As Deficiências da Formação do Psicólogo para Atuação no SUAS
Palavras-chave: SUAS. Graduação. Atuação do Psicólogo.
INTRODUÇÃO:
Tem-se como objetivo compreender qual o lugar do profissional da psicologia no Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Além de identificar as dificuldades do psicólogo nesta área, geradas pelo despreparo na graduação que ainda foca muito no individual e pouco no social. Diante do que se observa acerca deste tema, podemos nos questionar: Porque as graduações ainda são maioritariamente voltadas para o campo clínico, mesmo sendo a política pública um dos maiores campos de trabalho para o profissional da psicologia na atualidade? O psicólogo tem dificuldades em identificar seu papel no SUAS, podendo se sentir inseguro para atuar na área.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:
De acordo com Senra e
Guzzo (2012), historicamente a psicologia se focou no individual,
distanciando-se das questões sociais. Freud (1921) coloca que toda psicologia
individual é uma psicologia social. Isso, ao mesmo tempo expõe a tendência de individualização
da psicologia e ressalta a importância de compreender o meio social em que o
indivíduo está inserido. A psicologia foi construída como uma prática
clinicalista e elitista, sendo a atuação do psicólogo junto às políticas
públicas muito recente. A entrada no campo social força o profissional a
reaprender e repensar a psicologia.
Silva e Corgozinho (2011) ressaltam a falta de referências que respaldem
a atuação profissional do psicólogo no campo da assistência social, tendo ainda
uma formação clássica. É necessário o resgate de valores como ética e
solidariedade e dos direitos humanos fundamentais em busca da melhoria da
qualidade de vida. Vários
autores concordam que essa tendência individualizadora descarta o papel das
questões sociais e políticas, podendo levar a culpabilização do sujeito
(Pereira; Guareschi, 2016; Senra; Guzzo, 2012; Ribeiro; Guzzo, 2014). Os mesmos
autores colocam que os princípios históricos da psicologia trazem uma prática
conservadora e superficial diante da realidade social da população atendida
pela política pública de assistência social. Ainda há a predominância da
reprodução do atendimento clínico na atuação do psicólogo social. Isso reflete
o elitismo histórico da profissão, que deve ser superado.
Ribeiro e Guzzo (2014) apontam os problemas na identidade profissional
dos psicólogos que trabalham no SUAS. Muitas vezes os profissionais só se
identificam como psicólogos quando realizam atendimento individual. A formação
e a prática profissional ainda são marcadas pelas práticas hegemônicas da
psicologia, como o atendimento individual e as interpretações subjetivas dos
problemas trazidos pelos usuários. Ressalta-se que o psicólogo não deve
realizar psicoterapia no CRAS/CREAS.
Senra e Guzzo (2012)
apontam que a escassez de recursos e mercado da psicologia tradicional faz com
que os profissionais migrem para outras áreas, atendendo maior parcela da
população. Ainda assim há insuficiência técnico-teórica e falta de pesquisas
para melhor atuação no campo social. Macedo et. al. (2011) coloca que a
assistência social é uma área mais recente de atuação dos psicólogos, sendo um
campo mais carente de estudos, investigações e publicações quanto a atuação e a
formação do profissional. Os
psicólogos vem tentando construir uma nova relação da psicologia com a
sociedade brasileira, havendo um maior envolvimento da psicologia com as lutas
sociais.
Oliveira et. al. (2011) reforça
a responsabilidade do psicólogo que, junto com o usuário do SUAS, realizar
ações que possibilitem emancipação, autonomia e liberdade para gerir a própria
vida, tendo segurança para desenvolver as habilidades do sujeito, que poderá
assim construir um projeto de vida. De acordo com o CREPOP (2008), cabe ao psicólogo que atua no SUAS
fortalecer os vínculos sócio afetivos do indivíduo. Assim promovendo a
independência, autonomia e perspectiva de cidadania do usuário. Com isso
favorecendo a emancipação social, diminuindo o sofrimento e evitando a
cronificação dos quadros de vulnerabilidade. O que tem por objetivo oportunizar
o empoderamento do sujeito e da comunidade de sua realidade. “A atuação do
psicólogo, como trabalhador da Assistência Social, tem como finalidade básica o
fortalecimento dos usuários como sujeitos de direitos e o fortalecimento das
políticas públicas” (p. 22). O documento ainda ressalta que a psicologia deve
estar comprometida com a transformação social, observando as necessidades,
potencialidades, experiências e objetivos dos sujeitos. Assim utilizando e
produzindo conhecimento psicológico a favor da justiça, desenvolvimento e
equidade social, compreendendo as demandas e condições sociais, históricas,
políticas e culturais a partir dos conhecimentos da comunidade.
MATERIAIS E
MÉTODOS:
No presente estudo foi realizada uma pesquisa bibliográfica de caráter
exploratório e descritivo, acerca da atuação do profissional da psicologia no SUAS
e das deficiências na formação acadêmica deste. Utilizou-se como base o
documento CREPOP, construído e publicado pelo Conselho Federal de Psicologia
(CFP) no ano de 2008. O CREPOP trata-se de um manual sobre as referências
técnicas para atuação do psicólogo no SUAS. Além deste, foram utilizados outros
sete artigos acadêmicos, publicados dentro dos últimos dez anos, relacionados
ao tema proposto. A pesquisa dos artigos foi feita a partir dos descritores
“Psicologia”, “SUAS” e “Assistência Social” em diversas plataformas de
publicação cientifica como Scielo, Google Acadêmico e Redalyc. Os artigos foram
escolhidos por conveniência, após a leitura de seus resumos.
RESULTADOS E DISCUSSÕES:
A inserção profissional no campo da
assistência social demanda uma formação teórica, técnica e política para atuar
de forma adequada no contexto. O desafio do psicólogo no SUAS é desenvolver
conhecimentos e práticas que promovam a mudança dentro de uma sociedade que
favorece ações de manutenção, assim, é preciso a conscientização do
profissional de psicologia desde a sua graduação. A inserção do psicólogo nesse
contexto ainda está em construção e abre a possibilidade de trabalhar o
fortalecimento e conscientização das pessoas para reivindicarem seus direitos
(Ribeiro e Guzzo, 2014). Uma das dificuldades do psicólogo em sua prática é uma
“formação pouco embasada na realidade de atuação da psicologia social” (Senra e
Guzzo, 2012, p. 295). Há muitas dúvidas quanto às especificidades da atuação do
psicólogo no campo da Assistência Social. É difícil a insegurança de uma
prática que se constrói em si, sem a garantia de um aporte teórico como
subsistência, como ocorre na clínica, que mesmo assim é imprevisível.
De acordo com Pereira e Guareschi (2016)
faz parte das funções do psicólogo do SUAS trabalhar a autonomia do sujeito
como integrante da sociedade; garantir e auxiliar o acesso aos seus direitos,
valorizar e auxiliar na construção da subjetividade do indivíduo, sendo esse,
autor e ator do processo de mudança. Macedo et. al. (2011) expressa que faz-se
necessário desconstruir o fazer do psicólogo que individualiza, patologiza e
moraliza as questões sociais. Isso pode acarretar a culpabilização o indivíduo
por sua situação social. Cabe ao profissional desenvolver novas habilidades e
competências na profissão a fim de construir este novo olhar.
Não basta apenas deslocar práticas e
moldes teóricos de outros contextos de atuação do psicólogo para os espaços
comunitários. É necessário retomar o projeto da profissão, com criticidade
consciente acerca dos diferentes elementos da formação e do exercício
profissional. O protagonismo do psicólogo na construção de uma nova psicologia
exige posicionamento crítico constante acerca de sua própria formação e atuação
e também sobre a realidade social, econômica, cultural, histórica e política
dos sujeitos. Assim poderá o psicólogo utilizar sua profissão como ferramenta
de mudança social, a partir de uma nova perspectiva de inovação da prática
profissional, atuando com compreensão e intervenção além do indivíduo, de forma
mais integral, fazendo parte da luta contra os problemas de desigualdade social
(Ribeiro; Guzzo, 2014).
Ribeiro e Guzzo (2014) ainda apontam que a
graduação nem sempre fornece referências teóricas e técnicas adequadas para
atender as demandas da população, apresentando grandes problemas na formação e
construção do conhecimento. A graduação tem visível carência na formação dos
psicólogos para inserção no SUAS, tornando necessário reinventar e repensar a
psicologia, construindo novas práticas no cotidiano. Há um grande abismo entre
o saber acadêmico e a realidade da atuação profissional. O conhecimento deve
ser produzido a partir da realidade, visando uma prática com intuito de
transformação. Segundo Morais et. al. (2017) é importante apontar a influência
dos cursos de graduação em psicologia, que apresentam currículos engessados,
voltados a formação clínica individualizada na qual é quase inexistente a
inclusão de temas que permitem a discussão sobre os problemas sociais e as
políticas públicas, sendo a formação um desafio quanto à preparação do
psicólogo para atuar no SUAS.
CONCLUSÃO:
Com base no presente estudo, pode-se
apontar que ainda há um longo caminho para a efetiva construção do lugar do
psicólogo no campo social. É de grande importância a presença do psicólogo no
SUAS, entretanto este, muitas vezes pode sentir-se deslocado, não reconhecendo
seu lugar de atuação. O psicólogo e o assistente social, em tese desempenham as
mesmas funções, entretanto o olhar do psicólogo é outro. Este enfatiza o valor
da fala do sujeito, a subjetividade e o empoderamento do mesmo dentro de sua
realidade. A atuação do psicólogo no SUAS requer estudo continuo e conhecimento
técnico. O profissional precisa atualizar-se constantemente e estar
familiarizado com os documentos e manuais. Há uma falta de preparação
técnico-teórica do profissional da psicologia para a atuação no SUAS, ressalta-se
que grande parte disso se deve a graduação. Na formação há grande ênfase na
parte clínica e individualizada do sujeito, o que expõem o elitismo histórico
da profissão.
Coloca-se a necessidade do deslocamento
dos psicólogos pelas fronteiras da sua profissão, elaborando alterações na sua
prática e reconhecendo a diversidade da psicologia. Por muito tempo os
psicólogos tiveram um alcance restrito na sua atuação, não chegando a muitos
locais e pessoas que careciam desta escuta. Há ainda grande desconhecimento e
distorção da realidade, ressalta-se a desarticulação que existe entre a
formação e o que é exigido no exercício profissional. Aponta-se também que para oferecer novas intervenções,
precisa-se conhecer mais esse campo através de estágios, extensão, pesquisas,
arriscando a produção de novos conhecimentos e intervenções e de novas
metodologias.
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REFERÊNCIAS:
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