Estudos Sobre
a Histeria de Sigmund Freud
|
||
AUTORES: Helena Palavro Basso Jhônatan Palhano dos Santos Maria Luiza Dresch Buttinger Natália Corsetti Ponzi Neimar Abreu E Silva Palavras-chave: Histeria. Freud. Psicanálise. Inconsciente. Psicoterapia. |
Introdução
O presente artigo foi redigido com o intuito de obter questionamentos sobre o caso Miss Lucy R.
relatado por Freud em sua obra Estudos Sobre a Histeria. Trata-se também da
realização de um estudo do caso aonde se realizou a leitura do caso em si. Por
meio da visão psicanalítica, será abordada a questão do mecanismo psíquico dos
fenômenos histéricos. Também será possível discutir o caso da Miss Lucy R,
descrito no livro como histeria pura, junto com uma neurose de angústia. O
estudo indica que no final do ano de 1892, um colega de Freud encaminhou para
ele uma paciente que estava sendo tratada de uma suposta rinite supurativa
crônica recorrente, juntamente com outros sintomas que a incomodavam em sua
vida cotidiana. Até então, a causa desses sintomas psíquicos histéricos não
haviam sido tratados. Ela apresentava depressão, e Freud então percebeu que o
afeto dela estava diretamente ligado ao seu trauma.
O curioso do caso de Miss Lucy R, era a sua doença nasal, pois ela era atormentada por alucinações recorrentes com um cheiro de pudim queimado que em seguida foi substituído por um cheiro de fumaça de charuto. No decorrer do trabalho serão abordadas mais profundamente essas percepções e suas causas. No caso de Miss Lucy R., Freud usou o cheiro de pudim queimado como ponto de partida para a sua análise, tentou usar da hipnose, mas não obteve sucesso, devido à paciente não ser hipnotizável. Teve que fazer as análises sem o sonambulismo, visto que, a hipnose talvez fosse leve demais e até mesmo quando ocorria, poderia ser considerada duvidosa. Será elaborado, portanto um questionamento psicanalítico em virtude deste caso tão interessante e importante. Também podendo abordar sobre a influência que a vida psíquica tem na vida física do individuo e sobre a importância do tratamento e da psicoterapia para a melhora da qualidade de vida do sujeito.
Fundamentação Teórica
·
Resumo
do caso clínico Miss Lucy R.
Miss Lucy R. tinha 30 anos e era uma governanta britânica, sofria de uma rinite que havia feito com que ela perdesse o olfato e tinha ausência de sensibilidade no nariz. Estava em um estado depressivo profundo acompanhado de alucinações olfativas com o cheiro de pudim queimado que Freud logo identificou como sendo a origem de sua histeria. Freud tentou recorrer ao método de hipnose, mas constatou que a paciente não entrava em estado de sonambulismo, pediu então para que ela se deitasse, se concentrasse e fechasse os olhos, atingindo assim um estado em que fosse possível acessar suas lembranças e identificar ligações que aparentemente não estão presentes no estado de consciência normal. Pediu que se lembrasse da primeira ocasião em que havia sentido pela primeira vez o cheiro de pudim queimado. Lucy, na época disse que lembrava-se de estar com as crianças na cozinha e cozinhava com elas, quando chegou uma carta endereçada a Lucy, era de sua mãe. A governanta desejava abrir e ler a carta, mas as crianças se puseram a brincar com ela dizendo para que não lesse a carta naquele momento. No momento desta brincadeira Lucy sentiu o cheiro de queimado, pois as crianças haviam esquecido o pudim que assava no forno, desde então, Lucy relata que este cheiro se encontra sempre presente e fica mais forte quando se sente agitada. Lucy relata que naquele momento se emocionou devido à afetividade das crianças juntamente ao momento que havia recebido a carta de sua mãe, pois Lucy pretendia deixar a casa em que era governanta, devido a desentendimentos com outros funcionários da casa e falta de apoio dos patrões, e retornar a morar com sua mãe, entretanto ficava muito triste em deixar as crianças, pois gostava muito delas e havia prometido a falecida mãe delas que as cuidaria, estando assim, em uma situação de conflito e incerteza naquele momento.
Ao se dar conta disso,
pareceu que a análise havia sido completada, pois havia se mostrado uma
associação objetiva ligada a sua experiência, uma cena em que dois afetos
antagônicos haviam estado em conflito. O que tornou o momento um trauma, e
entre tantas percepções sensoriais do momento, foi a associação de cheiro
ligada a este trauma que persistiu como seu símbolo mnêmico. Freud se perguntou
o porquê do estimulo olfativo ter sido selecionado para esta lembrança, já que
naquela situação Lucy se encontrava resfriada e mal podia sentir cheiros,
pensando que naquele momento sua agitação havia sido tanta que quebrara a
barreira orgânica do sentido do olfato. Porém Freud não ficou satisfeito com a
explicação obtida.
Mas não
fiquei satisfeito com a explicação assim alcançada. Tudo parecia muito
plausível, mas havia algo que me escapava, alguma razão adequada por que essas
agitações e esse conflito de afetos levaram à histeria, e não a qualquer outra
coisa. Por que tudo não havia permanecido no nível da vida psíquica normal? Em
outras palavras, qual era a justificativa para a conversão que havia ocorrido?
Por que ela não se recordava sempre da própria cena, em vez da sensação
associada que ela isolava como o símbolo da lembrança? Tais questões poderiam
parecer curiosas demais e supérfluas, se estivéssemos lidando com uma histérica
de longa data em quem o mecanismo da conversão fosse habitual. Mas não fora
senão quando do advento desse trauma, ou pelo menos dessa pequena história de
perturbações, que a moça ficara histérica. Ora, eu já sabia, pela análise de
casos semelhantes, que antes de a histeria poder ser adquirida pela primeira
vez, uma condição essencial precisa ser preenchida: uma representação precisa
ser intencionalmente recalcada da consciência e excluída das
modificações associativas. Em minha opinião, esse recalcamento intencional
constitui também a base para a conversão total ou parcial da soma de excitação.
A soma de excitação, estando isolada da associação psíquica, encontra ainda com
mais facilidade seu caminho pela trilha errada para a inervação somática. A
base do próprio recalcamento só pode ser uma sensação de desprazer, uma
incompatibilidade entre a representação isolada a ser recalcada e a massa
dominante de representações que constituem o ego. A representação recalcada
vinga-se, contudo, tornando-se patogênica. (FREUD, 1893-1895, Pág.143)
Freud expressou a Lucy
então que não acreditava que estas fossem todas as razões para seus sentimentos
e sintomas, chegando à conclusão que Lucy estaria apaixonada por seu patrão,
pai das crianças, e embora talvez não estivesse consciente disto teria uma
esperança secreta de tomar de verdade o lugar de mãe das crianças. Lucy
confirmou a hipótese de Freud, afirmando não ter dito sobre antes porque não
queria saber sobre isso, não queria ter de pensar no assunto, pois era aflitivo
pelo fato de ser seu patrão e pensava ser um desejo irrealizável. Lucy relatara
então que um dia, seu patrão, homem sério e reservado havia iniciado uma
discussão sobre moldes em que as crianças deveriam ser educadas, com menos
formalidade e mais cordialidade do que o de costume, dizendo a ela o quanto
dependia dele para que cuidasse de seus filhos, e lançou para Lucy o que ela
interpretou como um olhar significativo. Havia sido neste momento que havia
começado o amor de Lucy por seu patrão. Lucy havia se apoiado nestas
lembranças, entretanto não houve nenhum outro progresso ou momento de troca de
opiniões, então Lucy decidira banir estas ideias de sua mente. Freud esperava
que estas associações trouxessem uma modificação no estado de Lucy, no entanto
ela continuou desanimada e deprimida. O cheiro de pudim queimado não havia
desaparecido por completo, embora se tornasse menos frequente e mais fraco,
Freud supôs então que o cheiro não se referia apenas a cena principal, assim
procuraram alguma outra coisa que pudesse ter relação com isto, na medida em
que Lucy falava, o cheiro de pudim queimado ia se dissipando cada vez mais até
desaparecer.
Lucy então reclamou ser agora importunada pelo cheiro da fumaça de charuto, que havia estado presente antes, mas fora encoberto pelo cheiro do pudim. Freud percebeu que apenas eliminara um sintoma para que seu lugar fosse ocupado por outro, então se dedicou a tarefa de eliminar este novo símbolo mnêmico através da análise. Lucy relatara que todos os dias as pessoas fumavam em casa, então se tornava difícil recordar alguma cena específica sobre este fato, porém lembrou-se de um almoço em que havia um convidado, que ao se despedir das crianças tenta beijá-las, o que o pai das crianças não aprova por isso se exalta e grita com o homem. Lucy sentira-se mal com o acontecido e como os dois homens já estavam fumando, o cheiro da fumaça do charuto ficou em sua memória. Esta se tratava de uma segunda cena mais profunda e mais antiga que a primeira, que também havia se tornado um trauma e deixado um símbolo mnêmico. Freud questionou a Lucy porque se sentira mal com o ocorrido, já que a reprimenda de seu patrão não era direcionada a ela. Lucy responde que havia sido devido à violência com a qual seu patrão havia se expressado que a havia magoado. Então Lucy se recorda de uma terceira cena, anterior a esta, em que uma senhora conhecida do patrão de Lucy havia ido visitá-lo e ao sair havia beijado as crianças. O pai das crianças se refreou naquele momento para não ser rude com a senhora, mas após a partida desta a fúria dele havia sido dirigida a Lucy, dizendo-a que era dever dela não permitir que isto ocorresse e que se ocorresse novamente ela seria responsabilizada, brigando com ela. Isto havia ocorrido em uma ocasião em que Lucy ainda supunha que seu patrão a amava e tinha expectativas sobre isso e este ocorrido havia acabado com suas esperanças. Freud analisou que havia sido a lembrança desta cena aflitiva que havia se mostrado para Lucy quando o convidado tentara beijar as crianças e fora repreendido pelo pai destas, quando ela sentiu o cheiro da fumaça de charuto. Após esta análise, Freud notou uma grande mudança em Lucy, notando-a mais feliz e seus sintomas haviam se extinguido, Lucy sentia-se bem. Porém Freud se questionou até que ponto seu distúrbio nasal fora responsável pela redução do sentido de olfato de Lucy. Este tratamento durou nove semanas e Freud relata que quatro meses depois encontrou-se com a paciente que estava animada e recuperada.
·
Aspectos
Teóricos
A palavra histeria tem origem no termo médico grego hysterikos,
que se referia a uma suposta condição médica característico a mulheres,
causada por perturbações no útero, hystera em grego. O
termo histeria foi utilizado pelo filósofo Hipócrates,
que pensava que a causa da histeria fosse um movimento irregular de sangue do
útero para o cérebro (WEBSTER,
1999).
A partir dos estudos e
pesquisas do neurologista francês Jean-Martin Charcot, realizados na segunda
metade do século XVIII, a histeria passou a ser tratada como uma neurose
(BELINTANI, 2003). Sigmund Freud,
entre 1888 a 1893, sob a orientação dos achados de Charcot, com base nos
aspectos traumáticos da histeria, traz à luz sua Teoria da Sedução, onde o trauma vivido pelo paciente histérico
era considerado de origem sexual, sublinhando que a histeria era fruto de um
abuso sexual realmente vivido pelo sujeito na infância (sedução real). Já em um
segundo momento, apresentou a noção de fantasia, e renuncia à teoria da sedução,
introduzindo as ideias de um trauma, não de ordem física, mas sim de ordem
psíquica (BELINTANI, 2003).
De acordo com Belintani (2003) foi através dos
atendimentos às histéricas, que
Freud descobriu o inconsciente e pode assim elaborar um método de tratamento, a
Psicanálise, no final do século XIX. Roudinesco e Plon (1998) apud Belintani (2003)
afirmaram que foi a partir da obra Estudos
Sobre a Histeria, de Freud e Breuer, e do livro posterior A
Interpretação dos Sonhos, de Freud, que se propôs inicialmente os conceitos de
defesa, resistência, ab-reação e conversão. Os autores também mencionam que “o
conflito psíquico inconsciente é que foi reconhecido por Freud como a principal
causa da histeria” (Pág. 340). E comentam a importância da realidade psíquica
que existe conjuntamente a realidade material do sujeito e que ambas tem igual
importância na história do seu desenvolvimento. Freud diz a Miss Lucy R. que
não somos responsáveis por nossos sentimentos, expressando assim a força que a
realidade psíquica, o inconsciente tem em nossas vidas. Segundo Freud em A Interpretação dos Sonhos (1900):
O inconsciente deve ser tomado como base universal da
visa psíquica. O inconsciente é o círculo maior que abrange em si o circulo
menor da consciência; tudo o que é consciente tem um estágio prévio
inconsciente, enquanto o inconsciente pode permanecer nesse estágio e ainda
assim reclamar o valor pleno de uma produção psíquica. O inconsciente é o
psíquico propriamente real, tão desconhecido para nós segundo sua natureza
interna quanto o real do mundo externo; ele nos é dado pelos dados da
consciência de maneira igualmente tão incompleta quanto o mundo externo pelas
informações de nossos órgãos sensoriais. (Pág. 639-640)
Freud (1892), em seu artigo Esboços para a Comunicação Preliminar,
relata que os fenômenos motores dos ataques histéricos nunca estão desprovidos
de sua relação com seu conteúdo psíquico (MOREIRA; SIMÃO, 2013). Breuer e Freud
(1895) registram a histeria, em parte, como uma “soma de excitação” do trauma,
transformada em sintomas unicamente somáticos, sendo esta, característica da
histeria que atrapalhou seu reconhecimento como um distúrbio psíquico. Uma das
singularidades da histeria é a “conversão”, termo que designa a transformação
da excitação psíquica em sintomas orgânicos crônicos (BREUER; FREUD, 1895).
Freud e Breuer (1895) evidenciaram que, na histeria, o aparecimento de
certos sintomas (vômitos, paralisia passageira entre outras manifestações
físicas), tanto motores como sensitivos, é uma representação psíquica de
conflitos relacionados a processo de inibição, sedução ou hiperssexualidade e
receberam a nomenclatura de manifestações de conversão (MOREIRA; SIMÃO, 2013).
Esses conceitos psicanalíticos sobre conversão facilitaram a compreensão
dos transtornos psicossomáticos, e o significado dos sintomas, a partir das
vivências do paciente (BITELMAN, 2004). De acordo com Breuer e Freud (1895), os
sintomas podem aparecer de diversas maneiras, neste caso, pode ser referida, a
perda olfativa, tendo em vista, o caso Miss Lucy, em que a paciente, atendida
por Freud, sofre de histeria de conversão.
Freud (1895) destaca que em todos os casos clínicos estudados há uma
ligação entre as situações de sofrimento do paciente e os sintomas de sua
doença. Sendo assim, o corpo fala e descarrega, simultaneamente, a afetividade,
ocasionando o fenômeno da conversão histérica, uma solução simbólica para a
questão conflituosa. Dessa forma, a representação recalcada retorna à
consciência através do sintoma e o afeto correspondente à representação é
convertido na qualidade física das manifestações corporais (SANTOS-FILHO,
1992).
Segundo Belintani (2003) o atual Manual de
Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 apresenta a
histeria inclusa na categoria dos transtornos neuróticos que são relacionados
ao estresse e somatoformes, mais especificamente na subcategoria transtornos
dissociativos ou conversivos. Esse transtorno, de acordo com o manual, seria
caracterizado por uma perda completa ou parcial da integração normal entre as
memórias do passado, consciência de identidade e sensações imediata, e controle
dos movimentos corporais.
"Nos transtornos dissociativos presume-se que essa capacidade de exercer
um controle consciente e seletivo está comprometida em um grau que pode variar
de dia para dia ou mesmo hora para hora" (CID-10, 1993, Pág. 149).
O que difere o comportamento das pessoas histéricas, para as ditas, pessoas normais, segundo Breuer e Freud (1895), é o fator quantitativo, ou seja, o máximo de tensão afetiva que o organismo do sujeito pode tolerar. A pessoa com histeria, ou sintomas histéricos é capaz de preservar certa quantidade de causas provocadoras de sofrimento; essa quantidade é aumentada pela soma, até o ponto além da tolerância do sujeito, onde, a partir daí, ocasiona a conversão. Deste modo, a formação dos sintomas histéricos pode processar-se com base em afetos relembrados ou em novos afetos (MOREIRA; SIMÃO, 2013).
Resultados e Discussões
Na década de 1890,
coube a Freud desvendar os caminhos do inconsciente, até então obscuros e
desconhecidos, ainda hoje não se tratam de caminhos fáceis de desbravar. No
entanto coma obra Estudos Sobre a Histeria (1893-1895) de Sigmund Freud e Josef
Breuer se expôs, pela primeira vez, como o psiquismo do indivíduo pode refletir
em seu corpo e se pensou na importância de um tratamento que tinha por objetivo
a saúde mental, buscando diminuir as angustias do paciente que repercutiam de
tal forma a atrapalhar suas vidas, necessitando de um tratamento adequado. Já
se encontrava na sabedoria dos antigos chineses, nas páginas do Tao Te Ching,
escrito por Lao Tsé entre 350 e 250 a.C trechos
que ressaltavam a importância do psiquismo para a manutenção da saúde do
sujeito, dizendo que quando a alma sofre, o corpo sofre.
“Consideramos os sintomas histéricos como
efeitos e resíduos de excitações que atuaram sobre o sistema nervoso como
traumas.” (FREUD, 1893-1895. Pág. 118) Para tanto, Freud aponta a importância
da ab-reação, ou seja, a descarga emocional pela qual o indivíduo se liberta do
afeto que acompanha a recordação de um acontecimento traumático. Já que parte do
afeto que acompanha o trauma persiste na consciência como um componente do
estado emocional do indivíduo. Freud também comenta que os sintomas somáticos
de uma histeria podem surgir de várias maneiras a partir de símbolos mnêmicos.
Freud percebeu que era importante a natureza do trauma, mas também a reação do
sujeito ao mesmo. Também que quando a reação for reprimida, o afeto
permaneceria vinculado à lembrança, portanto o estado histérico foi evocado,
não criado. A reprodução da angustia e dos afetos convergem em sintomas físicos,
caracterizando a histeria.
Nossas experiências, porém, têm demonstrado que os mais variados sintomas, que são ostensivamente espontâneos e, como se poderia dizer, produtos idiopáticos da histeria, estão tão estritamente relacionados com o trauma desencadeador quanto os fenômenos a que acabamos de aludir e que exibem a conexão causal de maneira bem clara. Os sintomas cujo rastro pudemos seguir até os referidos fatores desencadeadores deste tipo abrangem nevralgias e anestesias de naturezas muito diversas, muitas das quais haviam persistido durante anos, contraturas e paralisias, ataques histéricos e convulsões epileptóides, que os observadores consideravam como epilepsia verdadeira, petit mal e perturbações da ordem dos tiques, vômitos crônicos e anorexia, levados até o extremo de rejeição de todos os alimentos, várias formas de perturbação da visão, alucinações visuais constantemente recorrentes, etc. A desproporção entre os muitos anos de duração do sintoma histérico e a ocorrência isolada que o provocou é o que estamos invariavelmente habituados a encontrar nas neuroses traumáticas. Com grande freqüência, é algum fato da infância que estabelece um sintoma mais ou menos grave, que persiste durante os anos subsequentes. (FREUD, 1893-1895, Pág. 40)
Foi adotado por Freud o termo “conversão” para
designar a transformação da excitação psíquica em sintomas somáticos crônicos.
Ou seja, os afetos que convergem em sintomas físicos. Freud, em sua clinica
descreve que muitas vezes, ao chegar às raízes mnêmicas ou traumas psíquicos
que convertiam no corpo do paciente, ouvia de seus pacientes os seguintes
dizeres: “Aliás, eu de fato já sabia disso desde a primeira vez, mas era
justamente o que eu não queria dizer.” Ou “Eu tinha esperança de que não fosse
isso.” Conforme Belintani (2003) os traumas tinham de ser elaborados, ou seja, apenas o relato
raramente bastava. É importante que o paciente possa se dar conta, perceber,
expor para si mesmo e fazer as ligações, as associações necessárias. Então se
aponta a única regra da psicanálise, a associação livre, ou seja, o paciente
deverá dizer tudo que lhe vier à cabeça, mesmo que pareça sem importância ou
aflitivo, fazendo assim um processo de livre associação mental do seu conteúdo
com o resto da consciência, ligando assim, seu presente, seu passado e seu
futuro, compreendendo-se melhor e se situando em sua vida. Associação livre, de acordo com
Laplanche e Pontalis é o “método que consiste em exprimir indiscriminadamente
todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento dado
(palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma
espontânea”. (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992, Pág. 38 apud BELINTANI, 2003)
No caso da “Miss Lucy R.” Freud aponta que o odor
seria o símbolo entre as percepções sensoriais da cena, sendo que a paciente
sentia sempre um cheiro de pudim queimado, que em análise ligou a um momento de
conflito, que havia recalcado intencionalmente. Após trazer este fato para o
nível da vida psíquica normal, o cheiro de pudim queimado se extinguiu, apenas
para dar lugar a outro sintoma, o cheiro da fumaça do charuto, que se referia a
outra cena passada em sua vida, que de alguma forma, se ligava a primeira.
Freud percebeu que eliminar um sintoma só fez com que seu lugar fosse ocupado
por outro. Lucy R. só ficou livre dos sintomas ao se dar conta, tratar e
eliminar todos os seus conflitos inconscientes. De acordo com Freud os sintomas
surgidos posteriormente camuflavam os primeiros, no processo terapêutico há a
recuperação após a tomada de consciência do ego e a resolução da última tarefa,
ou seja, é necessário concluir a análise de todas as raízes e motivos.
Lucy apresentou um
desafio a Freud, pois ela teria o que ele denominou histeria adquirida, já que
ela não apresentava disposição preexistente. Então Freud supôs que seria uma
histeria adquirida por experiências. De acordo com Freud, os histéricos sofrem
principalmente de reminiscências. “Talvez verifiquemos que, levando o doente de
volta, por um artifício mental, ao próprio momento em que o sintoma surgiu pela
primeira vez, o sujeito se torna mais sugestivo a uma sugestão indutiva.”
(FREUD, 1893-1895. Pág. 43) Freud aponta que cada sintoma histérico individual
desaparecia quando se tornava possível trazer à luz, com clareza, as lembranças
do fato que o havia provocado o afeto que o acompanhava, e “quando o paciente
havia descrito esse acontecimento com o maior numero de detalhes possíveis e
traduzido o afeto em palavras.” (Pág. 281) Freud também discorreu que as
representações patogênicas, ou traumas, esquecidos e expulsos da consciência
eram todos de natureza aflitiva, capazes de despertar afetos de vergonha, de
autocensura, conflitivas, ou de dor psíquica, eram todas de uma espécie que a
pessoa preferia não ter experimentado e desejava esquecer. As representações
traumáticas persistem com nitidez e intensidade afetiva porque lhe fora negada
a expressão, a ab-reação correta destas.
Os fenômenos físicos dos ataques histéricos poderiam
ser parcialmente interpretados como formas de reação ao afeto que acompanha a
lembrança, e em parte como uma expressão direta dessa lembrança. Estevam (1995)
apud Belintani
(2003), diz que “o histérico não sabe qual é a causa do seu mal porque o
que ele vê são apenas os sintomas: a causa está recalcada no inconsciente”
(Pág. 114). O método psicoterápico tem um efeito curativo, pois expõem a
representação que não fora ab-reagida no primeiro momento, permitindo que o
afeto estrangulado encontre uma saída através da fala, submetendo assim essa
representação a uma correção associativa. Desse modo, uma pessoa normal é capaz
de provocar o desaparecimento do afeto concomitante por meio do processo de
associação.
Quando prometo a meus pacientes ajuda ou melhora por meio de um tratamento catártico, muitas vezes me defronto com a seguinte objeção: “Ora, o senhor mesmo me diz que minha doença provavelmente está relacionada com as circunstâncias e os acontecimentos de minha vida. O senhor, de qualquer maneira, não pode alterá-los. Como se propõe ajudar-me, então?” E tem-me sido possível dar esta resposta: “Sem dúvida o destino acharia mais fácil do que eu aliviá-lo de sua doença. Mas você poderá convencer-se de que haverá muito a ganhar se conseguirmos transformar seu sofrimento histérico numa infelicidade comum. Com uma vida mental restituída à saúde, você estará mais bem armado contra essa infelicidade.” (FREUD, 1893-1895, Pág. 316)
Conclusão
O
caso de “Miss Lucy R” se inicia pela indicação de um médico à Freud.
Encaminhada por conta de sua perda olfativa e também pela depressão que era
acompanhada pelas alucinações de cheiro como de pudim queimado. Onde Freud já
fora identificando como a origem de sua histeria. Foi o caso que Freud não
haveria tido êxito em utilizar a hipnose, onde a paciente não haveria caído em
sonolência profunda. Freud então iniciou o tratamento da doença, utilizando os
métodos mais tradicionais da psicanálise.
Seguindo
com as sessões de psicanálise, Freud identificou que o cheiro estava ligado a
conflitos relacionado com a convivência da paciente, com seu patrão. Sugerindo
a paciente que falasse mais sobre o assunto, na medida em que ela comentava
sobre, ela constatava que o cheiro ia sumindo, porém, o cheiro deu lugar a
outro odor, o de fumaça de charuto, que fora ligado a outro trauma ocorrido,
ligado ao primeiro, recalcado pela Miss Lucy. Pode-se também pensar que Miss
Lucy escolhera esquecer, pois ela mesma afirma que não queria saber sobre seus
sentimentos então Lucy haveria optado por não pensar sobre o assunto e assim
criara seus sintomas que se manifestaram até que as situações fossem trazidas à
consciência e expressadas.
Freud
auxiliou Miss Lucy R. a se dar conta sobre os sentimentos que teria por seu patrão
e que, por este motivo, as situações ocorridas teriam sido tão significativas
para ela. Miss Lucy também percebe que seus conflitos com os outros
funcionários da casa se davam pelo mesmo motivo, pois, inconscientemente
desejava ser a mulher de seu patrão. Quando Freud a auxiliou a refletir sobre
estas coisas, ela retornou ao seu encontro mais alegre. Freud questionou o
porquê de sua alegria, então ela responde que ele apenas a avia visto doente,
mas que na realidade ela sempre era alegre e agora acreditava em sua cura,
comentava sobre a questão da clareza do seu lugar na casa e por isso, estava
muito melhor, por ter se dado conta, avaliado e se retirado do desconforto do
conflito que vivenciava.
Referências
BELINTANI, G. Histeria. Psic v.4 n.2 São
Paulo dez. 2003. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psic/v4n2/v4n2a08.pdf> Acesso em: 22 de Abril de 2018.
BITELMAN, B. Psicossomática em gastroentroterologia. In: VOLICH, R.M;
FERRAZ, F. C. (orgs.). Psicossomática I: Psicanálise e
psicossomática. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
BREUER,
J.; FREUD, S. (1895). Estudos sobre a histeria. In: FREUD, S. Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. V. II. Rio de
Janeiro: Imago, 1990.
FREUD, S. (1900).
A Interpretação dos Sonhos. L&PM POCKET, Porto Alegre - RS, 2015.
OMS. CID - 10. Classificação de transtornos mentais. Porto Alegre:
Artmed, 1993.
ROUDINESCO, E; PLON, M. (1998). Dicionário de
psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
SANTOS-FILHO, O.C. Histeria, hipocondria e fenômeno
psicossomático. In: Mello Filho J. Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1992
SIMÃO, L.M.O; MOREIRA, S.A.C. A HISTERIA DE CONVERSÃO:
QUANDO O CORPO FALA. Faculdade de Ciências da Saúde, SP. 2013. Disponível em:
< http://docplayer.com.br/4187379-A-histeria-de-conversao-quando-o-corpo-fala.html> Acesso em 14 de Maio de 2018.
WEBSTER,
R. Porque Freud errou. Pecado,
ciência e psicanálise. Rio de Janeiro: Record, 1999.
Anexo 1.
Caso
miss Lucy (Estudos sobre a histeria, vol. II, 1893-1895 –
Trecho retirado da revista Vórtice de Psicanálise, dez/2012).
Miss Lucy R. é o pseudônimo de caso clínico
apresentado por Freud nos “Estudos sobre a histeria”. Trata-se de uma
governanta britânica atendida durante nove semanas, a partir do início de
dezembro de 1882.
De trinta anos de
idade, encaminhada por um colega médico que a tratava de uma rinite purulenta
crônica, sujeita a frequentes recaídas, essa “jovem inglesa de constituição
delicada”, governanta na residência do diretor-gerente de uma fábrica nos
arredores de Viena, já havia perdido completamente o olfato, sofria de
analgesia no nariz, e afundava num estado depressivo acompanhado de alucinações
olfativas de cheiros de pudim queimado, que logo foram classificadas por Freud
como de origem histérica.
“Resolvi,
então, tomar como ponto de partida da análise esse odor de pudim queimado.”
“Miss Lucy R. não cedeu ao sonambulismo
quando tentei hipnotizá-la. Assim, abri mão do sonambulismo e conduzi toda a
sua análise enquanto ela se encontrava num estado que, a rigor, talvez não
fosse muito diferente de um estado normal.”
Foi por ocasião do
relato desse caso que Freud fez, pela primeira vez, uma exposição detalhada de
seu novo modo de proceder.
“Quando, portanto,
minha primeira tentativa não me conduzia nem ao sonambulismo, nem a um grau de
hipnose que acarretasse modificações físicas marcantes, eu abandonava de modo
ostensivo a hipnose e pedia apenas ‘concentração’; e ordenava ao paciente que
se deitasse e deliberadamente fechasse os olhos, como meio de alcançar essa
‘concentração’. Resolvi partir do pressuposto de que meus pacientes sabiam
tudo o que tinha qualquer significado patogênico, e que se tratava apenas de
uma questão de os obrigar a comunicá-lo.”
O
esquecimento era muitas vezes intencional e desejado,
e seu êxito nunca era nada além de uma aparência. Isto porque, aquilo que era
esquecido, era algo insuportável para o sujeito.
“Colocava a mão na
testa do paciente ou lhe tomava a cabeça entre minhas mãos e dizia: ‘Você
pensará nisso sob a pressão da minha mão. No momento em que eu relaxar a
pressão, verá algo à sua frente, ou algo aparecerá em sua cabeça. Agarre-o.
Será o que estamos procurando. – E então, o que foi que viu, ou o que lhe
ocorreu?’. Desde então, esse procedimento quase nunca me decepcionou.”
A sugestão era de tal
ordem, que lhe bastava afirmar ao paciente ser impossível ter falhado, para
conseguir “extorquir-lhe a informação desejada”.
Mas neste caso, o ato
de ligar fatos e falar não eliminou os sintomas e nem modificou seu estado de
depressão e angústia. O que aconteceu foi um enfraquecimento do sintoma (sentir
cheiro de pudim queimado quando ficava agitada) conforme a paciente falava
dele, ligando-o a outros fatos, outros acontecimentos.
Não satisfeito com este
resultado, típico de um tratamento sintomático, em que se elimina um sintoma
para que seu lugar seja ocupado por outro, Freud dedicou-se à tarefa de
eliminar este novo símbolo mnêmico através da análise.
Após ter feito Miss
Lucy R. reconhecer que estava apaixonada pelo viúvo de cujos filhos era a
preceptora, e apesar da contribuição de um tratamento hidroterápico que ele não
deixou de prescrever, Freud ficou surpreso ao vê-la de volta, após as festas
natalinas, sem apresentar nenhuma melhora real. Mais do que isso, ela tinha
substituído o cheiro de pudim queimado, ligado ao amor oculto por seu patrão,
pelo cheiro de fumaça de charuto.
Sob a pressão das mãos
de Freud, outra cena em que o patrão a recriminava por não ter impedido que uma
visita beijasse seus filhos, demonstrou que ela tinha compreendido que o viúvo
não a amava - lembrança ligada à outra cena de fim de refeição, quando a sala
foi invadida pela fumaça de charutos. Esse reconhecimento acarretou, então, a
cura completa, em fins de janeiro de 1893. No que se refere à Miss Lucy R., com
o abandono da hipnose, é a certeza que ele adquiriu de um conhecimento íntimo,
mas recalcado, que os pacientes têm da origem do sintoma – donde a importância
dos recursos a empregar, para vencer a resistência à rememoração.
Atenção: Trabalho não publicado oficialmente! Não Plagie!
Nenhum comentário:
Postar um comentário