um tratamento sintomático, em que se elimina um sintoma para que seu lugar seja ocupado por outro, Freud dedicou-se à tarefa de eliminar este novo símbolo mnêmico através da análise.

Após ter feito Miss Lucy R. reconhecer que estava apaixonada pelo viúvo de cujos filhos era a preceptora, e apesar da contribuição de um tratamento hidroterápico que ele não deixou de prescrever, Freud ficou surpreso ao vê-la de volta, após as festas natalinas, sem apresentar nenhuma melhora real. Mais do que isso, ela tinha substituído o cheiro de pudim queimado, ligado ao amor oculto por seu patrão, pelo cheiro de fumaça de charuto.

Sob a pressão das mãos de Freud, outra cena em que o patrão a recriminava por não ter impedido que uma visita beijasse seus filhos, demonstrou que ela tinha compreendido que o viúvo não a amava - lembrança ligada à outra cena de fim de refeição, quando a sala foi invadida pela fumaça de charutos. Esse reconhecimento acarretou, então, a cura completa, em fins de janeiro de 1893. No que se refere à Miss Lucy R., com o abandono da hipnose, é a certeza que ele adquiriu de um conhecimento íntimo, mas recalcado, que os pacientes têm da origem do sintoma – donde a importância dos recursos a empregar, para vencer a resistência à rememoração.


Atenção: Trabalho não publicado oficialmente! Não Plagie! 
- Deixo meus agradecimentos a todos os autores envolvidos!!!
Artigo produzido sob a supervisão do professor Rudimar Mendes

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