quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Análise Crítico Reflexiva: O Psicólogo está preparado para atuar na rede de saúde mental?

 

Macedo, J. P., & Dimenstein, M. (2016). Efeitos do saber-fazer de psicólogos na saúde mental do Piauí. Revista de psicologia, 28(1), 37-45.

 


No artigo “Efeitos do saber-fazer de psicólogos na saúde mental do Piauí”, Macedo e Dimenstein (2016), buscam realizar uma analise sobre os saberes e práticas dos psicólogos que atuam na rede de saúde mental. Objetivando compreender as percepções e intervenções, que embasam as compreensões e estratégias de ação dos psicólogos desta área, e os possíveis efeitos destas escolhas. Respondendo ao questionamento: “Os psicólogos têm articulado, em suas práticas profissionais, atuações que conjugam ação técnica e ação política?” Para tanto foi feito um estudo qualitativo exploratório com observações e entrevista semi estruturada com 82 psicólogos atuantes na saúde pública, abrangendo os três níveis de complexidade do SUS. No presente estudo se destacaram como meios de intervenção as abordagens clínicas, humanistas e fenomenológicas, psicanalíticas, cognitivo-comportamentais e corporais.

 

Nesta pesquisa foi verificado o pouco conhecimento teórico e prático na área. Em geral, os cursos preparam pouco, tendo um caráter predominantemente clínico da formação com práticas tradicionais, foco no individual e no intrapsicológico. Ainda predomina o modelo de atuação clássico da psicologia clínica, que é pouco harmonioso com a perspectiva da atenção biopsicossocial. Esta considera fatores políticos, culturais, econômicos, espirituais, ambientais, territoriais, entre outros, como determinantes do sofrimento psíquico. Tirando foco do binômio doença e loucura, que vê determinantes orgânicos como principais causadores e leva á uma ideia de cura, como no modelo biomédico de atuação.

 

Castro e Bornholdt (2004) colocam sobre a graduação deficitária do profissional de psicologia, pois a formação não fornece as bases necessárias para esta prática. Não falta apenas teoria e técnica, mas também comprometimento com o social e preparação para ocupar-se dos problemas de saúde existentes em sua região e ter atuação multiprofissional.

 

Ainda se busca as transformações que ocorrem lentamente após o movimento de reforma psiquiátrica, como a desinstitucionalização do sujeito, e seu protagonismo, na tentativa de construir um novo lugar para a doença mental na sociedade. Supressão dos sintomas através de hospitalização e medicalização objetificam o paciente, cujo os saberes envolvidos encontram-se hierarquizados pelo modelo biomédico. A medicalização da vida cotidiana anula o sujeito. Não se trata só a doença, mas o individuo como um todo, e sua rede de apoio e acolhimento.

 

Entretanto, com a implantação tardia e crescimento rápido dos cursos de psicologia e dos profissionais no mercado, se verifica que o psicólogo, muitas vezes, permanece no papel de identificar patologias e estimular a adesão ao tratamento medicamentoso, visando remissão de sintomas, estabilidade emocional e afetiva do paciente e reestruturação psíquica. Sendo muito comum o atendimento individual com base no modelo psicoterapêutico, e raro o trabalho em equipe. Os currículos dos cursos de psicologia já trazem mais sobre a prevenção e a promoção da saúde para maior qualidade de vida do sujeito, porém ainda tem ênfase no diagnostico e na resolução de problemas comportamentais, de personalidade ou afetivos. Observou-se que os psicólogos se mostravam comprometidos com saberes e práticas que legitimam socialmente a psicologia enquanto profissão, em detrimento de praticas de atenção psicossocial.

 

 Castro e Bornholdt (2004) dissertam que o foco da formação do psicólogo está basicamente no tratamento individual e no modelo clínico, que é a base da sua identidade profissional. Mas, em contraponto, há uma grande demanda de trabalho na área da saúde pública, o que acarreta em profissionais mal preparados trabalhando com o antigo modelo clínico individual no contexto sanitário, sem ter o conhecimento necessário para a atuação multidisciplinar, de intervenção, promoção e prevenção. Neste âmbito é mais produtivo realizar trabalhos grupais. Ainda segundo Castro e Bornholdt (2004), o psicólogo simplesmente adapta o modelo clinico tradicional para o âmbito da saúde, por não saber ao certo sobre suas tarefas e seu papel dentro do sistema. O próprio serviço também não sabe o que esperar deste profissional, que acaba por descobrir que sua estratégia não funciona como o esperado, e gera duvidas quanto a sua efetividade e eficácia. Expõem- se que as experiências mal sucedidas por psicólogos na saúde se dão devido ao distanciamento da realidade e da inadequada assistência mascarada por um falso saber.

 

A formação do psicólogo é deficitária no que se refere aos conhecimentos da realidade sanitária do Brasil. A formação elitista não habilita o aluno e o profissional para lidar com o sofrimento físico que anda junto com o sofrimento psíquico, distancia das reais demandas existentes, com a injustiça social, fome, violência e miséria (Castro & Bornholdt, 2004). Há uma grande discrepância entre as propostas da psicologia e a realidade brasileira. Em vários estudos aparece uma formação acadêmica insuficiente, que não condiz com a prática profissional do psicólogo da saúde, sendo esta diferente do fazer clínico tradicional em consultório privado (Castro & Bornholdt, 2004).

 

Besteiro e Barreto (2003) apud Castro e Bornholdt (2004) colocam que a formação do psicólogo para trabalhar na área da saúde deve contemplar conhecimentos sobre as bases biológicas, sociais e psicológicas da saúde e da doença. Além de avaliação, assessoramento e intervenção em saúde, políticas e organização de saúde e colaboração interdisciplinar. Importante também que se tratem temas profissionais, éticos e legais e conhecimentos de metodologia e pesquisa em saúde.

 

Macedo e Dimenstein (2016) Apontaram também que houve uma grande ampliação da rede de serviço, mas com poucos avanços, sendo ainda um desafio a implementação da cultura interprofissional e multidisciplinar, e do trabalho em equipe na atenção psicossocial e saúde coletiva. Verifica-se que se faz necessária a criação de novas perspectivas de cuidado e real trabalho interdisciplinar. Também foi indicada a ausência da articulação da rede junto à população e entre os serviços. Desde a década de 40, há uma supremacia da instituição hospitalar no que diz respeito à saúde da população. Entretanto, trata-se de um modelo que prioriza as ações de saúde na atenção secundária, ou seja, um modelo clínico e assistencialista. O que deixa preteridas as ações de saúde coletiva, que dizem respeito ao modelo sanitarista (Castro & Bornholdt, 2004).

 

A psicologia vem saindo do tradicional campo clínico e abrangendo suas ações para outras áreas, de maior alcance. A psicologia da saúde é um campo de estudo relativamente novo, que vem ganhando espaço de atuação, sendo cada vez mais estudada e difundida. Entretanto, observa-se que os campos de saberes são ainda bastante homogêneos, fundamentalmente ancorados no campo da psicologia e psiquiatria tradicionais. A psicologia alcançou a legitimidade do saber científico, porém não pode perder de vista o humano, sendo uma prática essencial à saúde da sociedade.

 

O fazer do psicólogo que trabalha com Psicologia da Saúde é um desafio, principalmente no Brasil, onde as demandas regionais são muito diversas. Porém, no artigo, observa-se que o local, a população e as necessidades são diferentes, entretanto, as ferramentas teóricas e praticas e intervenção são as mesmas. O saber fazer clássico da profissão ainda é hegemônico. A falta de conhecimento sobre Psicologia da Saúde na graduação faz com que muitos psicólogos que trabalham nessa área atendam clinicamente visando o individual e o ajustamento de condutas.

 

É importante, e parte da atuação do psicólogo no serviço de saúde, poder estimular o usuário do serviço a gerenciar sua vida, aumentar sua capacidade de escolha, estabelecer relações e projetos para o futuro, adquirir autonomia e maior cidadania, empoderando-o de sua própria história e estabelecendo relações que produzam menos subjetividades empobrecidas ou anuladas. Sendo o psicólogo, mobilizador de ações que contribuam com o processo de cuidado e reinserção social do sujeito e de sua família na comunidade.

 

Referências:

 

Castro, E. K., & Bornholdt, E. (2004). Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional. Psicologia Ciência e Profissão, 24 (3), 48-57

 

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