quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Análise Crítico Reflexiva: Um Estudo de Caso

 

Zito, D. M. (2009). A Escuta Psicanalítica do Paciente Hospitalizado e da Equipe de Saúde: Estudo de Caso. Psicologia Hospitalar; 7(1); 23-43.

 

 


O presente artigo trata de um caso clinico de uma paciente, internada em um hospital devido à Doença de Crohn. Doença de Crohn é uma doença crônica tratável, mas não curável, que pode se retardada por medicamentos, exige cuidados e por vezes cirurgia, e exames periódicos para prevenir um possível câncer, já que a doença aumenta os riscos de desenvolvimento deste. A paciente se recusava a aderir ao tratamento que, devido ao seu quadro, implicava em transfusão de sangue, em consequência de sua crença religiosa. Foi atendida sob uma abordagem psicanalítica. Este artigo fala da abordagem da Psicologia da Saúde em um ambiente hospitalar, ou seja, atendimento de atenção secundário, de internação, clinicalista e assistencialista. Na presente analise pretende-se discorrer sobre a abordagem psicanalítica no contexto hospitalar, sobre a adesão ao tratamento e sobre a liberdade e responsabilidade do individuo por sua vida e por suas escolhas, a partir de um viés humanista existencial.

Zito (2009) expressa que o indivíduo acaba por perder sua dignidade no momento em que a doença o torna objeto de intervenção, fragilizando-o e afastando-o de laços afetivos sociais. O trabalho do psicólogo da saúde dificilmente é compreendido. Parte do papel do psicólogo da saúde está em auxiliar na comunicação e compreensão do paciente, da família e da equipe de saúde. Podendo também identificar as reações mal-adaptativas devido ao estresse da hospitalização e do momento que o paciente está vivendo, auxiliando a equipe responsável na condução das situações difíceis e em relação ao equilíbrio emocional. A hospitalização gera angustia e conflitos psíquicos nos pacientes. O que pode fazer com que o paciente negue seu diagnóstico e recue do tratamento, que pode parecer invasivo e ameaçador, mesmo visando à melhora.

O tratamento psicanalítico é feito pela fala, o que permite ultrapassar as barreiras do consciente e compreender o verdadeiro discurso do indivíduo. A psicanálise é fundamentada nas técnicas de associação livre e transferência, aonde se escuta o sujeito, não sua patologia, conservando sua singularidade. Figueiredo (2009) define que a psicanálise clássica por si só não é adequada ao ambiente hospitalar, sendo um ambiente intrusivo, atemporal e desconfortável. Entretanto, ainda que não sejam boas condições para a prática da psicanálise, é importante oferecer uma escuta ao paciente hospitalizado, pois este é um momento de ressignificação da vida, e por vezes, da morte. Sabe-se que a abordagem mais indicada para o atendimento no sistema de saúde é o atendimento de grupo dentro da terapia cognitivo-comportamental.

No presente caso clinico, o atendimento psicanalítico, adaptado ao âmbito hospitalar, que muitas vezes não fornece tempo suficiente para a escuta necessária, levantou a hipótese de a doença da paciente ser causada por ansiedade. Além de questionar: O que se pode fazer frente à negativa da paciente diante do tratamento? E a resposta encontrada foi que o melhor caminho é o respeito à subjetividade, a liberdade, aos valores e as crenças do sujeito. Na medida em que a paciente se fortalecia psiquicamente, também se revigorava fisicamente. No caso estudado, a paciente negava o tratamento devido as suas questões religiosas, assinando um termo de compromisso. Ao se sentir respeitada pela equipe médica, pode expressar seu medo de morrer. Ao perceber o apoio recebido, a paciente expressava que queria viver. Indo contra as expectativas do risco de morte, recuperou-se, mesmo sem a transfusão, e recebeu alta. Na escuta psicanalítica não houve a intenção de suprimir os sintomas, mas deu à paciente a oportunidade de refletir sobre sua enfermidade e as consequências de suas decisões. A escuta possibilitou a ressignificação da aceitação da morte pelo desejo da vida.

Tem-se dado atenção aos fatores psicológicos que influenciam a não adesão ao tratamento. É importante avaliar o contexto social do indivíduo e seus recursos psíquicos para enfrentamento da doença. Deve-se sempre atentar ao que é do paciente, já que no presente caso a demanda religiosa vinha da irmã e da pressão familiar.  Levanta-se a hipótese que, quando o paciente nega o tratamento, o aparelho psíquico não seria forte o suficiente para enfrentar a ameaça a existência. Os procedimentos clínicos e a rotina de exames são angustiantes ao paciente, pois alertam de um perigo, de uma ameaça de destruição. O não querer do paciente deixa a medicina em posição de impotência, o que gera revolta, desaprovação, raiva e indignação da equipe de saúde devido a sua limitação diante da questão da morte. O trabalho psicológico também busca acolher a angustia da equipe de profissionais na compreensão de o paciente ser um sujeito além de seu corpo físico. A negativa ao tratamento, por parte do paciente, mexe com as questões dos profissionais que estão atendendo, gerando sentimentos de impotência e frustração.  Muitas vezes, a pressão médica ou a falta de comunicação faz com que o paciente entre em um tratamento que serve apenas para que a equipe fique com a consciência tranqüila de que fez todo o possível, sem questionar ao paciente sua vontade. Muitas vezes o paciente fica passivo em relação ao saber medico, sem questionar. Monteiro et. al. (2017) critica os tratamentos invasivos em pacientes sem possibilidade de recuperação, o que transforma o processo de morte em algo lento e doloroso.

 

Salvar e proteger a vida representa o objetivo clássico da medicina. Os demais objetivos da medicina são a promoção e a manutenção da saúde, bem como o alivio da dor e sofrimento. Silva (2018) discorre sobre o principio paternalista médico, encontrado na história da medicina, principalmente nos Estados Unidos. Ocorre quando o médico, com intenção de beneficiar o paciente, decidindo o que era melhor para ele e sem considerar seu consentimento, omitia informações e utilizava da coerção, com finalidade de não causar ao paciente sofrimento psicológico.  Entretanto se discutia que, supondo saber o que era melhor para o paciente, os médicos tomavam decisões, sem considerar a vontade daqueles. Foi muito praticado até meados de 1914, quando a lei entendeu que a intervenção sem o consentimento do paciente ou e de seus familiares consistia em uma violação ao direito de autonomia do indivíduo. O direito de autonomia do indivíduo, ainda de acordo com Silva (2018), é o direito do paciente de decidir, de forma autônoma, sobre sua saúde, tratamento e vida. O princípio da autonomia do individuo consiste na capacidade de escolha, avaliando as possibilidades sem quaisquer restrições internas ou externas, sendo a capacidade que o indivíduo possui de fazer uma escolha e agir de acordo com ela. É como princípio informador do agir médico, a autonomia aponta para o direito de autodeterminação do paciente, ao reconhecer e privilegiar sua vontade.

Angerami-Camon (1997) coloca que exatamente pelo sentimento de impotência diante da morte, os médicos, muitas vezes, tendem a transmitir ao psicólogo a responsabilidade de lidar com ela dentro do ambiente hospitalar. Aonde o objetivo principal do psicólogo hospitalar seria minimizar o sofrimento decorrente da hospitalização. Assim como as angustias emocionais em si, que carregam, muito nitidamente, a possibilidade da morte.

No âmbito hospitalar, o enfoque é no paciente hospitalizado, seu adoecimento e tratamento. Aonde, com a abordagem psicanalítica, conseguiu-se a compreensão do não dito, ou seja, a própria impotência do paciente em relação a sua finitude. O objetivo da medicina é o corpo e a remissão do sintoma físico, enquanto a psicologia está atenta ao sujeito e sua relação com o sintoma e situação atual, tendo atenção ao que é subjetivo. O paciente vai ao hospital querendo tratar sua dor, sua doença física. Neste momento e neste ambiente, seu psiquismo não está em foco.

Faz parte do trabalho do psicólogo estimular a adesão ao tratamento, a fim de prevenir recaídas e diminuição da qualidade de vida. Coloca-se que o paciente deve obedecer às recomendações dos profissionais de saúde e que seu comportamento deve coincidir com os conselhos e indicações médicas. Entretanto o paciente tem autonomia para escolher seguir ou não o tratamento, mas o profissional não tem responsabilidade sobre as consequências dessa decisão (Reiners et. al., 2008).

Dosse et. al. (2009) define que a adesão ao tratamento é caracterizada quando o comportamento do individuo coincide com um conselho médico ou de saúde, em relação ao hábito de usar medicamentos, alterar o estilo de vida, realizar o tratamento, comparecer às consultas médicas, etc. Reiners et. al. (2008) aponta que tem sido conferida ao paciente a maior carga de responsabilidade pela adesão ou não ao tratamento. Ainda, expõem a dificuldade psicológica de lidar com a doença como uma causa de não adesão.

Um pensamento bastante polemico sobre a liberdade de viver e de morrer do sujeito diz respeito a psicologia humanista existencial. Segundo Cruz (2005) no Existencialismo, o ser humano é um ser essencialmente livre e, sendo assim, é responsável por suas escolhas, que estão inclusas em um universo de possibilidades. Dentro desta abordagem filosófica considera-se que diante da possibilidade da morte, o individuo tem duas escolhas: viver ou morrer. O ser humano não é realmente livre, é impedido a todo o momento de escolher morrer, por assim dizer. A ética do profissional da saúde preconiza a manutenção da vida, ainda que para tanto, em algumas doenças, mais graves que no presente caso clinico, o paciente precise ficar ligado à maquinas e fazer tratamentos severos, perdendo sua liberdade e subjetividade, prendendo-se ao sistema, diminuindo sua qualidade de vida, na esperança de recuperá-la futuramente. São raros os que escolhem não fazer o tratamento.

Acredita-se que, após compreender o paciente como ser subjetivo, com seus motivos, liberdade e responsabilidade por suas decisões, e que o próprio paciente se compreenda através de seu autoconhecimento, deve ser livre para fazer sua escolha, ainda que esta seja a de não adesão ao tratamento que pode estender sua vida, mas, por vezes, vivendo o pouco que lhe resta, da melhor forma. Em lugar de buscar um tratamento com poucas chances de melhora, pensando em sua família, por exemplo, aceitar seu momento e aproveitar sua família no presente. Cruz (2005) ainda questiona se “Seria absurdo considerar que, para alguns pacientes, como, por exemplo, o que já estão fora de possibilidades terapêuticas, a morte pode ser entendida como uma espécie de cura?” (p. 22) Kovács (2003) também questiona: “Os profissionais de saúde, que têm o dever de cuidar das necessidades dos pacientes, podem atender um pedido para morrer?” (p.116) ou “Podem ser interrompidos tratamentos que têm como objetivo apenas o prolongamento da vida, sem garantia da qualidade da mesma?” (p.117)

De acordo com Kovács (2003) a morte é vista como tabu, algo que não deve ser discutido. Por outro lado, houve um grande desenvolvimento da medicina que permitiu a cura de diversas doenças e um prolongamento da vida. Entretanto, este desenvolvimento pode gerar uma dificuldade quando se trata de salvar uma vida, buscar uma cura, com esforços hercúleos, aonde a morte já se encontra presente.

“Esta atitude de tentar preservar a vida a todo custo é responsável por um dos maiores temores do ser humano na atualidade, que é o de ter a sua vida mantida às custas de muito sofrimento, solitário numa UTI, ou quarto de hospital, tendo por companhia apenas tubos e máquinas.” (Kovács, 2003, p.116)

  

REFERÊNCIAS:

Angerami-Camon, V.A. Psicologia Hospitalar-Teoria e Prática. São Paulo, Pioneira, 1997.

Cruz, T. F. S. (2005).PSICOLOGIA HOSPITALAR E EUTANÁSIA. Rev. SBPH v.8 n.2 Rio de Janeiro dez. 2005. Disponpivel em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582005000200003> Acesso em: 20 de Setembro de 2018.

Dosse, C; Bernardi, C; Vilela-Martin, J. F; Andrade, C. M. C. (2009). Fatores associados à não adesão dos pacientes ao tratamento de hipertensão arterial. Revista Latino-Americana de Enfermagem, vol. 17, núm. 2, abril, 2009. Universidade de São Paulo. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=281421907010> Acesso em: 20 de Setembro de 2018.

Figueiredo, M. A. D. (2009). A psicanálise no hospital geral: possibilidades e impossibilidades. Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, 4(8).

Kovács, M. J.  (2003). Bioética nas questões da vida e da morte. Psicologia USP, São Paulo, v.14, n.2, p.115-67. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pusp/v14n2/a08v14n2.pdf> Acesso em: 20 de Setembro de 2018.

Monteiro, M. C; Magalhães, A. S; & Machado, R. N. (2017). A Morte em Cena na UTI: A Família Diante da Terminalidade. Temas em Psicologia – Setembro 2017, Vol. 25, nº 3, 1285-1299

Reiner, A. A. O; Azevedo, R. C. S; Vieira, M. A. Arruda, A. L. G. (2008). Produção bibliográfica sobre adesão/não-adesão de pessoas ao tratamento de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 13(Sup 2):2299-2306, 2008. Disponível em: <https://www.scielosp.org/pdf/csc/2008.v13suppl2/2299-2306> Acesso em: 20 de Setembro de 2018.

Silva, G. B. (2008). Bioética e biodireito e o direito de morrer com dignidade.

 


 

Análise Crítico Reflexiva: Morte e Luto

 

Hayashida, N. M. A; Assayag, R. H; Figueira, I; & Matos, M. G. (2014). Morte e Luto: competências dos profissionais. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas. 10(2). P.112-121.

 


O artigo “Morte e Luto: competências dos profissionais” busca trazer uma discussão sobre a importância de falar sobre a morte e de haver uma melhor educação e preparação dos profissionais que lidam com a morte e o luto. Morte é algo que leva a tristeza, a auto-reflexão, a um evitamento sobre o tema. Basso & Waider (2011) colocam que a morte ainda é vista como um tabu, cercada de mistérios e de crenças. As pessoas não se encontram preparadas para lidar com a finitude humana. Essa fuga do tema da morte caracteriza uma tendência social a fugir da velhice, que representaria a própria finitude. Falar o que pensa em relação à morte pode fortalecer o indivíduo e fornece chances de lidar com a morte e o luto de forma saudável e adequada.

No presente artigo foi estudada a forma de lidar com os processos da morte nos diferentes ciclos de vida. Verificou-se mais dificuldade quando se tratando de crianças, adolescentes ou jovens adultos, pessoas no inicio ou no auge da vida, em comparação aos idosos. A adultez é a etapa da vida aonde se realizam muitos projetos e há mais responsabilidades, na morte nesta etapa da vida pode haver identificação do profissional de saúde com a pessoa falecida, caso o profissional se encontre no mesmo estágio da vida, o que desperta nele as concepções que tem acerca da própria morte. Verificou-se que quanto maior o tempo de atuação profissional, mais fácil lidar com a morte, entretanto, é difícil a todos os profissionais quando se trata de paciente criança ou adolescente em sofrimento, ou morte trágica e abrupta. Quando a morte acontece inesperadamente, como acidentes ou suicídio, a família encontra-se mais desorganizada, pois tem a necessidade de estruturar o cotidiano de forma totalmente nova e desconhecida. A morte da pessoa idosa geralmente se trata de uma perda gradativa e significativa, que desperta um luto antecipado e complicado, com sobrecarga, falta de recursos pessoais e materiais, delegação de cuidados e sentimentos complexos como a culpa.

Os avanços científicos e da medicina permitem ao homem desafiar a morte desenvolvendo a cura de várias doenças, prevenindo ou tratando-as, entretanto jamais conseguiu evitar a finitude, sendo a morte algo que não pode ser vencido. Estudantes e profissionais tem preparo insuficiente para lidar com a experiência humana de morte, há uma ausência da temática do processo de morrer e da morte na formação profissional. Isso pode despertar sentimentos de angustia, ansiedade, estresse, sofrimento psíquico, depressão, culpa, fracasso, impotência, frustração, tristeza e burnout. Muitos profissionais que se confrontam regularmente com o fenômeno difícil e complexo da morte e do morrer, percebem-se despreparados para lidar com as questões de finitude, tendo uma visão de que morte é sinônimo de fracasso e impotência. No caso do trabalhador da saúde a morte de pacientes pode despertar pensamentos sobre sua própria morte ou de familiares. Segundo Silva (2012) os profissionais da saúde são preparados para cuidar do outro a fim de que o outro fique bem, mas poucos aprendem a auxiliar no processo de morte, e na elaboração do luto.

Seria de grande contribuição um aumento das discussões sobre os temas acerca de morte e luto, com palestras, projetos, vivências e rodas de conversa na formação dos profissionais. Tendo uma abordagem biopsicossocial, dando atenção ao emocional, social, espiritual e físico do sujeito. Também se destaca a importância de uma maior educação para a morte com adequada formação acadêmica, conhecimentos acerca dos cuidados paliativos, atenção na comunicação sobre a morte e o morrer, cuidado das emoções e sentimentos dos profissionais, respeito à subjetividade e criação de adequados espaços de fala para que os profissionais possam se expressar sobre o que pensam e sentem em relação à temática da morte. Não apenas profissionais da saúde, mas também outros profissionais que lidam direto com a morte, como coveiros e agentes funerários. A desmistificação do tema da morte e do luto e o reconhecimento das crenças acerca do tema auxiliam os profissionais a conviver melhor com esta realidade. Podendo prestar melhor auxílio aos pacientes que não respondem mais ao tratamento de cura, permitindo à equipe aceitar melhor seus próprios limites de intervenção e fornecer adequados cuidados paliativos para uma morte sem sofrimentos.

Uma das atribuições do profissional se refere a fornecer suporte emocional aos familiares que elaboram seu processo de luto. Validando os sentimentos e emoções do enlutado ao compreendê-los, ouvi-los, apoiá-los, dando-lhes um sentimento de amparo. Silva (2012) expõem que a postura adequada de um profissional que lida com estes eventos é a empatia caracterizada pela capacidade de prestar atenção, ouvir e verbalizar de forma sensível. Silva (2012) ainda comenta que apenas 7% dos pensamentos são transmitidos por palavras, portanto a disposição para ouvir substitui o falar, em um momento aonde o mais adequado é acolher o sofrimento, as dúvidas e reflexões do outro.

Destaca-se a importância de comunicar a verdade sempre a pacientes e famílias, dando um real prognostico, respeitando assim o direito de autonomia e de decisão, permitindo também um maior apoio e consciência da realidade. É necessário o fornecimento das informações necessárias sobre a doença, embasadas na verdade, evitando distorções da informação. Silva (2012) coloca que as verdades devem ser ditas, mas respeitando o limite do outro de querer ou não ouvi-las. “As pessoas precisam da verdade durante toda a vida, não apenas no fim dela, por respeito, para poderem desenvolver sua autonomia e arbítrio. Por essa razão receber más notícias faz parte da nossa vida” (Silva, 2012, p. 52).

Destaca-se a importância de criar um espaço no ambiente de trabalho para a discussão acerca da morte, com o objetivo de fornecer aos profissionais mais ferramentas para lidar com esse fato. Busca-se conversar sobre a expressão dos sentimentos, a elaboração do luto, desmistificando as crenças disfuncionais sobre a morte, tendo uma atitude que não a interdição. Mostra-se a importância de falar sobre o tema, ao invés de negá-lo. Entretanto há dificuldades na comunicação, condicionada pelas emoções da equipe de saúde. Também se destaca a falta de preparação que os trabalhadores sentem e expressam, devido às deficiências em sua formação acadêmica e falta de espaços adequados para a partilha dos sentimentos ou preocupações.

Expõe-se também as alterações sociais e culturais, expressas por meio do aumento do número de óbitos em contexto institucional. Cultura que evita falar da morte como gostaria de evitar a morte. O que, de acordo com Silva (2012) também permite questionamentos sobre uma sociedade aonde as pessoas morrerem sozinhas, muitas vezes rodeadas de tubos e máquinas. A institucionalização da morte tira a subjetividade dos indivíduos, despindo-os de sua identidade e transformando-os em objetos, números, doenças, casos.  Monteiro et. al. (2017) expressa que a situação de morte institucionalizada, como nos casos das Unidades de terapia Intensiva (UTI) pode desencadear situações estressoras e ansiogênicas, devido a fatores como: “impessoalidade do ambiente, a solidão e o isolamento facilitados pela restrição do horário de visitas, o prognóstico incerto ou desfavorável, a falta de informação adequada, o medo da morte, do sofrimento físico e psíquico do paciente e a falta de privacidade e individualidade” (p. 1286).

De acordo com Basso & Waider (2011) por algum tempo, a morte foi considerada como natural do ser humano, sendo tranquila e resigna¬da. Na Idade Média, a morte era vista com tranqui¬lidade, era um acontecimento familiar, frequente, por isso, considerada um fato natural. Com o passar do tempo, embora a morte fosse vista como cotidiana, passou a ser percebida como um fracasso do morto em relação à vida, salientando a impotência do homem diante dela. Com as mudanças sociais e culturais, a morte passou a ser afastada do cotidiano, aos pacientes é um fato omitido, e para a sociedade é caracterizada pelo silêncio. A morte atualmente é um fenômeno que gera medo e pode desencadear uma sensação de fragilidade, não só para quem está morrendo, mas também para os familiares e amigos. É vista como um tabu, cercada por mistérios, crenças. Gera muita negação, sendo um tema obscuro e encoberto, entretanto é um assunto do qual não se pode fugir, pois a morte sempre está presente na vida (Basso & Waider, 2011).

 


REFERÊNCIAS:

Basso, L. A; & Wainder, R. (2011). Luto e perdas repentinas: Contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas 2011 •7(1) • pp. 35-43

Monteiro, M. C; Magalhães, A. S; & Machado, R. N. (2017). A Morte em Cena na UTI: A Família Diante da Terminalidade. Temas em Psicologia – Setembro 2017, Vol. 25, nº 3, 1285-1299

Silva, M. J. P. (2012). Comunicação de Más Notícias. O Mundo da Saúde, São Paulo - 2012;36(1):49-53.

 



Análise Crítico Reflexiva: O Psicólogo está preparado para atuar na rede de saúde mental?

 

Macedo, J. P., & Dimenstein, M. (2016). Efeitos do saber-fazer de psicólogos na saúde mental do Piauí. Revista de psicologia, 28(1), 37-45.

 


No artigo “Efeitos do saber-fazer de psicólogos na saúde mental do Piauí”, Macedo e Dimenstein (2016), buscam realizar uma analise sobre os saberes e práticas dos psicólogos que atuam na rede de saúde mental. Objetivando compreender as percepções e intervenções, que embasam as compreensões e estratégias de ação dos psicólogos desta área, e os possíveis efeitos destas escolhas. Respondendo ao questionamento: “Os psicólogos têm articulado, em suas práticas profissionais, atuações que conjugam ação técnica e ação política?” Para tanto foi feito um estudo qualitativo exploratório com observações e entrevista semi estruturada com 82 psicólogos atuantes na saúde pública, abrangendo os três níveis de complexidade do SUS. No presente estudo se destacaram como meios de intervenção as abordagens clínicas, humanistas e fenomenológicas, psicanalíticas, cognitivo-comportamentais e corporais.

 

Nesta pesquisa foi verificado o pouco conhecimento teórico e prático na área. Em geral, os cursos preparam pouco, tendo um caráter predominantemente clínico da formação com práticas tradicionais, foco no individual e no intrapsicológico. Ainda predomina o modelo de atuação clássico da psicologia clínica, que é pouco harmonioso com a perspectiva da atenção biopsicossocial. Esta considera fatores políticos, culturais, econômicos, espirituais, ambientais, territoriais, entre outros, como determinantes do sofrimento psíquico. Tirando foco do binômio doença e loucura, que vê determinantes orgânicos como principais causadores e leva á uma ideia de cura, como no modelo biomédico de atuação.

 

Castro e Bornholdt (2004) colocam sobre a graduação deficitária do profissional de psicologia, pois a formação não fornece as bases necessárias para esta prática. Não falta apenas teoria e técnica, mas também comprometimento com o social e preparação para ocupar-se dos problemas de saúde existentes em sua região e ter atuação multiprofissional.

 

Ainda se busca as transformações que ocorrem lentamente após o movimento de reforma psiquiátrica, como a desinstitucionalização do sujeito, e seu protagonismo, na tentativa de construir um novo lugar para a doença mental na sociedade. Supressão dos sintomas através de hospitalização e medicalização objetificam o paciente, cujo os saberes envolvidos encontram-se hierarquizados pelo modelo biomédico. A medicalização da vida cotidiana anula o sujeito. Não se trata só a doença, mas o individuo como um todo, e sua rede de apoio e acolhimento.

 

Entretanto, com a implantação tardia e crescimento rápido dos cursos de psicologia e dos profissionais no mercado, se verifica que o psicólogo, muitas vezes, permanece no papel de identificar patologias e estimular a adesão ao tratamento medicamentoso, visando remissão de sintomas, estabilidade emocional e afetiva do paciente e reestruturação psíquica. Sendo muito comum o atendimento individual com base no modelo psicoterapêutico, e raro o trabalho em equipe. Os currículos dos cursos de psicologia já trazem mais sobre a prevenção e a promoção da saúde para maior qualidade de vida do sujeito, porém ainda tem ênfase no diagnostico e na resolução de problemas comportamentais, de personalidade ou afetivos. Observou-se que os psicólogos se mostravam comprometidos com saberes e práticas que legitimam socialmente a psicologia enquanto profissão, em detrimento de praticas de atenção psicossocial.

 

 Castro e Bornholdt (2004) dissertam que o foco da formação do psicólogo está basicamente no tratamento individual e no modelo clínico, que é a base da sua identidade profissional. Mas, em contraponto, há uma grande demanda de trabalho na área da saúde pública, o que acarreta em profissionais mal preparados trabalhando com o antigo modelo clínico individual no contexto sanitário, sem ter o conhecimento necessário para a atuação multidisciplinar, de intervenção, promoção e prevenção. Neste âmbito é mais produtivo realizar trabalhos grupais. Ainda segundo Castro e Bornholdt (2004), o psicólogo simplesmente adapta o modelo clinico tradicional para o âmbito da saúde, por não saber ao certo sobre suas tarefas e seu papel dentro do sistema. O próprio serviço também não sabe o que esperar deste profissional, que acaba por descobrir que sua estratégia não funciona como o esperado, e gera duvidas quanto a sua efetividade e eficácia. Expõem- se que as experiências mal sucedidas por psicólogos na saúde se dão devido ao distanciamento da realidade e da inadequada assistência mascarada por um falso saber.

 

A formação do psicólogo é deficitária no que se refere aos conhecimentos da realidade sanitária do Brasil. A formação elitista não habilita o aluno e o profissional para lidar com o sofrimento físico que anda junto com o sofrimento psíquico, distancia das reais demandas existentes, com a injustiça social, fome, violência e miséria (Castro & Bornholdt, 2004). Há uma grande discrepância entre as propostas da psicologia e a realidade brasileira. Em vários estudos aparece uma formação acadêmica insuficiente, que não condiz com a prática profissional do psicólogo da saúde, sendo esta diferente do fazer clínico tradicional em consultório privado (Castro & Bornholdt, 2004).

 

Besteiro e Barreto (2003) apud Castro e Bornholdt (2004) colocam que a formação do psicólogo para trabalhar na área da saúde deve contemplar conhecimentos sobre as bases biológicas, sociais e psicológicas da saúde e da doença. Além de avaliação, assessoramento e intervenção em saúde, políticas e organização de saúde e colaboração interdisciplinar. Importante também que se tratem temas profissionais, éticos e legais e conhecimentos de metodologia e pesquisa em saúde.

 

Macedo e Dimenstein (2016) Apontaram também que houve uma grande ampliação da rede de serviço, mas com poucos avanços, sendo ainda um desafio a implementação da cultura interprofissional e multidisciplinar, e do trabalho em equipe na atenção psicossocial e saúde coletiva. Verifica-se que se faz necessária a criação de novas perspectivas de cuidado e real trabalho interdisciplinar. Também foi indicada a ausência da articulação da rede junto à população e entre os serviços. Desde a década de 40, há uma supremacia da instituição hospitalar no que diz respeito à saúde da população. Entretanto, trata-se de um modelo que prioriza as ações de saúde na atenção secundária, ou seja, um modelo clínico e assistencialista. O que deixa preteridas as ações de saúde coletiva, que dizem respeito ao modelo sanitarista (Castro & Bornholdt, 2004).

 

A psicologia vem saindo do tradicional campo clínico e abrangendo suas ações para outras áreas, de maior alcance. A psicologia da saúde é um campo de estudo relativamente novo, que vem ganhando espaço de atuação, sendo cada vez mais estudada e difundida. Entretanto, observa-se que os campos de saberes são ainda bastante homogêneos, fundamentalmente ancorados no campo da psicologia e psiquiatria tradicionais. A psicologia alcançou a legitimidade do saber científico, porém não pode perder de vista o humano, sendo uma prática essencial à saúde da sociedade.

 

O fazer do psicólogo que trabalha com Psicologia da Saúde é um desafio, principalmente no Brasil, onde as demandas regionais são muito diversas. Porém, no artigo, observa-se que o local, a população e as necessidades são diferentes, entretanto, as ferramentas teóricas e praticas e intervenção são as mesmas. O saber fazer clássico da profissão ainda é hegemônico. A falta de conhecimento sobre Psicologia da Saúde na graduação faz com que muitos psicólogos que trabalham nessa área atendam clinicamente visando o individual e o ajustamento de condutas.

 

É importante, e parte da atuação do psicólogo no serviço de saúde, poder estimular o usuário do serviço a gerenciar sua vida, aumentar sua capacidade de escolha, estabelecer relações e projetos para o futuro, adquirir autonomia e maior cidadania, empoderando-o de sua própria história e estabelecendo relações que produzam menos subjetividades empobrecidas ou anuladas. Sendo o psicólogo, mobilizador de ações que contribuam com o processo de cuidado e reinserção social do sujeito e de sua família na comunidade.

 

Referências:

 

Castro, E. K., & Bornholdt, E. (2004). Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional. Psicologia Ciência e Profissão, 24 (3), 48-57