quarta-feira, 10 de março de 2021

PSICOLOGIA NO SUAS

 

As Deficiências da Formação do Psicólogo para Atuação no SUAS


Palavras-chave: SUAS. Graduação. Atuação do Psicólogo. 



INTRODUÇÃO:

 

Tem-se como objetivo compreender qual o lugar do profissional da psicologia no Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Além de identificar as dificuldades do psicólogo nesta área, geradas pelo despreparo na graduação que ainda foca muito no individual e pouco no social. Diante do que se observa acerca deste tema, podemos nos questionar: Porque as graduações ainda são maioritariamente voltadas para o campo clínico, mesmo sendo a política pública um dos maiores campos de trabalho para o profissional da psicologia na atualidade? O psicólogo tem dificuldades em identificar seu papel no SUAS, podendo se sentir inseguro para atuar na área.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:

 

De acordo com Senra e Guzzo (2012), historicamente a psicologia se focou no individual, distanciando-se das questões sociais. Freud (1921) coloca que toda psicologia individual é uma psicologia social. Isso, ao mesmo tempo expõe a tendência de individualização da psicologia e ressalta a importância de compreender o meio social em que o indivíduo está inserido. A psicologia foi construída como uma prática clinicalista e elitista, sendo a atuação do psicólogo junto às políticas públicas muito recente. A entrada no campo social força o profissional a reaprender e repensar a psicologia.

Silva e Corgozinho (2011) ressaltam a falta de referências que respaldem a atuação profissional do psicólogo no campo da assistência social, tendo ainda uma formação clássica. É necessário o resgate de valores como ética e solidariedade e dos direitos humanos fundamentais em busca da melhoria da qualidade de vida. Vários autores concordam que essa tendência individualizadora descarta o papel das questões sociais e políticas, podendo levar a culpabilização do sujeito (Pereira; Guareschi, 2016; Senra; Guzzo, 2012; Ribeiro; Guzzo, 2014). Os mesmos autores colocam que os princípios históricos da psicologia trazem uma prática conservadora e superficial diante da realidade social da população atendida pela política pública de assistência social. Ainda há a predominância da reprodução do atendimento clínico na atuação do psicólogo social. Isso reflete o elitismo histórico da profissão, que deve ser superado.

Ribeiro e Guzzo (2014) apontam os problemas na identidade profissional dos psicólogos que trabalham no SUAS. Muitas vezes os profissionais só se identificam como psicólogos quando realizam atendimento individual. A formação e a prática profissional ainda são marcadas pelas práticas hegemônicas da psicologia, como o atendimento individual e as interpretações subjetivas dos problemas trazidos pelos usuários. Ressalta-se que o psicólogo não deve realizar psicoterapia no CRAS/CREAS.

Senra e Guzzo (2012) apontam que a escassez de recursos e mercado da psicologia tradicional faz com que os profissionais migrem para outras áreas, atendendo maior parcela da população. Ainda assim há insuficiência técnico-teórica e falta de pesquisas para melhor atuação no campo social. Macedo et. al. (2011) coloca que a assistência social é uma área mais recente de atuação dos psicólogos, sendo um campo mais carente de estudos, investigações e publicações quanto a atuação e a formação do profissional. Os psicólogos vem tentando construir uma nova relação da psicologia com a sociedade brasileira, havendo um maior envolvimento da psicologia com as lutas sociais.

Oliveira et. al. (2011) reforça a responsabilidade do psicólogo que, junto com o usuário do SUAS, realizar ações que possibilitem emancipação, autonomia e liberdade para gerir a própria vida, tendo segurança para desenvolver as habilidades do sujeito, que poderá assim construir um projeto de vida. De acordo com o CREPOP (2008), cabe ao psicólogo que atua no SUAS fortalecer os vínculos sócio afetivos do indivíduo. Assim promovendo a independência, autonomia e perspectiva de cidadania do usuário. Com isso favorecendo a emancipação social, diminuindo o sofrimento e evitando a cronificação dos quadros de vulnerabilidade. O que tem por objetivo oportunizar o empoderamento do sujeito e da comunidade de sua realidade. “A atuação do psicólogo, como trabalhador da Assistência Social, tem como finalidade básica o fortalecimento dos usuários como sujeitos de direitos e o fortalecimento das políticas públicas” (p. 22). O documento ainda ressalta que a psicologia deve estar comprometida com a transformação social, observando as necessidades, potencialidades, experiências e objetivos dos sujeitos. Assim utilizando e produzindo conhecimento psicológico a favor da justiça, desenvolvimento e equidade social, compreendendo as demandas e condições sociais, históricas, políticas e culturais a partir dos conhecimentos da comunidade.

 

MATERIAIS E MÉTODOS:

 

No presente estudo foi realizada uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório e descritivo, acerca da atuação do profissional da psicologia no SUAS e das deficiências na formação acadêmica deste. Utilizou-se como base o documento CREPOP, construído e publicado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) no ano de 2008. O CREPOP trata-se de um manual sobre as referências técnicas para atuação do psicólogo no SUAS. Além deste, foram utilizados outros sete artigos acadêmicos, publicados dentro dos últimos dez anos, relacionados ao tema proposto. A pesquisa dos artigos foi feita a partir dos descritores “Psicologia”, “SUAS” e “Assistência Social” em diversas plataformas de publicação cientifica como Scielo, Google Acadêmico e Redalyc. Os artigos foram escolhidos por conveniência, após a leitura de seus resumos.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES:

 

A inserção profissional no campo da assistência social demanda uma formação teórica, técnica e política para atuar de forma adequada no contexto. O desafio do psicólogo no SUAS é desenvolver conhecimentos e práticas que promovam a mudança dentro de uma sociedade que favorece ações de manutenção, assim, é preciso a conscientização do profissional de psicologia desde a sua graduação. A inserção do psicólogo nesse contexto ainda está em construção e abre a possibilidade de trabalhar o fortalecimento e conscientização das pessoas para reivindicarem seus direitos (Ribeiro e Guzzo, 2014). Uma das dificuldades do psicólogo em sua prática é uma “formação pouco embasada na realidade de atuação da psicologia social” (Senra e Guzzo, 2012, p. 295). Há muitas dúvidas quanto às especificidades da atuação do psicólogo no campo da Assistência Social. É difícil a insegurança de uma prática que se constrói em si, sem a garantia de um aporte teórico como subsistência, como ocorre na clínica, que mesmo assim é imprevisível.

De acordo com Pereira e Guareschi (2016) faz parte das funções do psicólogo do SUAS trabalhar a autonomia do sujeito como integrante da sociedade; garantir e auxiliar o acesso aos seus direitos, valorizar e auxiliar na construção da subjetividade do indivíduo, sendo esse, autor e ator do processo de mudança. Macedo et. al. (2011) expressa que faz-se necessário desconstruir o fazer do psicólogo que individualiza, patologiza e moraliza as questões sociais. Isso pode acarretar a culpabilização o indivíduo por sua situação social. Cabe ao profissional desenvolver novas habilidades e competências na profissão a fim de construir este novo olhar.

Não basta apenas deslocar práticas e moldes teóricos de outros contextos de atuação do psicólogo para os espaços comunitários. É necessário retomar o projeto da profissão, com criticidade consciente acerca dos diferentes elementos da formação e do exercício profissional. O protagonismo do psicólogo na construção de uma nova psicologia exige posicionamento crítico constante acerca de sua própria formação e atuação e também sobre a realidade social, econômica, cultural, histórica e política dos sujeitos. Assim poderá o psicólogo utilizar sua profissão como ferramenta de mudança social, a partir de uma nova perspectiva de inovação da prática profissional, atuando com compreensão e intervenção além do indivíduo, de forma mais integral, fazendo parte da luta contra os problemas de desigualdade social (Ribeiro; Guzzo, 2014).

Ribeiro e Guzzo (2014) ainda apontam que a graduação nem sempre fornece referências teóricas e técnicas adequadas para atender as demandas da população, apresentando grandes problemas na formação e construção do conhecimento. A graduação tem visível carência na formação dos psicólogos para inserção no SUAS, tornando necessário reinventar e repensar a psicologia, construindo novas práticas no cotidiano. Há um grande abismo entre o saber acadêmico e a realidade da atuação profissional. O conhecimento deve ser produzido a partir da realidade, visando uma prática com intuito de transformação. Segundo Morais et. al. (2017) é importante apontar a influência dos cursos de graduação em psicologia, que apresentam currículos engessados, voltados a formação clínica individualizada na qual é quase inexistente a inclusão de temas que permitem a discussão sobre os problemas sociais e as políticas públicas, sendo a formação um desafio quanto à preparação do psicólogo para atuar no SUAS.

 

CONCLUSÃO:

 

Com base no presente estudo, pode-se apontar que ainda há um longo caminho para a efetiva construção do lugar do psicólogo no campo social. É de grande importância a presença do psicólogo no SUAS, entretanto este, muitas vezes pode sentir-se deslocado, não reconhecendo seu lugar de atuação. O psicólogo e o assistente social, em tese desempenham as mesmas funções, entretanto o olhar do psicólogo é outro. Este enfatiza o valor da fala do sujeito, a subjetividade e o empoderamento do mesmo dentro de sua realidade. A atuação do psicólogo no SUAS requer estudo continuo e conhecimento técnico. O profissional precisa atualizar-se constantemente e estar familiarizado com os documentos e manuais. Há uma falta de preparação técnico-teórica do profissional da psicologia para a atuação no SUAS, ressalta-se que grande parte disso se deve a graduação. Na formação há grande ênfase na parte clínica e individualizada do sujeito, o que expõem o elitismo histórico da profissão.

Coloca-se a necessidade do deslocamento dos psicólogos pelas fronteiras da sua profissão, elaborando alterações na sua prática e reconhecendo a diversidade da psicologia. Por muito tempo os psicólogos tiveram um alcance restrito na sua atuação, não chegando a muitos locais e pessoas que careciam desta escuta. Há ainda grande desconhecimento e distorção da realidade, ressalta-se a desarticulação que existe entre a formação e o que é exigido no exercício profissional. Aponta-se também que para oferecer novas intervenções, precisa-se conhecer mais esse campo através de estágios, extensão, pesquisas, arriscando a produção de novos conhecimentos e intervenções e de novas metodologias.



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REFERÊNCIAS:

CREPOP. CFP. Referências Técnicas para Atuação do/a Psicólogo/a no CRAS/SUAS. Brasília, Junho de 2008. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2007/08/cartilha_crepop_cras_suas.pdf> Acesso em: 14 de Abril de 2019.

FREUD, S. (1921) Psicologia das Massas e Analise do Eu. L&PMPocket, Porto Alegre, 2016.

MACEDO, J. P; SOUSA, A. P; CARVALHO, D. M; MAFGALHÃES, M, A; SOUSA, F. M. S; DIMENSTEIN, M. O Psicólogo Brasileiro no SUAS: Quantos Somos e Onde Estamos? Psicologia em Estudo, Maringá, v. 16, n. 3, p. 479-489, jul./set. 2011. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=287122139014> Acesso em: 17 de Abril de 2019.

MORAIS, J. B. T; FONSECA, H. R. R; GONÇALVES, N. P. C. Atuação do Psicólogo no Sistema Único da Assistência Social. VIII Jornada Internacional das Políticas Públicas. 22 a 25 de agosto de 2017. UFMA. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2017/pdfs/eixo14/atuacaodopsicologonosistemaunicodaassistenciasocial.pdf> Acesso em: 17 de Abril de 2019.

OLIVEIRA, I. F; SOLON, A. F. A. C; AMORIM, K. M. O; DANTAS, C. M. B. A Prática Psicológica na Proteção Social Básica do SUAS. Psicologia & Sociedade, vol. 23, 2011, pp. 140-149. Associação Brasileira de Psicologia Social. Minas Gerais, Brasil. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=309326564017> Acesso em: 16 de Abril de 2019.

PEREIRA, V. T; GUARESCHI, P. A. O CRAS em relação: profissionais e usuários(as) em movimento. Fractal: Revista de Psicologia, v. 28, n. 1, p. 102-110, jan.-abr. 2016. UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/fractal/v28n1/1984-0292-fractal-28-1-0102.pdf> Acesso em: 01 de Abril de 2019.

RIBEIRO, M. E; GUZZO, R. S. L. Psicologia no Sistema Único de Assistência Social (SUAS): reflexões críticas sobre ações e dilemas profissionais. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 9(1), São João del-Rei, janeiro/junho 2014. Disponível em: <http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/revista_ppp/article/viewFile/837/651> Acesso em: 12 de Abril de 2019.

SENRA, G. M. G; GUZZO, R. S. L. Assistência Social e Psicologia: Sobre as Tensões e Conflitos do Psicólogo no Cotidiano do Serviço Público. Psicologia & Sociedade; 24 (2), 293-299, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/psoc/v24n2/05.pdf> Acesso em: 10 de Abril de 2019.

SILVA, J. V; CORGOZINHO, J. Atuação do Psicólogo, SUAS/CRAS e Psicologia Social Comunitária: Possíveis Articulações. Psicologia & Sociedade, vol. 23, 2011, pp. 12-21. Associação Brasileira de Psicologia Social. Minas Gerais, Brasil. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=309326564003> Acesso em: 16 de Abril de 2019.


Autoras: 
Flávia Rodrigues
Helena Palavro Basso
Juliane Neves Stolfo

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